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Kleber Lucas: “Apesar da crise, a minha fé está intacta”

Cantor fala sobre carreira, música, divórcio, racismo, intolerância e fé

Rafael Ramos - 21/08/2019 14h18 | atualizado em 10/10/2019 12h16

Kleber Lucas fala sobre novos projetos e vida pessoal Foto: Pleno.News/Samuel Santos

Com mais de 30 anos de carreira, o cantor Kleber Lucas considera estar vivendo uma fase mais madura, tanto no âmbito pessoal quanto profissional. Há seis anos como pastor da Igreja Batista Soul e tendo passado pelo seu terceiro divórcio, assunto tratado ainda como tabu no meio evangélico, Kleber recebeu a reportagem do Pleno.News em sua casa para uma conversa franca, sem fugir dos assuntos.

Prestes a lançar o aguardado álbum M.O.S.A.I.C.O. pela MK Music, que marca seu retorno à cena musical três anos após o CD Pela Fé, Kleber Lucas falou sobre o processo de produção do trabalho e a parceria com o filho Raphael Lucas, no single No Olho do Furacão, disponível nas plataformas digitais. Sem reservas, o artista dá lugar ao seu lado mais humano e fala sobre racismo no meio evangélico e como venceu a insônia após anos dependendo de remédios.

Pleno.News Entrevista
Kleber Lucas
por Pleno.News - 21/08/2019

O público conhece o pastor e o cantor, mas quem é o Kleber Lucas quando o culto acaba e ele volta para casa?
Sou uma pessoa de vida muito simples e faço, geralmente, as mesmas coisas durante a minha vida toda. Acho que, por conta disso, acabo vendo resultados de sucessos e insucessos. Procuro corrigir as coisas que faço de forma recorrente e que são a causa de tantos insucessos que tenho na minha história. E procuro fortalecer as coisas que faço que me dão tanto sucesso ao longo dessa trajetória que me deu tanta coisa boa.

Por falar nesses insucessos, você se arrepende de alguma coisa nessa trajetória?
Eu me arrependo e vivo me arrependendo de coisas. O que está mais evidente e óbvio é que sou uma pessoa que está no terceiro divórcio. Estou procurando ajuda pastoral e de terapeuta para uma releitura da minha própria caminhada. Eu me arrependo, por exemplo, de ter me separado da Mabeni, quando a Michelle e o Raphael eram novinhos e ele pediu pra ir comigo. Eu tive que conviver com isso durante dez anos até o dia em que o Raphael entrou por essas portas daqui de casa com a mala dele. Também me arrependo de ter viajado enquanto meus filhos estavam nas festinhas de escola e reunião de pais. E me arrependo de não ter procurado ajuda quando vi meu casamento com a Mabeni acabando. Hoje temos um bom relacionamento e, graças a Deus, que a Mabeni teve muita misericórdia de mim e não voltou para Goiás. Eu não suportaria viver longe dos meus filhos e, apesar de ter sido deixada, ela foi muito corajosa de ficar aqui no Rio de Janeiro e estar aqui até hoje. Apesar de estarmos separados, ela sabe que nunca vai ser esquecida por mim.

Quem você encontrou nessas releituras da própria trajetória?
Eu vi um pouco de mim e de uma história marcada por muitas coisas. Sou o protagonista da minha própria história, então, não posso transferir a causa da minha fraqueza, dos meus fracassos. Não vou colocar esse débito na conta de ninguém. Então, eu vou descobrindo uma pessoa que não soube lidar bem, por exemplo, com fragmentações de família, com um ambiente social de esquecimento, alguém que sempre fez perguntas para respostas para as quais não teve, como, por exemplo, “Por que que eu moro nesse barraco, dormindo no chão, numa casa que não tem banheiro e a gente cozinha à lenha?”, “Por que vivo o tempo todo sendo despejado de barraco em barraco e vejo uma mãe apanhando na rua e um pai armado com duas pistolas e, eventualmente, sendo internado em clínica psiquiátrica?”, “Por que vivo dentro desse ambiente tão hostil, onde as pessoas olham para minha mãe solteira com 16 anos e a discriminam?”.

