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Eleições 2018: O brasileiro está preparado para votar?

Economista Celso Tracco explica o contexto político-econômico em que o brasileiro irá decidir seu voto

Virgínia Martin - 10/03/2018 09h00

“Como já disseram, o Brasil não é para amadores. Quem consegue sobreviver aqui é um herói”, confere Tracco. Foto: Arquivo Pessoal

Neste ano de eleições no Brasil, o Pleno.News cumpre seu papel de esclarecer não apenas as possibilidades para escolhas mais criteriosas, como busca orientar sobre essas escolhas dentro de uma análise de contexto: de que forma o brasileiro se encontra para votar, como seu ambiente afeta sua decisão e como o eleitor tem sido influenciado pelas trajetórias política e econômica do país?

Segurança, emprego, saúde, educação e comida na mesa são algumas das alavancas sociais que movem as motivações coletivas. Dentre as plataformas de avaliação rumo à responsabilidade eleitoral de cada cidadão, surgem nomes que trazem necessárias orientações, como o de Celso Luiz Tracco.

Tracco formou-se em Economia pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e obteve o grau de mestre em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. A partir daí, seu conhecimento teológico e humanista tem sido a base de argumentação para as questões do ser humano inserido na sociedade atual e seu papel dentro das organizações de trabalho, uma de suas grandes preocupações.

Em um de seus livros, Às Margens do Ipiranga, Tracco aborda a gravíssima questão social brasileira: desigualdade, violência urbana, preconceitos, favelização crescente, religiosidade, falta de esperança ou esperança utópica.

Baseando-se nesses aspectos, ele avalia a falta de preparo do eleitor brasileiro e outras mazelas tupiniquins.

O senhor acredita que o povo brasileiro está realmente preparado para votar em novos governantes neste ano de 2018?
Responder a esta pregunta requer uma breve análise história. De 1822 (Independência) a 1889 (República) tivemos uma monarquia constitucional, mas com um poder moderador – soberano – do Imperador. Os eleitores dos senadores/deputados eram escolhidos por qualificações econômicas, ou seja, nenhuma participação popular relevante. De 1890-1930 tivemos o período da República Velha: os dois primeiros presidentes foram eleitos indiretamente, e eram militares, agiram ditatorialmente. Após 1894, tivemos eleições com listas abertas. Nessa época, a população era majoritariamente analfabeta e/ou de imigrantes estrangeiros, voto negado a ambos. As manifestações populares, em geral, foram promovidas pelos “tenentes” do Exército, descontentes com a elitização do país e com a baixa possibilidade de ascensão das pessoas vindas das classes mais baixas. De 1930-1945, ditadura Vargas.

De 1946-1964, pequeno período democrático, voto secreto, mulheres votavam. Estavam excluídos presos, analfabetos, estrangeiros, indígenas, clérigos. Nesse período, um presidente suicidou-se no cargo e o vice teve grande dificuldade em assumir. Outro presidente renunciou e seu vice foi deposto pelo golpe militar. De 1964-1985 ditadura militar, não havia eleição para cargos executivos (presidente, governadores, prefeitos das capitais). De 1985 em diante, período democrático, onde o primeiro presidente foi indireto e outros dois foram depostos por atos parlamentares previstos pela Constituição Federal. Apenas dois cumpriram seus mandatos integralmente. Para completar, durante esse tempo de quase 200 anos tivemos sete Constituições Federais.

Portanto, a experiência democrática da população brasileira é baixíssima. Sua participação política é ínfima. Se o povo está preparado para eleger novos governantes? Com esse passado descrito e tendo como fatores estruturantes na sociedade uma baixa escolaridade, uma enorme desigualdade social e uma máquina pública que loteia cargos entre seus apaniguados, certamente a resposta é não. E é exatamente por isso que temos uma classe política de tão baixa qualidade.

