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Como perdoar faz você ser mais feliz e prolonga a sua vida

Estudos comprovam como o poder do perdão age sobre mecanismos do organismo, promovendo felicidade e longevidade

Virgínia Martin - 02/12/2020 16h39 | atualizado em 08/12/2020 00h42

Uma circuitaria cerebral pode funcionar a favor da felicidade quando a escolha pelo perdão é efetivada

Em tempos de pandemia, possuir felicidade de forma plena e real é um desafio. O senso comum diz que felicidade completa não existe e sim momentos felizes. Mas de que forma é viável manter um nível de boa qualidade de felicidade e por maior tempo? Irritabilidade, ressentimento, intolerância, são alguns dos elementos que invadem o cotidiano da sociedade e desestabilizam o equilíbrio das emoções de muita gente.

Para piorar esta desconfiguração emocional, a falta de perdão tem prejudicado o bem-estar de muitas pessoas, tirando paz e devolvendo frustração. Poucos sabem, porém, que sentimentos negativos e até a indiferença para com o ofensor – uma espécie de disfarce para a falta de perdão – podem atrapalhar a produção de neurotransmissores que promovem a sensação de alegria e de bem-estar.

É preciso estar alerta sobre o que o “não perdão” pode causar a curto, médio e longo prazo. Buscar conhecimento sobre o tema é um caminho seguro para ser verdadeiramente feliz e com maior expectativa de vida.

Uma pessoa que guarda rancor, ressentimentos e não consegue perdoar pode ter altos níveis de cortisol no corpo

Para entender melhor como a felicidade pode ser fortalecida no organismo humano, vale mencionar a atuação do sistema límbico, também conhecido como cérebro emocional, que é responsável pela regulação das emoções e responde pelos comportamentos e impulsos básicos, como sexo, ira, prazer e sobrevivência.

Quando o perdão é praticado, ocorrem ativações de neurotransmissores como a serotonina, que atua no humor e bem-estar, a ocitocina, que atua nos sentimentos de afeto e empatia e a dopamina, neurotransmissor responsável pelo prazer, associado ao sistema de recompensa. Ou seja, existe uma circuitaria cerebral que pode funcionar a favor da felicidade quando a escolha pelo perdão é efetivada.

Na direção oposta, quando acontece o estresse, muitas vezes ativado pela falta de perdão, o organisno passa a liberar o hormônio cortisol. Uma pessoa que guarda rancor, ressentimentos e não consegue perdoar pode ter altos níveis de cortisol no corpo, o que desencadeia no aumento da frequência cardíaca, constrição dos vasos sanguíneos, elevação do açúcar no sangue e a redução da insulina. Esta combinação de fatores é perigosa e pode provocar o aparecimento de doenças, como infarto ou AVE, por exemplo.

O perdão é o oposto da fraqueza

Quem analisou os impactos sobre a felicidade por meio do ato de perdoar é Flora Victória, mestre em Psicologia Positiva, pela Universidade da Pensilvânia (EUA). Ela escreveu o livro O Peso da Felicidade, em que explica que o perdão é essencial para a saúde física e mental, para o bem-estar, para a cura das feridas emocionais e também para a qualidade de vida e a duração dos relacionamentos.

Flora Victória: Pessoas que não conseguem perdoar acabam esgotando energia psíquica

A psicóloga destaca que é o perdão que impede a chamada ruminação mental. Trata-se de uma tendência de ficar repassando mentalmente o evento que ocasionou a mágoa ou a ofensa. Pessoas que não conseguem perdoar acabam esgotando energia psíquica. Tornam-se mais vulneráveis à ansiedade e à depressão, mantendo um aprisionamento com o passado. Enquanto que o perdão é a chave para libertação da prisão emocional, consequentemente, promove uma vida mais feliz .

– O perdão é o oposto da fraqueza. Você perdoa porque deseja mudar a si mesmo e recuperar a paz de espírito e não para tentar mudar o comportamento da outra pessoa. Se o outro não se arrepender, se a reconciliação não for possível, ainda assim você tem o direito de deixar isso para trás e buscar novas perspectivas e objetivos. Visto por esse ângulo, o perdão é altamente fortalecedor.

