Jeito Ipanema de ser
É uma forma de viver, um jeito de ser e deixar ser, há uma leveza no ar
Yvelise de Oliveira - 26/09/2017 10h10
Ipanema é um bairro lindo, tem ares meio interioranos, meio assim “parei no tempo”. Pipoca na rua, churros, cachorro-quente, tapioca feita na hora, tudo em carrocinhas, nunca mudou.
Adoro o urbanismo no meio do caos dos camelôs, me sinto em casa com o descompromisso das pessoas em serem elegantes ou notadas.
Todos vivem ali no pequeno espaço que chamamos Ipanema.
Mas Ipanema é uma forma de viver, um jeito de ser e deixar ser, há uma leveza no ar. Cheiro de mar e de lagoa que se misturam.
Demora para entender que tribo é aquela que vive assim com regras próprias, tão diversificadas.
Alguns apartamentos têm vista para a praia ou para a lagoa. Mas os mais cobiçados são nas três ruas internas, que só têm vista para os vizinhos…
As ruas são pequenas, curtas e com lindas árvores. Os troncos cheios de orquídeas florescem; fomos nós, os moradores, que as plantamos.
Nesse labirinto de prédios, os quartos são quase que juntos. A gente aprende a não olhar, a não ver os vizinhos. Não devassar a intimidade. É parte do conceito Ipanema.
É uma forma única de viver, raramente os vizinhos brigam ou se metem com a vida dos outros.
Mas, recentemente, recebi uma carta muito educada de um vizinho do prédio ao lado e bem junto ao meu.
Ele reclamava que da minha varanda vinha um cheiro forte. E ele tinha dores de cabeça com o cheiro.
Respondi, é claro, já que ele me deu o número e o andar em que morava:
“Uso capim-limão para perfumar a casa. É um cheiro suave e natural que não faz mal à saúde. Uso há muito tempo. Pior é o cheiro de cigarro que vem de sua varanda. Esse sim, mata e destrói o meio ambiente e eu nunca reclamei”.
Houve outra carta dele — pedindo desculpas. Admitiu que, infelizmente, tinha esse vício. Foi um acordo mútuo, nunca mais falamos nisso.
Nesse lugar assim, cheio de antenas de celular, caixas d’água e aparelhos de ar-condicionado, onde as áreas de serviço quase se tocam, os bem-te-vis fizeram o seu ninho.
Sara, minha gata, caiu de amores pelos bem-te-vis. Coitada, foi muito mal recebida. Bem-te-vis são passarinhos muito zangados e territoriais. Não dão chance de ninguém se debruçar para ver o ninho. Vêm num voo rasante, sempre em dupla, e tome-lhe bicadas e bater de asas.
Minha casa tem tela, o que protegia a mim e meus gatos e, é claro, os enfezados bem-te-vis.
Mas eu consegui ver os filhotes ensaiando voos com os pais aflitos. Para mim, foi uma experiência extraordinária, ver que a vida silvestre insiste em conviver com prédios, concreto, alumínio e falta de amor e respeito por qualquer forma de vida.
Afinal, os pássaros chegaram aqui muito antes de nós.
Yvelise de Oliveira é Presidente do Grupo MK de Comunicação, Yvelise de Oliveira costuma escrever crônicas sobre as suas experiências e percepções a cerca da vida. Há alguns anos lançou o livro Janelas da Memória, um compilado de seu material. Atualmente está em processo de finalização de uma nova obra, Suspiros da Alma. |