O sistema de arrecadação de impostos no Brasil é quase desumano. Do total arrecadado, cerca de 57% vai para a união, 25% para os estados e 18% para os municípios. O senhor já disse que brasileiros vivem nos municípios e precisam mais de “brasis” do que de Brasília. Como economista, como avalia este deficit federal contínuo?
O deficit federal contínuo é fruto da irresponsabilidade política, fiscal e administrativa. Porque temos tantas estatais, tantos cargos de confiança, tantos privilégios em todas as esferas governamentais quando ouvimos que a política é cortar gastos? Uma família, uma empresa ou um país (governo) que gasta continuamente, mais do que arrecada um dia ficará inadimplente. O gasto público no Brasil é um poço sem fundo. Caso a estrutura de arrecadação fosse invertida, seria, em teoria, mais fácil fiscalizar. Afinal, vivemos em municípios que deveriam ser responsáveis pela educação básica, com postos de saúde, com hospitais de pronto atendimento, com iluminação pública, com saneamento básico, com infraestrutura viária. Poderia se cobrar uma meritocracia do mandatário: o prefeito e vereadores, fiscalizando melhor e evitando desperdícios e desvios de dinheiro.

O brasileiro também é conhecido por sua capacidade de adaptação e de transformação diante de mazelas sociais e econômicas. Como o senhor avalia esta performance nacional. Tem dado certo? Os brasileiros tendem a “se virar” neste quadro caótico do país ou conseguirão extinguir este avanço de forças destrutivas, incluindo altos juros, corrupção e impunidade, por exemplo?
O componente trabalho da economia brasileira pode ser considerado um dos mais criativos do mundo, se levarmos em conta o ambiente governamental, burocrático e fiscal, existente no país. Para se abrir uma empresa legalmente leva-se 120 dias, em países desenvolvidos, cinco. Para se fechar a empresa, então, é um tormento que o empresário, talvez falido, só consegue com o auxílio de um contador. Como já disseram, o Brasil não é para amadores. Quem consegue sobreviver aqui é um herói.

Se tem dado certo? Depende do ponto de vista. Do ponto de vista macro, pode-se dizer que sim. Milhares de pequenas empresas, formal e informalmente, surgem todos os dias. Milhões de brasileiros desistem de trabalho formal para viverem de trabalho informal. Consequências? Muitas: vulnerabilidade social, sem garantias do sistema de saúde, dependência de pagar propinas para fiscais, flertes com o crime organizado, risco de vida em alguns casos. Quanto tempo isso pode durar? Difícil dizer. Mas é só andar pelos centros de compras de rua (camelódromos) para ver que algo já deveria ter sido feito há muito tempo. Hoje me parece que, por ações institucionais e democráticas, a situação não muda. Então, devemos “nos virar”. Quem acredita nas ações governamentais? É possível viver assim? Certamente que sim. Mas uma sociedade deste tipo não se caracteriza por ser cidadã.

Além da experiência na área de Economia, o senhor também é formado em Teologia. Como esse seu conhecimento pode agregar em suas avaliações de contextos?
Em termos acadêmicos, parte da área de Economia passa por Sociologia e por sistemas políticos. A Teologia estuda as manifestações de Deus a partir de um pressuposto de fé. Mas para você, por assim dizer, entender Deus, você deve entender o ser humano e aí se estuda Filosofia, Sociologia, algo de Antropologia e algo de Psicologia. Ou seja, apenas matérias de Ciências Humanas. Deste modo, a Teologia ajuda a, em primeiro lugar, ter um olhar humano sobre qualquer contexto econômico e/ou político. Tudo deve ser feito preservando a dignidade humana, o bem comum e os princípios de solidariedade e subsidiariedade. Acredito que só assim podemos promover a transformação da sociedade atual em uma sociedade solidária, participativa e justa. Como disse o ganhador do prêmio Nobel de Economia de 2017, Richard Thaler: “para se fazer uma boa política econômica, você deve ter em mente que as pessoas são humanas”.

 

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