São perguntas para as quais não tenho resposta e não consegui trabalhar bem com essa ideia de estar num lugar de apagamento de memória e de história e de tabus estruturais que estão aí. Sempre vem uma conta e a gente nunca consegue pagar porque tudo isso tem uma justificativa de uma dominação de pensamento, de seres humanos sobre outros seres humanos. Esse meu olhar sobre o mundo e a vida foi gerando mazelas na minha alma. O protagonismo dos meus fracassos é meu, mesmo diante de perguntas para as quais eu não encontrei resposta. Às vezes, até mesmo diante do sagrado, eu pergunto “Meu Deus, por que isso?”. Resposta é uma coisa que não tive durante muito tempo e não tenho, mas isso não compromete a minha fé.

Por falar no sagrado, como é a sua relação com Deus?
Minha relação com Deus é pela fé. É complexo pensar em Deus porque Ele é Pai, Filho e Espírito Santo e essa experiência com o sagrado tem que ser desenvolvida pela fé. Ao longo desses 33 anos de caminhada cristã, sempre penso que a minha caminhada tem sido de ouvir Deus pela meditação na Palavra, pelas orações, pelo sermão que é pregado, pelas circunstâncias que me ocorrem… São indícios de que Deus está lá, mas eu preciso dizer que essa comunhão existe, muitas vezes, com o silêncio Dele. Conviver com esse silêncio e ainda assim manter a sua consciência tranquila e a sua sanidade ao se relacionar com esse sagrado é um dos grandes desafios da nossa caminhada.

Não sou uma pessoa que ouve Deus o tempo todo. Eu já falei muito que Deus falou comigo e, muitas das vezes, não era Ele. Mas o tempo se passou e estou mais maduro. Descubro que Ele fala, muitas vezes, nas coisas simples e a gente não está percebendo. A minha fé em Deus não me isenta de crise de fé. Mas, apesar da minha crise, a minha fé está intacta porque sei que sou limitado, mas Ele não. Eu não sei os pensamentos que Ele tem a meu respeito, mas meu relacionamento com Deus é saudável.

“Meu relacionamento com Deus é saudável” Foto: Pleno.News/Samuel Santos

Você se considera um evangélico fora da caixinha?
Eu sei que Deus não cabe em caixa nenhuma. Quando Deus quis um templo, Ele desceu e comprou com o sangue Dele porque não habita em templos feitos por mãos humanas. Dizem que Deus está na fartura e na prosperidade e, muitas vezes, a gente vai encontrar Deus em um hospital ou em campos de refugiados. Lembro de que eu fui para o Haiti, um ano depois do terremoto que destruiu milhares de pessoas. Tive a infelicidade de ouvir alguns cristãos dizendo que foi um pacto que eles haviam feito com o demônio e Satanás veio cobrar. Quando cheguei no local, pronto para acolher pessoas, vi um povo fortíssimo cantando “Bendito seja o nome do Senhor! Bendito seja o nome do Senhor!”. Você encontrava milhares de cristãos em árvores, sentados no chão, sem água, sem comida, mas glorificando a Deus por nove horas com lágrimas nos olhos.

Quando eu vi aquilo, me dei conta de que não fui pro Haiti levar cura, mas para ser curado das minhas mazelas, tabus e preconceitos sobre onde Deus está. É uma grande ilusão achar que Deus está nas nossas catedrais ou na minha mansão. Eu entro em um barraco na Cidade de Deus, tomo um cafezinho que uma senhora fez na fogueirinha da casa dela e parece que estou participando da Santa Ceia. Eu encontro Deus no lugar menos provável. Se isso for pensar fora da caixinha, eu sou absolutamente assim.

