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Eu sempre te amei

Eu te seguia, te buscava, por ti brigava, lutava, te amava, te xingava, chorava, gritava

Yvelise de Oliveira - 09/10/2018 09h37

Te amei quando em meu ventre ainda nem sabia que tu já vivias e ias nascer.

Te amei quando choraste com tua carinha enrugada, cabelos e olhos escuros, boquinha ávida, chupando tudo.

Te amei quando insone, exausta, não me deixavas dormir. Teus olhinhos negros de sono fechavam de dia, e à noite toda ficavam abertos, espertos. Só dormias ao amanhecer.

Te amei quando deste teus primeiros passos cambaleantes, meu bebê enorme, grande, possante; me derrubavas no chão. Sorríamos.

Te amei quando na escola, levado, toda semana eu à secretaria ia, e ouvia de como eras impossível, que mordias outras crianças, empurravas teus coleguinhas. Eras enorme e tinhas um gênio terrível. Eu ouvia.

Te amei quando ainda menino, andavas de skate por entre os ônibus fazendo malabarismos. E os vizinhos horrorizados me telefonavam:

— Socorro! Segura esse menino!

— Benoni, que menino danado!

— Cuidado, ele é muito forte, vai te bater.

— Cuidado, chegou o Benoni.

— Meu Deus! Que menino é esse?

— Quem aguenta essa criança?

Eu exausta pensava: “Meu filho, como eu te amo.” Que trabalho me davas.

Tu cresceste destemido, valente, sem medo, um gladiador, nascido fora do tempo. Querias sempre vencer.

Foste surfista, enfrentavas o mar como se dominá-lo pudesses, em ondas imensas descias — surfando ao vento. Pura alegria!

Adoravas as lutas marciais: tae kwon do, box, judô, caratê.

Montavas cavalos de salto, adoravas competir — era o vento — você e o animal treinando para vencer.

Te amei quando teu hálito rescendia a noitadas de brigas, madrugadas de puro terror. Com todo tipo de gente te metias, sem medo, sem temor.

Nunca te deixei — mesmo quando me diziam:

— Desiste!

Eu te seguia, te buscava, por ti brigava, lutava, te amava, te xingava, chorava, gritava.

“Benoni vai acabar mal”, me diziam.

Eu te amava e não me importava. Para mim, eras meu filho querido. Eu sempre achei que um dia irias ser o que acabaste sendo: um homem bom.

Fazias corridas de motocross nas mais perigosas trilhas. Saltavas nas alturas. Nada temias. Eras incontrolável. Tua maior fonte de adrenalina, a velocidade. Sem ela não sabias viver.

De skyboard descias as mais altas montanhas — imensas, brancas, insondáveis, mas tu as amavas. Voavas por entre fendas cobertas de neve. O vento, a velocidade…

Quebraste quase todos os teus ossos. E no hospital passamos anos a fio. Mas tu superavas tudo, acreditavas na vida, na família e em Deus.

Te amei quando viraste Hell´s Angels e sumias na noite com teus camaradas, com tua Halley Davidson preta, poderosa, sinistra. Dias e noites de pura angústia, de medo de não te ver. Onde estavas? Em Deus, passei a confiar e a Ele te entreguei:

— É teu. Cuida, Senhor. Dá-me paz e certeza de que verei seus filhos nascerem.

Amado cresceste, casaste, tiveste teus filhos — corrias menos de moto — passaste a respeitar mais a vida. Mudaste de rumo, eras um pai de família.

A teus filhos davas mais atenção do que tudo. E como eu te amei os amava, totalmente, visceralmente. Como um leão os defendia.

E quando segura estava de que te veria envelhecer, compraste um ultraleve e fostes brincar de voar… Um pássaro querias ser.

Vivias intensamente, livre como uma tempestade, voavas nos céus sem temor, ias dominar as nuvens, o vento era teu amigo — me dizias que o amavas.

Tu sorrias com teu sorriso aberto, sincero. Fazias amigos e os cuidava, os mantinha contigo. Defendias os fracos. Eras tão forte, tão especial, que muitos te amaram sem reservas. Com uma fidelidade assustadora de quem te cria invencível. Perto de ti, sentiam-se seguros e sempre contigo estavam.

Tinhas um carisma único e era difícil não sentir o coração feliz ao ouvir-te falar com alegria pueril de como era voar e ver o mundo de cima, do alto das verdes montanhas, sob as águas do mar, ver o sol se pôr no infinito.

Viveste a vida com tamanha intensidade e tão avidamente como se tua alma soubesse que jovem ainda irias partir.

Eu te amei e nunca te abandonei. Estivemos juntos em todas as tuas aventuras e desventuras. Nada nem ninguém nos separaria, pensava eu. Valente como tu, seguias vivendo.

Mas voar, meu filho, é para os anjos. E foi voando no céu que deixastes a vida que tanto amavas.

Enquanto teus olhos viam o teu último pôr do sol, o teu avião caia para nunca mais decolar.

Yvelise de Oliveira é Presidente do Grupo MK de Comunicação; ela costuma escrever crônicas sobre as suas experiências e percepções a cerca da vida. Há alguns anos lançou o livro Janelas da Memória, um compilado de seu material. Atualmente está em processo de finalização de uma nova obra, Suspiros da Alma.
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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