É o perdão que impede a chamada ruminação mental

Doutor Martin, o criador da Psicologia Positiva, apontou o perdão como uma força de caráter, pois expressa o que o ser humano pode ter de melhor. Isso pode ser comprovado pela paz de espírito que é adquirida após a decisão de perdoar, seja por um motivo de baixa, média ou alta gravidade. Achar, no entanto que o perdão depende da atitude de quem ofendeu é colocar nas mãos de outro o poder de controlar os próprios sentimentos e comportamentos.

O PROCESSO DO PERDÃO
Na análise de Flora Victória, o perdão é uma escolha e uma decisão, porém, não significa que seja fácil. Decidir perdoar desencadeia o início de um processo que ocorre ao longo do tempo. Tal processo começa com o fato da pessoa admitir o que aconteceu e reconhecer como se sentiu. Outro passo é aceitar que o ser humano não tem o poder de mudar o que aconteceu nem obrigar alguém a se arrepender.

– Esse é o significado de ficar em paz com o passado. É importante canalizar as energias para algo que seja positivo e benéfico – enfatiza Flora.

A psicóloga ressalta que o processo do perdão precisa ser bem feito. Para Flora, não é negando emoções negativas que as pessoas irão experimentar mais emoções positivas. Nem é saudável simplesmente abrir mão de ter razão ou “fazer de conta” de que quem sofreu a dor não foi ou está ferido ou agredido. Esse não é o melhor caminho, pois a dor emocional vai continuar a existir.

Não é negando emoções negativas que as pessoas irão experimentar mais emoções positivas

– O caminho é aprender a aceitar e conviver com as emoções e não negá-las. Porém, é preciso entender que esse processo é individual. Ter razão por sentir-se magoado não é o mesmo que esperar ou exigir que os outros deem razão a você. A frase deveria ser reformulada da seguinte forma: “Prefiro ser feliz a me desgastar esperando que as pessoas concordem comigo o tempo todo”.

Quando o perdão é praticado, ocorrem ativações de neurotransmissores

CONEXÕES E LONGEVIDADE
De acordo com o pesquisador e psiquiatra Robert Waldinger, bons relacionamentos mantém as pessoas mais felizes e saudáveis. Ele realizou uma pesquisa chamada O Estudo do Desenvolvimento Adulto de Harvard, onde lecionou. Ele analisou 724 jovens e os dividiu em dois grupos, durante 75 anos, desde 1938. A cada ano, os pesquisados eram acompanhados com exames laboratoriais, entrevistas pessoais e com a família. Waldinger, que é o quarto diretor do estudo, seguiu um protocolo de pesquisa desde a adolescência até a velhice dos participantes. Até o termino do estudo, 60 participantes permaneceram com vida. E três lições foram concluídas.

1. As pessoas mais conectadas com amigos, família e comunidade, são mais felizes, fisicamente mais saudáveis e vivem mais tempo.

2. A qualidade das conexões sociais é extremamente importante, ou seja viver em meio a relações boas e reconfortantes protege o ser humano. Na pesquisa, pessoas que estiveram protegidas emocionalmente por meio de relacionamentos, mesmo nos momentos de muita dor física, permaneceram felizes. Porém, as pessoas que estavam em relacionamentos infelizes, a dor física piorava ainda mais pela dor emocional.

3. Harmonia nos relacionamentos protege o cérebro. Pessoas que sabem que têm alguém para contar em momentos de necessidade têm os seus cérebros e memórias preservadas por mais tempo. Não importa se existem pequenas discussões, mas saber que existe alguém para contar em algum momento difícil pode fazer muita diferença.

A pesquisa deixa extremamente clara a importância dos relacionamentos, o que está diretamente ligado ao perdão. O pesquisador Waldinger afirma que reconhecer as próprias faltas e imperfeições leva ao arrependimento e que após a confissão abre-se um caminho para o perdão recíproco e para a promoção da felicidade no organismo humano.

Nazareth Ribeiro é neuropsicóloga com doutorado pela ESC Rennes, na França. Em sua avaliação de 35 anos de experiência, ela afirma que a inteligência emocional pode ser desenvolvida e a compaixão pode ajudar neste processo. A autocrítica e baixa auto-estima, porém, podem bloquear o sentimento de compaixão e de perdão, o que faz uma pessoa levar tudo para o lado negativo. O auto cuidado e o amor por si mesmo, pondera Nazareth, pode também ajudar a enxergar o outro de outra forma.