Falando de tabus, você se mostrou bem relacionado com representantes de outras religiões, principalmente as de matriz africana. Por que buscou esse espaço entre eles?
Fui criado na favela com uma mãe solteira, criando três filhos, morando de favor. Fui criado sendo despejado de barraco em barraco feito de pau a pique com telhado de zinco. Às vezes, batia a chuva e levava tudo. A gente morou em porões de casas, na cozinha ou no quarto de pessoas e muitas delas eram da Assembleia de Deus, de igreja católica, de igreja nenhuma e muitas eram de terreiro de candomblé. As mães de santo se preocupavam em saber se os filhos de Maria tinham comida em casa. Quando você está com fome na favela e a comida chega, você não faz pergunta se ela chegou da igreja evangélica ou do centro de candomblé. Você quer comer e come com alegria. Fui muito abençoado por Deus através de mães e pais de santo, de pastores evangélicos, de ateus, de agnósticos, de bêbados e até de bandidos.

Eu fui criado nesse ambiente plural e aprendi a respeitar a opinião das pessoas. Conviver pacificamente é um princípio democrático e aprendi isso, não na minha orientação do Mestrado pela UFRJ, mas na favela onde você aprende a compartilhar espaços. Quero conviver pacificamente com essas pessoas, inclusive as que pensam diferente de mim. Esse é o meu lugar respeitoso de convivência pacífica. Não estou falando de salvação, mas de respeito. Eu quero respeitar o sagrado do irmão porque quero que o meu sagrado seja respeitado.

Por isso a Igreja Batista Soul é conhecida por ser um lugar onde é “proibida a entrada de pessoas perfeitas”?
Sim, porque você vai ter que conviver com as ambiguidades. As pessoas sabem quem eu sou e quais são as minhas mazelas. Eu sou isso o que as pessoas estão vendo e isso incomoda muita gente. Estou no terceiro divórcio, traí minha esposa e hoje estou vivendo uma dimensão de restauração. Eu vou dar conta do meu pecado e vou assumir, mas não vou assumir o pecado dos outros.

E como está sendo seu processo de restauração após o divórcio com a Danielle Favatto?
Ainda estou no processo de repensar a vida e a trajetória. Desses três casamentos, duas decisões de terminar foram minhas e, por isso, não dói só em quem é deixado, mas também dói em quem deixa e vai embora. Fica uma lacuna na alma, um luto que você tem que conviver, um sentimento de fracasso enorme e você tem que dar conta da vida com essas lacunas. Você tem que respirar e descobrir que a vida se reinventa porque as misericórdias do Senhor se renovam a cada manhã. Ainda bem que a nossa vida é Dele porque, se a minha vida dependesse da avaliação de certas pessoas, eu já teria sido interditado há muito tempo. Só que a minha vida está na mão de Deus e Ele é misericordioso e intervém para nos trazer de volta à vida. Para algumas pessoas você é um caso já morto e, quando a última pá de cal está sendo colocada, aí tem um ruáh (vento) que sopra e Deus nos traz de volta. Os dias da nossa vida são contados todos na mão Dele e essa graça é um verdadeiro presente que nós não merecemos.

Cantor revela que passa por um processo de cura após o terceiro divórcio Foto: Pleno.News/Samuel Santos

E como foi reconstruir a relação com o Raphael e a Michelle?
Eu me separei da Mabeni, mas nunca me separei do Rapha nem da Michele. A gente sempre foi cúmplice na criação dos filhos. Sempre fui uma voz paterna na vida deles mesmo à distância nas viagens. Eu tenho a alegria de ter os meus dois filhos hoje morando comigo. É muito bom perceber uma relação de amizade com os meus filhos, mas eu sou pai, não sou o melhor amigo dos meus filhos. Assim como a Mabeni é a mãe, eu sou um pai que tem uma voz forte na vida deles, mas ao mesmo tempo tem esse lugar do pertencimento e do acolhimento. Tê-los por perto é uma cura para a minha vida. Eu não poderia ser mais grato a Deus por ter os meus dois filhos morando comigo e ver as coisas acontecendo na vida deles. O Raphael está fazendo o maior sucesso compondo para famosos, mas tem amigos milionários e tem amigos que o pai é porteiro de prédio. Eu criei meus filhos para serem humanos e não para serem filhos de cantor famoso. Criei para tratar todo mundo bem.

