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Brasileiro vai sofrer com problemas causados pelo lixo

Especialista em sustentabilidade alerta sobre os perigos da má administração do lixo no Brasil

Virgínia Martin - 08/05/2018 08h00 | atualizado em 08/05/2018 10h31

 

No Brasil, a questão do lixo ainda é mal administrada. O território nacional, admirado por suas reservas biológicas e belezas naturais, também requer maiores cuidados com políticas públicas em torno dos chamados lixões.

Atualmente, dos 5.568 municípios brasileiros, 3.326 ainda descartam seus resíduos incorretamente. E, por ano, 41,3% dos 80 milhões de toneladas de resíduos produzidos vão para vazadouros a céu aberto (Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2015).

A consequência maior dessa prática é o risco à saúde da população. Ou seja, milhões de habitantes vêm sendo afetados com essa situação, expostos a inúmeras doenças.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o dispositivo do novo Código Florestal que considera a gestão de resíduos como um serviço de “utilidade pública” e “interesse social”. Em plena década de reeducação ambiental, tal decisão do STF deve tornar inviável a implantação de novos aterros sanitários, o que provoca o surgimento de novos lixões a céu aberto.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos, criada em 2010, estabeleceu que até 2014, os lixões seriam extintos. No entanto, o país ainda carrega a marca de cerca de três mil vazadouros ilegais e apenas 679 aterros sanitários regularizados.

Para explicar sobre este problema pouco comentado, o Pleno.News buscou Carlos Rossin. Ele é especialista em sustentabilidade e coordenador de diversos estudos sobre resíduos sólidos. Formado em Engenharia Civil pela Universidade de Maryland (EUA). E atuou como diretor de Sustentabilidade da PwC e Conselheiro do Pacto Global da ONU, em São Paulo.

Carlos Rossin afirma que o SUS deve gastar, anualmente, cerca de R$ 1,5 bilhão com doenças causadas pela falta de destinação e de tratamento correto dos resíduos sólidos Foto: Arquivo Pessoal

Quais os prováveis motivos que fazem com o que o Brasil não se organize melhor sobre a logística do descarte dos resíduos sólidos?
Há diversos fatores envolvidos nessa questão. Primeiro, o fato de o Brasil ser um país continental composto por pequenas cidades, com menos de 50.000 habitantes. Elas estão espalhadas em um imenso território, onde a logística envolvida na gestão dos resíduos é muito complexa e cara e fica sob a responsabilidade de prefeituras carentes de recursos.

Apesar de a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS/2010) dar as diretrizes de como proceder nesse tema, como o estabelecimento de consórcios regionais para instalar aterro sanitário para atender a um grupo de cidades, não existe uma coordenação federal e/ou estadual para que isso saia do papel. Além disso, os municípios precisam de suporte para se organizarem e para desenvolverem os respectivos plano de gestão dos resíduos.

Como resolvemos essa questão?
Precisamos observar e adotar modelos que deram certo em outros países que possuem similaridades continentais como o nosso. O Brasil precisa seguir o modelo dos EUA, país com mesma extensão territorial e composto por milhares de cidades pequenas, inclusive na sua maioria menores que as brasileiras.

Os Estados Unidos adotaram a solução regionalizada, onde um aterro público ou privado atende a um conjunto de municípios de cada região. O país tinha 20 mil lixões, praticamente um por cidade, na década de 60. E, em 15 anos, resolveu o problema. Agora conta com 2 mil aterros sanitários regionais, que atendem a todas as cidades. A maioria das prefeituras não tem condições de viabilizar, sozinha, o tratamento do próprio lixo.

E sobre a viabilidade operacional e financeira?
São fundamentais. A operacional para que a organização e o planejamento para a execução desses serviços sejam eficazes. E financeira, a efetividade da implementação desses serviços depende de recursos financeiros para sua viabilização.

A garantia de recursos é um dos grandes desafios da gestão de resíduos no Brasil. Pois, ao contrário do que ocorre com saúde e educação que têm garantidos, por lei, uma parte da arrecadação dos municípios, a gestão do lixo não conta com verba específica e exclusiva. Isso é um erro, pois estamos falando de algo que impacta diretamente na saúde pública e no meio ambiente.

É, portanto, necessário, por meio de taxa, tarifa ou preço público, uma arrecadação específica vinculada ao serviço. Precisamos compreender a gestão de resíduos sólidos como outra conta de serviços, como é o caso da conta de luz, água, gás, celular etc.

Cite casos de prejuízos na saúde, causados pelas irregularidades no despejo de resíduos sólidos?
O lixo descartado incorretamente contamina o solo e os lençóis freáticos, além de estimular a proliferação de animais e microrganismos transmissores de doenças. Nesse sentido, podemos mencionar diversas doenças como amebíase, Leishmaniose, toxoplasmose, esquistossomose, cólera, hepatite A, entre outras.