– Exercer o perdão não quer dizer que você tenha que ser permissivo com quem lhe fez mal, mas é você tomar a decisão de não ficar revivendo o sentimento. E resolver isto dentro de você. Tenha certeza de que sofre mais quem fica guardando esta emoção negativa do que quem efetivamente praticou a ação – relata a neuropsicóloga, que é também professora de MBAs da Fundação Getulio Vargas e coordena psicólogos voluntários da plataforma Saúde Digital MG, que presta atendimento a pacientes com Covid da Secretaria de Saúde de Minas Gerais.

Sob uma perspectiva de espiritualidade, o escritor Maurício Zagari fala sobre o perdão total, que chama de perdão bíblico. Segundo Zagari, “perdão parcial” não existe no evangelho de Cristo. Ou alguém perdoa completamente o outro ou, de fato, não perdoou.

– Perdoar não é uma opção, é um mandamento. E, se esse mandamento não for obedecido, as consequências são muito graves, como Jesus deixou claríssimo: “Quando estiverem orando, se tiverem alguma coisa contra alguém, perdoem-no, para que seu Pai no céu também perdoe seus pecados. Mas, se vocês se recusarem a perdoar, seu Pai no céu não perdoará seus pecados” (Mc 11.25-26).

Perdoar não é uma opção, é um mandamento

Zagari é autor de três livros, Perdão Total, Perdão Total no Casamento e Perdão Total na Igreja. Em suas produções literárias, ele afirma que perdoar é sempre difícil. Lembra de que Deus não ensina a perdoar somente aqueles que lisonjeiam, que abençoam ou que cooperam financeiramente com o ofendido. Formado em Teologia e em Jornalismo, o escritor considera que o perdão só pode existir quando uma pessoa fere a outra.

– Por isso, somos chamados a perdoar quem nos traiu, no abandonou, no feriu, nos magoou. E, se nosso ofensor somos nós mesmos, isso não torna a tarefa mais simples, pois o senso de culpa e indignidade por algo de mau que fizemos e de que nos arrependemos é tão doloroso quanto ofensas sofridas da parte de outras pessoas. Esse é um dos erros que muitos cometem quanto ao perdão bíblico: esperar se tornar fácil para, então, perdoar quem lhe fez mal, quando nunca será fácil.

Maurício Zagari escreveu três livros sobre o perdão total

ILUSÕES SOBRE O PERDÃO
Achar que é preciso sentir vontade de perdoar para perdoar representa uma ilusão na compreensão do tema. Como também achar que o perdão faz com que a pessoa esqueça a ofensa sofrida. Ou seja, perdoar não é sofrer amnésia. Perdão é uma atitude da razão e não dos sentimentos.

Outra ilusão é acreditar que é preciso parar de sentir a dor da ofensa para ser capaz de perdoar, quando é o perdão que faz a dor da ofensa sumir. Ou pensar que perdoar elimina as consequências da ofensa.

Zagari lembra da história bíblica de Davi. Quando foi perdoado de assassinato e de adultério, ainda assim seu filho com Bateseba morreu e Urias não ressuscitou. O escritor acredita que o perdão é um ato da graça e não do mérito.

Mais uma ilusão é acreditar que arrependimento é um sentimento e não uma atitude. Ou ainda pensar que perdoar implica em voltar a conviver com o ofensor como se nada tivesse acontecido.

É possível criar uma situação para a pessoa recuperar a credibilidade

PLANEJAMENTO PARA PERDOAR
Boas desculpas incluem alguma reparação real ou simbólica. É possível criar uma situação para a pessoa recuperar a credibilidade ou você admitir o seu erro publicamente. Em muitos relacionamentos, um simples abraço já é o bastante.

Explicar o que fará de maneira diferente na próxima vez, para não repetir a ação ou comportamento ofensivo. Isso ajuda a reconstruir a confiança.

Se não tiver certeza de como consertar, perguntar: “há algo que eu possa fazer para compensá-lo?”

Mas, acima de tudo, cumprir todas as promessas. Quando uma pessoa se sente culpada ou envergonhada, às vezes, se corrige demais na tentativa de obter perdão. Se o outro está exigindo algo que alguém não pode dar, é bom pensar em outra alternativa.

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