Por que o divórcio ainda é um tabu no meio evangélico?
Mabeni foi minha primeira namorada. Quando me converti, eu achava que a Bíblia não falava sobre namoro, só sobre noivado e casamento. Então, você não tinha que namorar. A gente não chegava nem perto durante dois anos e meio. Aí casei com a Mabeni e, depois de um tempo, comecei a viver meus percalços. Tive que vencer um tabu a partir de mim mesmo. Curiosamente, eu vivia dentro de um ambiente familiar de pais e tios separados, mas achava que cristão não separa. Cristão casa porque Deus dá a revelação de quem é a varoa da vida dele. Eu pregava isso direto, mas não consegui cumprir o que preguei e tenho que dar conta das minhas próprias mazelas. Tive que aprender algumas coisas a partir da minha própria fragilidade e, às vezes, a gente tem que repensar alguns dogmas que nós estabelecemos.

Você acha que o cristão brasileiro desconhece a própria história e até mesmo o que é o Evangelho?
Ignorar a história, não querer saber, não buscar a informação ou aceitar qualquer tipo de discurso como se fosse um dogma é um prato cheio para a intolerância. Acho que um pouco de conhecimento valeria, mas não acho que isso seja do cristão, isso é do ser humano. A ignorância é um prato servido, muitas vezes, em escolas e nessa mídia nociva que a gente tem. As informações são tendenciosas com um cunho extremamente ideológico e polarizado pra sustentar um projeto, seja ele religioso ou político. A informação está recheada dessa coisa de sustentar uma ideia, então, a gente vai se alimentando disso. Nós vivemos dias desafiadores porque, ao mesmo tempo em que todo mundo tem esse lugar de fala nas redes sociais, as informações vão circulando da forma mais esdrúxula possível e as pessoas vão engolindo sem fazer perguntas. A gente vê uma nação toda se alimentando de esterco e isso é complicado.

Falando agora do M.O.S.A.I.C.O., a gente entende que um mosaico são aquelas pecinhas que formam uma coisa maior. Seria esse o conceito do álbum?
Exatamente! É nesse sentido de uma construção a partir de fragmentos. O que faz o vaso ter maior ou menor valor é o investimento que o Criador tem sobre ele. Se esse vaso quebra, a restauração vai ter em si as características hereditárias do Criador. Agora, quando esse vaso se fragmenta totalmente, o Criador tem a opção de jogar fora ou de pegar esses fragmentos e formar algo novo. O M.O.S.A.I.C.O. é isso: A construção do todo a partir do fragmento. A comunidade da fé é esse mosaico. A comunidade de imperfeitos que não se encaixariam na beleza do sozinho, mas, no todo, ele vai ganhando uma forma, uma definição e identidade próprias. M.O.S.A.I.C.O. é essa possibilidade de pegar aquilo que estava perdido e fazer uma coisa nova. É o que Deus faz com a gente, é a graça de Deus, é a obra da Cruz. A cruz é o grande mosaico da nossa existência porque ali Deus estava reconciliando consigo o mundo inteiro por amor.