De acordo com a International Solid Waste Association – ISWA, estima-se que o Sistema Único de Saúde (SUS) gaste, anualmente, cerca de R$ 1,5 bilhão com doenças causadas pela falta de destinação e de tratamento correto dos resíduos sólidos. Para cada 1 real investido em gestão de resíduos sólidos, reduzimos 4 reais de gastos com a saúde.

De forma prática, como o brasileiro pode cuidar/administrar seu próprio lixo?
Levantamentos apontam que cada brasileiro produz cerca de 1 quilo de lixo por dia. O que significa mais de 207 mil toneladas de resíduos gerados diariamente em todo o território nacional. Assim, o primeiro passo é diminuir a geração de resíduos. Isso implica em uma mudança comportamental: de avaliar se tudo o que se consome é realmente necessário e, também, aprender a fazer escolhas. Por exemplo, optar por sacolas reutilizáveis ao fazer compras, preferir embalagens de papel ou vidro em vez de plástico, usar produtos disponíveis em refil, evitar descartáveis, entre outras ações.

Realizar a separação do lixo doméstico também é fundamental. Diversos municípios já contam com coleta seletiva domiciliar, enquanto outros contam com centros que recebem esses resíduos e realizam a destinação correta.

No entanto, uma das formas mais eficazes para reduzir a geração de resíduos é a economia comportamental, assim como acontece com a energia elétrica e a água. Ambas possuem contas individualizadas por residência, e quando o governo precisa incentivar a redução no consumo de energia, ele aumenta a conta de energia elétrica “forçando” a população a modificar o seu comportamento de consumo e a economizar. Países como Estados Unidos e Japão, mesmo tendo uma sociedade com mais consciência ambiental, utilizam esse mesmo incentivo, cobrando os serviços pela quantidade gerada. É justamente por esse motivo que a cobrança específica se torna necessária, não apenas para a sustentabilidade financeira do serviço como também para a redução da geração de resíduos.

Que leis regulamentam a administração dos resíduos sólidos no território nacional?
A principal delas é a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Essa é uma lei de 2010 que procura organizar a forma com que o país lida com a gestão do lixo e, também, exigir dos setores públicos e privados transparência no gerenciamento de seus resíduos. Ela foi um marco no setor por tratar de todos os tipos de resíduos sólidos, sejam eles domésticos, industriais, eletroeletrônicos etc. Inclusive, tratando os rejeitos; tens que não podem ser reaproveitados; e incentivando o descarte correto.

A PNRS tem 15 objetivos gerais, dentre os quais é possível destacar: não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Também, incentivo à indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados. E ainda gestão integrada de resíduos sólidos, com articulação entre as diferentes esferas do poder público e, destas, com o setor empresarial, com vistas à cooperação técnica e financeira para tal.

Além disso, a PNRS estabeleceu o fim dos lixões a céu aberto e a utilização dos aterros sanitários como destino final dos rejeitos até agosto de 2014. Mas 60% das prefeituras ainda não conseguiram cumprir essa determinação.

Existe um projeto de lei que propõe a prorrogação dos prazos até 2021, em vez de propor medidas concretas e apoio da União e estados para que o problema seja de fato resolvido.

A eliminação dos lixões e implantação de aterros sanitários, em todas as regiões, requer a atuação concreta de todos os setores envolvidos no processo do ciclo de vida dos produtos, incluindo empresas e a própria população.

Além da PNRS, há outras leis como o Marco Legal do Saneamento; cuja revisão vem sendo gestada na Casa Civil da Presidência da República. Ela é uma grande oportunidade para o país criar meios concretos para que toda a população tenha acesso a água potável, esgotamento sanitário, drenagem das águas pluviais, coleta e tratamento de lixo.

O novo Código Florestal também trata da questão, mas sofreu um duro revés no final de março, quando o STF julgou inconstitucional o artigo que trata a gestão de resíduos como um serviço de utilidade pública e interesse social. O que, na prática, irá inviabilizar a construção de novos aterros no país. Isso porque não será mais possível implantar aterros nas proximidades de Áreas de Preservação Permanente. O que é um erro, porque o aterro sanitário é um equipamento de ecoeficiência, criado justamente para preservar a natureza da contaminação gerada pelos lixões. É uma obra de engenharia que requer grandes áreas livres para sua instalação, espaços que não existem mais nas grandes cidades.

DADOS ASSUSTADORES:

  • Calcula-se que 40% dos resíduos gerados no planeta são destinados de forma imprópria. No Brasil, essa disposição inadequada acarretará em custos ambientais e de saúde entre U$ 3,25 e 4,65 bilhões para o período de 2016 a 2021. Estima-se que só o Sistema Único de Saúde (SUS) gaste, anualmente, cerca de R$ 1,5 bilhão com doenças causadas pela falta de destinação e de tratamento correto dos resíduos sólidos (International Solid Waste Association – ISW).
  • Cerca de 17 milhões de brasileiros não dispõem sequer dos serviços de coleta de resíduos, o que equivale à população da Holanda (SNIS 2015).

 

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