Há uma mulher que dorme em mim
Quem não sonha em despertar esse ser humano que dorme em todos nós?
Yvelise de Oliveira - 16/10/2018 09h36
Posso vê-la olhando-me por detrás do meu dia a dia, entreabrindo timidamente as cortinas da minha realidade.
Posso senti-la pensando que sou eu.
Posso sentir-me pensando que sou ela.
Eu e ela, quem somos afinal? Ela, que dorme e a quem nunca foi permitido despertar, envia-me em sonhos seus desejos, suas vontades. Quase sempre finjo não me lembrar… Se sonhei ou se vivi seus sonhos. Isso nunca vou saber.
Ah, essa mulher que dorme em mim e nunca despertada foi. Quem é ela? Quem sou eu, não mais sei… Porque dormindo, ela dorme junto grande parte dos meus sonhos não sonhados.
Ah, essa mulher que dorme em mim e tanto deseja despertar. Sinto sua angústia, seu lamentar.
Quando jovem nunca a vi, por isso, já mais madura ela quis de todas as formas, em desespero, acordar. Viver seus sonhos, uma vida não vivida, fantasias não realizadas.
Mas confusa, amedrontada, não permiti seu despertar. Covardemente a fiz dormir.
Pensei: “É para sempre! Nela nunca mais vou pensar…”
Agora já envelhecendo, escuto sua voz dentro de mim. Me assombra nos meus sonhos. Cobra-me o preço de não tê-la deixado acordar e viver. Viver intensamente o inesperado, nunca o programado. Sentir-se bela por completo, sem que seus devaneios fossem interrompidos pela vida sem retoques, sem maquiagem, que a ela foi imposta.
Vida crua, nua, dura. Sem nenhuma fantasia, sem um disfarce que a faça ver na penumbra sem ter que encarar o escancarado do sol da pura realidade, todo o tempo, o tempo todo.
Poder ver os outros sem ser vista, cobrada, notada, falada. Não ser ninguém, mas sentir-se alguém diferente da mulher de todo dia.
Quem não sonha em despertar esse ser humano que dorme em todos nós?
Imaginação é a companheira que me faz sonhar junto com ela. Ah! Essa mulher que dorme em mim. Ela me assusta agora que já é tarde para nós duas.
Eu certamente lamento não vê-la despertar e vivenciar seus sonhos. Mas é tarde para nós.
Não vou deixá-la agora acordar. Neste momento em que aceito o fato de ter sempre ignorado essa estranha, sedutora e envolvente mulher, que eu sinto, dorme em mim.
Mas ela, bem sabe ela, estará comigo sempre e ao dormirmos o nosso último sono, vamos finalmente nos tornar uma só mulher.
Yvelise de Oliveira é Presidente do Grupo MK de Comunicação; ela costuma escrever crônicas sobre as suas experiências e percepções a cerca da vida. Há alguns anos lançou o livro Janelas da Memória, um compilado de seu material. Atualmente está em processo de finalização de uma nova obra, Suspiros da Alma. |