M.O.S.A.I.C.O. traz uma música cantada ao lado do filho Raphael Lucas Foto: Pleno.News/Samuel Santos

Como surgiu a música No Olho do Furacão, que é o primeiro single do projeto, e poder cantar ao lado do seu filho?
No Olho do Furacão é uma música que a Soul já canta há aproximadamente três anos. É uma composição lindíssima do Rapha. A gente viajou para Israel e essa música foi cantada em todos os sítios onde a gente parou e a nossa caravana era profundamente visitada e ministrada. Essa música é um bálsamo que vem na vida da igreja de forma absurdamente linda e forte. O M.O.S.A.I.C.O.. estava pronto e o Rapha estava viajando com o Luan Santana pela Bahia. Um dia ele me ligou e falou que ia passar pelo Rio de Janeiro e ia ficar comigo. Foi na época da minha terceira separação e estava passando pelo processo do luto. Eu estava gravando e ele chegou com a mochila e o violão e dormiu por quatro horas. Quando ele acordou, perguntei o que ele achava de gravar No Olho do Furacão comigo e gravamos a música num take só. Aí fomos para o estúdio gravar a live session e o Rapha também estava viajando. Ele chegou de viagem, foi lá para a Cidade das Artes (RJ), pegou o violão e nós gravamos num take.

Além de No Olho do Furacão, o que mais podemos esperar desse álbum?
Acho que é esse Kleber Lucas mais maduro com músicas que já têm a minha assinatura. Em um tempo onde a gente está sendo desafiado a fazer uma coisa nova, você corre risco da inconsistência. Quando você tem uma trajetória com uma identidade definida, as pessoas já conseguem discernir. Até mesmo aquelas pessoas que não gostam muito de mim, falam que minha música é boa. É a música do mesmo Kleber Lucas, sempre dependente de Deus e desse ruáh que flui e sopra do jeito que quer. M.O.S.A.I.C.O. é um CD bem autoral, com letras fortes como tem sido ao longo da minha caminhada, porém mais amadurecido, sóbrio e dependente de Deus. Um álbum muito bem produzido com o Rafael Vernet e com arranjos feitos com banda. A live também vai dizer muito de como foi o processo todo. Estou muito inspirado nesse projeto e acho que as pessoas vão perceber isso.

Anteriormente, você falou ao Pleno.News que “o repertório é construído dentro dessa atmosfera de compreensão melhor do Reino”. Que compreensão melhor do Reino seria essa?
O Reino não é o além, o distante, mas é o aqui e o agora também. O Reino é maior que a sua experiência com Deus. O Reino se manifesta na igreja local, mas ele é maior que a igreja. Muitas vezes, nós temos nossas limitações de chegar num lugar, mas percebe que o Rei já passou por lá, muitas vezes, e está lá. Então, é sair desse lugar de protagonismo e deixar ser do próprio Reino. Ele é o Senhor do Reino. Ele é o vento que sopra onde e como quer. O Reino é maior que a teologia, que a apologética, o Reino é maior do que a história da cristandade. A igreja não é a protagonista do Reino. O Espírito do Senhor é o protagonista do Reino que é Dele.

E falando das suas músicas, muitas se tornaram atemporais e te levaram para uma novela da Rede Globo – Amor à Vida (2013). Como foi essa oportunidade de levar sua música onde talvez nunca pensou que ela chegaria?
Eu estava vivendo minha vida normal quando o telefone tocou e era a Globo perguntando se eu podia participar da novela. Eu falei que podia, já que fui chamado para isso. Vou cantar onde for e vou compartilhar essa minha experiência onde tiver oportunidade. Fui muito bem recepcionado e pude ser ouvido por todo mundo. Eu nasci na favela, na véspera de São João (23 de junho de 1968) e minha caminhada incomoda em um ambiente social onde as pessoas vivem encarceradas. A gente vive num momento social de muitos enquadramentos se você é ou não evangélico, se é ou não pastor, se é cantor só do gospel… Eu sou um ser humano. Eu já fui parado aqui na porta do meu condomínio e perguntaram de quem eu era funcionário. Eu sou um negro que mora num condomínio de classe média-alta e vivo essa sensação o tempo todo. Acho que as pessoas vão se incomodando porque eu entro, percebo os olhares e falas, mas ando seguro e isso incomoda.

