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Alerta: Automutilação é sinal de grave sofrimento emocional

Especialista declara preocupação, já que algumas pessoas que praticam autolesão podem seguir para o comportamento suicida, caso não sejam ajudadas e tratadas

Virgínia Martin - 07/12/2020 12h12

 

Foi notícia na mídia sobre uma menor de 14 anos, filha adotiva da deputada federal Flordelis (PSD-RJ), ter se automutilado após uma briga com a parlamentar, que chamou a menina de lixo. O caso veio à tona no dia 27 de novembro, duas semanas depois da autolesão. Como decorrência, a menor foi levada para uma casa de acolhimento de menores em Niterói (RJ), após decisão judicial motivada por denúncias de maus tratos contra a parlamentar.

Pode parecer ilógico, mas casos de automutilação não são raros. Comportamentos de autoagressividade vem aumentando, seja na frequência, seja na gravidade das lesões. É comum entre jovens e adolescentes que praticam a automutilação, tentarem esconder os ferimentos com roupas e blusas de mangas compridas, usadas em pleno dia de intenso calor.

Em novembro, a filha adotiva de Flordelis se autolesionou após ser chamada de lixo
Em novembro, a filha adotiva de Flordelis se autolesionou após ser chamada de lixo

A automutilação tem sido desafio para muitas famílias, preocupadas com filhos e outros parentes, diante de uma situação sinalizadora de problemas emocionais. Da mesma forma, profissionais de saúde e educadores têm enfrentado demandas sobre o tema, buscando compreender melhor as motivações, consequências e tratamento para um problema que pode estar afetando alguém muito próximo e que precisa de ajuda.

– Pais e responsáveis, fiquem atentos aos sinais de sofrimento de seus filhos. Quando souberem de algum caso, não agrida. Ao invés disso, abrace e acolha – foi o que orientou a ministra Damares Alves durante encontro sobre a saúde mental de crianças, adolescentes e jovens, ministrada na Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) no mês do Setembro Amarelo, dedicado a prevenção do suicídio. .

Para explicar sobre o tema, o Pleno.News entrevistou o doutor Carlos Henrique de Aragão Neto, psicólogo com formação em Luto, especialista em Tanatologia, mestre em Antropologia (UFPI), doutorando em Psicologia Clínica e Cultura (UnB), membro da ISSS (International Society for the Study of Self-Injury), IASP (International Association for Suicide Prevention), ABEPS (Associação Brasileira para Estudos e Prevenção do Suicídio).

Automutilação sem Intenção Suicida é chamada de ASIS pelo doutor Carlos Henrique
“Automutilação sem Intenção Suicida, que eu chamo de ASIS”, explica Carlos Henrique

O portal convidou um especialista que atualmente desenvolve uma tese relacionando a ASIS com o comportamento suicida. Sua preocupação é que uma parte desses que praticam autolesão seguirão para o comportamento suicida, caso não sejam ajudados e tratados.

Como a automutilação pode ser cientificamente compreendida?
Os estudos sobre automutilação no Brasil são escassos. Creio que nos próximos cinco anos teremos condição de termos dados epidemiológicos nacionais e científicos. A saúde pública brasileira ainda não se deu conta da importância de olharmos para esse fenômeno, que já é considerado um problema de saúde pública em outros países. Estados Unidos, Canadá, Alemanha e Austrália são alguns que têm estudos avançados sobre o tema da Automutilação sem Intenção Suicida, que eu chamo de ASIS aqui no Brasil.

A saúde pública brasileira ainda não se deu conta da importância de olhar para esse fenômeno

Quando e como surgiu o termo automutilação?
Em inglês, a sigla é NSSI (Nonsuicidal Self-Injury), termo usado internacionalmente pelos especialistas. Existe uma entidade, a ISSS (International Society for the Study of Self-Injury), da qual faço parte, que reúne anualmente os maiores pesquisadores do mundo.

Para se ter uma ideia de como esses estudos são recentes para o tempo da ciência, apenas há três décadas as pesquisas sobre ASIS tiveram um forte impulso. Na ISSS, são aproximadamente 100 pesquisadores associados, pouco ainda para a dimensão e importância do fenômeno.

