Cientistas testam vacina contra HIV; estudo é o mais promissor em décadas
Estudo com mais de 6 mil pessoas está sendo conduzido em vários países
Pleno.News - 12/07/2021 13h42 | atualizado em 12/07/2021 14h10

O desenvolvimento, em tempo recorde, de várias vacinas contra a Covid-19 parece ter dado o impulso que faltava para a criação de um imunizante contra o HIV.
Após 40 anos do início da pandemia de AIDS, o mundo parece estar perto de ter um produto eficaz na prevenção da infecção. Um estudo com mais de 6 mil pessoas está sendo conduzido em vários países da África, da Europa, da América do Norte e da América Latina, inclusive o Brasil. Para especialistas, é o mais promissor em quatro décadas.
O estudo está dividido em duas frentes. A primeira delas, na África Subsaariana, testa 2.637 mulheres heterossexuais. A segunda, chamada de Mosaico, conduzida na Europa, na América do Norte e na América Latina, está testando 3.600 voluntários, entre homens homossexuais e pessoas trans. No Brasil, o estudo ocorre em oito centros de pesquisa em São Paulo, no Rio, em Minas e no Paraná.
A pesquisa está na fase 3, que testa a eficácia em larga escala. As fases 1 e 2, com menos voluntários, determinam a segurança do produto e a dose apropriada. Numa fase anterior, em macacos, o imunizante apresentou uma proteção de 67% contra a infecção. É por conta deste número que os cientistas estão otimistas. Até hoje, o candidato à vacina contra a AIDS mais eficaz já testado no mundo apresentava proteção de 30%, e sua pesquisa foi deixada de lado.
– Nas fases 1 e 2, a vacina se mostrou muito segura. Os efeitos colaterais são parecidos aos da AstraZeneca contra a Covid: dor local, febre por um dia, dor de cabeça. A imunogenicidade do produto, ou seja, o quanto ele conseguiu induzir uma resposta imune, foi considerada muito satisfatória. Resta saber se essa resposta é capaz de reduzir a incidência da infecção – afirma o infectologista Ricardo Vasconcelos, coordenador da fase 3 no Hospital das Clínicas, em São Paulo.
A vacina está sendo aplicada em pessoas soronegativas que tenham o risco aumentado de exposição à infecção. Os voluntários serão acompanhados por 30 meses. Metade receberá placebo; a outra metade, o imunizante. Cada um tomará quatro doses, com intervalos de três meses entre cada uma.
MUTAÇÕES
A grande capacidade de mutação do vírus HIV, muito superior à do Sars-CoV-2, sempre foi o maior obstáculo para a criação de uma vacina eficaz. A tecnologia usada no novo imunizante é similar à da AstraZeneca desenvolvida contra a Covid-19. Um adenovírus inativado é usado como um “cavalo de Troia” para levar fragmentos genéticos do HIV para dentro da pessoa a ser imunizada, “treinando” o sistema imunológico dela para combater o vírus real. A diferença é que, neste novo produto, estão sendo usados milhares de fragmentos genéticos.
– São muitos tipos diferentes de vírus circulando pelo mundo. A ideia é conseguir cobrir o maior número possível de variantes. [Essa pesquisa] Se chama Mosaico porque reúne milhares de fragmentos de HIV – explica Vasconcelos.
Mas, afinal, por que várias vacinas contra a Covid foram desenvolvidas em menos de um ano e ainda não se chegou a um imunizante contra o HIV?
– A principal resposta é que são vírus diferentes. Não é porque chegamos rápido a uma vacina contra o coronavírus que poderemos chegar, na mesma velocidade, a um imunizante contra outro vírus. Muitas pessoas pegaram Covid e se curaram. Ninguém se curou da infecção pelo HIV. Ou seja, de partida, sabemos que é possível curar a Covid. A resposta imune contra o HIV é muito menos eficaz – pondera Vasconcelos.
Por outro lado, a vacina da AstraZeneca contra a Covid-19 pode ser desenvolvida em menos de um ano porque a plataforma do adenovírus já tinha sido desenvolvida na Universidade de Harvard, em 2015. Sem falar, é claro, do interesse político e do alto investimento financeiro. Agora, as plataformas de RNA mensageiro inéditas, criadas para a Covid, podem facilitar, num futuro próximo, o surgimento de mais candidatos a imunizante contra a AIDS.
– Foram 40 anos de evolução nas pesquisas. Houve várias tentativas; pelo menos seis estudos muito grandes. Mas o HIV é um vírus com uma capacidade de mutação muito grande. A diversidade genética inviabilizava a criação de uma vacina, sobretudo com as tecnologias antigas que tínhamos – diz o infectologista Bernardo Porto Maia, coordenador da pesquisa Mosaico no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo
Atualmente, 38 milhões de pessoas vivem com HIV no planeta, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Até hoje, pelo menos 33 milhões de pessoas morreram vítimas da infecção. Com a evolução nas técnicas de prevenção e nos tratamentos, a mortalidade caiu de 1,7 milhão em 2004, no pico da epidemia, para 690 mil em 2019 – uma redução de 60%. A taxa de infecção também caiu. De 2,8 milhões de novas infecções ao ano, em 1998, para 1,7 milhão, em 2019; uma queda de 40%.
– Os avanços mais recentes, como a profilaxia pós-exposição, estão mudando o rumo da epidemia. A situação melhorou, mas é inaceitável termos quase 700 mil mortes ao ano por uma doença que sabemos como prevenir e como tratar. Nada melhor [do] que a imunização em massa para combater uma pandemia – afirma Maia.
*AE
Leia também1 OMS diz que variante Delta será dominante em todo o planeta
2 'Crime de responsabilidade cada vez fica mais claro', diz Aziz
3 Bolsonaro diz que Renan, Omar e Randolfe são os "três patetas"
4 Covaxin: PF abre inquérito para investigar presidente Bolsonaro
5 Vacina: DF se une a 7 estados e também vai adiantar 2ª dose