Como você vê a questão do racismo no meio evangélico?
É tão estrutural quanto em qualquer outro meio. É uma realidade contra a qual a igreja não quer se levantar porque é confortável. É confortável silenciar alguém que luta e que reivindica espaço. Não é interessante para alguns segmentos não dar resposta sobre certos espaços que são ocupados por um grupo recorrente. Então, a gente teria que ter uma outra entrevista para falar sobre a questão do racismo cultural dentro do ambiente sagrado. É uma conversa um pouco mais forte, mas não é o momento.

Em seu canal no YouTube – Mundo Kleber Lucas – você revelou que conseguiu se livrar da dependência de remédios para dormir. Por que essas questões psicológicas/mentais não são tratadas com mais seriedade nas igrejas?
Eu convivo com pessoas que têm depressão e que tiveram entes queridos que se suicidaram por não suportarem a questão da dependência química. Eu não estou falando de outro lugar, estou falando da minha comunidade de fé, que me reconhece como pastor. Isso não dá em árvore, mas em seres humanos que, em alguma instância, vivem uma fragmentação. É você ser solidário a pessoas e andar a segunda milha com ela. Eu comecei a tomar remédio em 2001 com a minha separação com a Mabeni. Eu dormia muito e, de repente, eu perdi o sono e vivia em estado constante de vigília.

Você não consegue dormir direito porque quem toma remédio tem um sono induzido. No outro dia, parece que você levou uma surra e tem que ficar vivendo assim. Alguns dizem: “O Kleber Lucas era bom na época do Deus Cuida de Mim. Ali ele era crente mesmo”. Com exceção de Deus Cuida de Mim e Jeová é o Teu Cavaleiro, eu fiz todas as músicas do CD Deus Cuida de Mim (1999) numa noite só. Eu fiz a música Aos Pés da Cruz no dia em que eu me separei da Mabeni e vivendo de remédio por 12 anos. Eu ainda tenho três caixinhas de remédio, mas não uso há três meses e hoje durmo lindamente as minhas noites por até sete horas e acordo feliz. Tem pessoas que sofrem disso, mas tem uma reputação a zelar. Às vezes, o crente não vai buscar poder de madrugada, mas ele está sofrendo de insônia ou depressão e tem que vender uma imagem de que é o cara.

Kleber posa ao lado do Grammy Latino conquistado em 2013 Foto: Pleno.News/Samuel Santos

E o que representou conquistar o Grammy Latino na sua carreira com o álbum Profeta da Esperança (2013)?
Tive minha primeira indicação ao Grammy Latino em 2010, com o CD Meu Alvo. Aquele ambiente de concorrer ao Grammy não é muito a minha praia. Eu sou mais discreto. A indicação é muito honrosa e agradeço muito à minha gravadora MK Music, que sempre trabalhou muito nessa questão do artista. E, em 2013, eu recebi minha segunda indicação e ganhei. Não acreditei que fosse ganhar porque não sou muito de disputa. Essa coisa de avaliação é algo que me desestrutura muito. Mas foi uma experiência muito linda que vou guardar pro resto da minha vida.

Que mensagem o Kleber Lucas de hoje mandaria para o Kleber do passado?
Acho que seria: “Ó, vai dar ruim pra caramba hein, mas Deus está contigo”. E falaria talvez para evitar alguns caminhos, mas a gente acaba trilhando. Não dá para ser uma mensagem muito acertada para esse Kleber porque, se eu desse uma mensagem pra ele, a vida teria uma outra configuração. O sucesso de Kleber Lucas é escrito também por vias de fracasso. Não haveria o Grammy Latino se não houvesse a certeza de que Deus é um Deus que nos dá uma nova chance. Não haveria Deus Cuida de Mim se o Kleber Lucas não tivesse passado por várias portas fechadas na vida. Se eu tivesse falado “Olha, você vai fazer isso aqui e, se você fizer isso, você vai se separar da Mabeni”, Aos Pés da Cruz não curaria tantas lágrimas. Então, eu não sei. Querer falar alguma coisa pro menino lá de trás é querer brincar de Deus e eu não tenho muito vocação pra ser divino.

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