A pessoa que pratica a automutilação também pode acabar tirando a própria vida?
É muito importante diferenciar o que chamamos de Automutilação sem Intenção Suicida (ASIS) de uma Tentativa de Suicídio. Como já sugere o termo, na ASIS a pessoa que se fere não tem a intenção de causar a própria morte, não tem intenção de cometer suicídio. Já numa tentativa de suicídio, existe uma intenção consciente e deliberada da pessoa em tirar a própria vida.

A prevalência é muito maior entre adolescentes e adultos jovens. Porém, mesmo sendo raro, ocorre em outras faixas etárias, inclusive, na infância.

O que provoca esta violência autodestrutiva?
Quando um indivíduo pratica ASIS, ele relata uma série de motivações para tal. Um pesquisador canadense, Dr. David Klonsk, criou uma escala em que lista 13 funções (motivações) citadas pelos entrevistados. Entre elas, as duas mais prevalentes no mundo, que se alinham com minha observação aqui no Brasil, são: o alívio de uma dor emocional (angústia) e a autopunição.

Por incrível que pareça, a enorme maioria dessas pessoas relata usar cortes e outros métodos de ASIS para aliviar uma dor emocional com a qual elas não sabem lidar. A dor física se faz mais “fácil” de suportar do que a angústia, como numa “transferência” dessa dor subjetiva para uma mais concreta, no próprio corpo.

Um pesquisador canadense criou uma escala em que lista 13 funções (motivações) para a autolesão

Como identificar o comportamento autolesivo?
Existem vários métodos usados por quem pratica a ASIS: queimadura, corte, bater alguma parte do corpo, arranhão, machucar feridas já existentes, quebrar um osso e amputar um membro. Os dois últimos são vistos em casos mais graves, como em um surto psicótico. Sem dúvida, o método mais prevalente no mundo, inclusive no Brasil, é o corte em alguma região do corpo. Geralmente, nos braços, pernas e barriga.

As duas motivações para autolesão mais prevalentes no mundo são: alívio de uma dor emocional e autopunição
As duas motivações mais prevalentes no mundo são: alívio de uma dor emocional e autopunição

 

Que recomendações são fundamentais diante de casos de autolesão?
Pais e professores, quando se deparam com essa situação, normalmente não sabem o que fazer. Nesses casos, não adianta usar violência, frases de efeito ou catequeses. Quem está em sofrimento grave, necessita de acolhimento (não quer dizer ter pena ou fazer tudo que a pessoa quer), uma boa escuta (sem preconceitos e com a atenção plena) e ajuda para conseguir tratamentos com profissionais da saúde.

A dor física se faz mais “fácil” de suportar do que a angústia, como uma “transferência” dessa dor subjetiva para uma mais concreta, no próprio corpo

Como prevenir?
Pais e professores devem estar atentos. Diante de qualquer sinal de sofrimento, mudanças de comportamento, isolamento, apatia dos jovens, procurar um espaço mais privado com tempo necessário para uma conversa olho no olho, no sentido de perguntar o que está acontecendo e como pode ajudar.

A prevalência é muito maior entre adolescentes e adultos jovens

Mostrar preocupação, não desqualificar o sofrimento alheio, se mostrar disponível, são atitudes que ajudarão muito essas pessoas que estão perdidas nos seus sofrimentos e não têm um repertório de habilidades emocionais e sociais para enfrentar certos traumas.

Com a ajuda necessária, da rede de apoio social (pais, amigos, escola, igreja) e dos profissionais de saúde, é possível sair desse quadro e ter uma melhor qualidade de vida.

Quais os tipos de tratamento?
No Brasil, em função da ASIS ainda não ter sido objeto de atenção da saúde pública, não se considera o fenômeno com problema de saúde pública. Na minha opinião, já é. Por não termos dados, muito menos dados consistentes, não é prudente dizer que há uma epidemia de ASIS no nosso país.

A ASIS ocorre em todas as classes sociais, com todas as raças

Precisamos, urgentemente, desses trabalhos científicos de epidemiologia para podermos saber a dimensão do problema, suas características no Brasil e desenvolvermos planos de prevenção e de tratamento que possam alcançar toda a população, não só aqueles que podem pagar um serviço particular.

A ASIS ocorre em todas as classes sociais, com todas as raças. Nesse sentido, foi muito importante desenvolvermos a cartilha através da iniciativa da CPI dos Maus Tratos a Crianças e Adolescentes do Senado Federal, presidida pelo Senador Magno Malta (ES). Se a distribuição for bem feita, teremos um ótimo e didático material para pais e professores sobre o tema. Certamente, já vai ajudar.

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