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Faço de conta… que não sei contar

Tem gente que empaca nos 58, leva uns cinco anos para fazer 59. É aquele tipo: “Faço de conta que não sei contar...”

Yvelise de Oliveira - 07/11/2017 09h15

Me assusto! Estou em plena terceira idade, sou uma sexagenária, acabo de me descobrir sessentona.
Que absurdo! Me sinto com dez ou quinze anos menos. Ainda mais para quem, como eu, nunca se viu fazendo sessenta. É mesmo um susto.

Sessenta… Com direito a passe livre nos ônibus e ao título fatal de idoso. É duro, mas só há duas opções: ou você fica velho, ou morre cedo.

Tem gente que empaca nos 58, leva uns cinco anos para fazer 59. É aquele tipo: “Faço de conta que não sei contar…”

Mas o corpo reclama de seu uso ininterrupto. Dói aqui, dói ali, mas o pior é não enxergar sem os óculos. Haja escravidão!

– Cadê meus óculos? Onde botei os óculos? — Dependência…

Minha filha, amigos e funcionários tramam uma festa.
– Que idade linda!
– Sessentona e inteira…
– Trabalhando e produzindo.

Eu não acho nada tão fabuloso ser carimbada de “idosa”, fico assustada por ser tratada com uma certa deferência meio que discriminatória, mesmo que discreta, da galera que é jovem e se sente dona do mundo, da vida, de tudo…

É justo que ocupem os espaços. É o que se espera, é a vida cobrando vida, sangue novo, renovação…

Nunca me haviam chamado de velha, como se isso fosse algo vergonhoso, que desse para esconder ou devesse ser motivo de:
– Não posso porque não tenho mais idade;
– Não vou porque não tenho mais idade;
– Bem que eu queria, mas não tenho mais idade;
– Não vou conseguir, não tenho mais idade.

Tudo porque uns meninos mal-educados, pré-adolescentes, me empurraram e quando eu reclamei, se tornaram agressivos e insultuosos. Suas vozes já eram um insulto:
– Sua velha! — Me assustei.

Velha? Eu? Trabalho muito, sou produtiva, nem vejo o tempo passando, mas passou, rápido e rasteiro, cobrando seu preço.

O punhal das jovens línguas, meio que debochadas:

– Sua velha! — como se fosse algo horroroso, como se eu devesse tomar cuidado para não contagiá-los — me atravessa os ossos e bate fundo no ego que reclama:
– Velha, eu? Mas, como? Quando foi que eu fiquei com esse rótulo?

Não vou permitir. Sei que não devia, mas o desaforo é grande. Lá vai a resposta:
– Fedelhos mal-educados!
– Fedelhos… — Saboreio a palavra.
– FE- DE – LHOS! — Sorrio mordaz.

Parece incrível, mas eles, que usam sua juventude como um álibi para seus erros e grosserias, mostram-se ofendidos.
– Fedelhos, não, tá bom? — E me promovem a coroa.

Tudo isso no elevador, apertado e pequeno. São como pequenos sátiros a me penalizar por não ser mais jovem.

A porta abre, estou roxa de raiva. Fedelhos horríveis.
– Eu podia ser avó de vocês.
Mistério.
– Avó, não. Você é velha, mas nem tanto. Coroa burra! — A porta se fecha bem no meio da nossa raiva.

A gritaria atrai os seguranças e as pessoas que circulam nos corredores.
– O que foi? O que houve? A senhora está bem?
Claro que estou, só o meu ego é que sofreu um colapso. Já me recupero.
– Fedelhos.

São crianças mal-educadas. Sabe como é. “Gente rica cria os filhos assim”, diz o segurança.

Respiro fundo. É o primeiro golpe na minha vaidade tão humana. Nunca me chamaram de velha.

– Não ligue, minha senhora. Bater boca não resolve. — São vozes solidárias — Serão todos velhos?

Faço de conta que não sei contar… Não consigo avaliar a idade dos “adultos” que falam. Na verdade, foi dureza mesmo descobrir que sou velha e ponto final.

Sorrio, no final de tudo, acabo tendo que rir. Batendo boca com a fedelhada. Fico me desculpando:
– Se fosse tão velha, teria me intimidado com os rostinhos agressivos e debochados à minha volta.

O bate-boca foi um solavanco, me sacudiu. O sangue circula rápido, o rosto vermelho refletido no espelho. Um espanto.

A raiva passa. Vou fazer de conta que não sei contar: 59 +1= 58…

Besteira, gente. Sessentona e pronto!

Vamos lá fazer a festa!!!

Eu nunca vou me aposentar. Eu não. Vou apenas me aquietar.

Yvelise de Oliveira é Presidente do Grupo MK de Comunicação; ela costuma escrever crônicas sobre as suas experiências e percepções a cerca da vida. Há alguns anos lançou o livro Janelas da Memória, um compilado de seu material. Atualmente está em processo de finalização de uma nova obra, Suspiros da Alma.
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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