Os desigrejados e a interpretação errada de Mateus 18:20
Renato Vargens - 21/08/2019 10h42
Boa parte dos evangélicos têm por hábito desenvolver doutrinas fundamentadas em versículos isolados. Ora, um principio exegético e hermenêutico é que texto fora do contexto é como mero pretexto, e pretexto é a base para o surgimento de heresias. Aliás, digo mais, estabelecer uma afirmação doutrinária ou elaborar um corpo de doutrinas fundamentados em textos isolados, fora do seu contexto é um erro grave e que por si só traz consequências funestas a igreja de Cristo. Para piorar a situação, os que agem desta forma além de “assassinar” o texto bíblico, levam àqueles que os leem ou ouvem a uma visão absolutamente equivocada do ensino das Escrituras.
Um exemplo claro disso é a interpretação que alguns desigrejados tem feito sobre Mateus 18:20 que diz: “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles.”
Segundo esses irmãos, o texto afirma que qualquer grupo de duas ou três pessoas ao se reunirem em nome de Jesus podem ser caracterizados Igreja. Mas, será que a interpretação feita por esses irmãos está certa? Será que o texto usado pelos que advogam essa premissa, pode à luz do contexto ser interpretado desta maneira? Penso que não, até porque, textos isolados, extraídos do contexto podem produzir heresias.
Bruce L. Shelley contrapondo-se a essa ideia afirma que alguns em nosso tempo tem tido uma visão da igreja distorcida pelo individualismo e que o individualismo tem contribuído com a construção do mito de que onde estiverem dois ou três reunidos em nome do Senhor, ali é a igreja.
Pois é, para os desigrejados, Mateus 18:20 é a prova inequívoca de que para constituir uma igreja basta somente duas ou três pessoas se reunirem em nome de Cristo. Só que como falei anteriormente, todo texto precisa ser lido dentro do contexto, até porque, o entendimento do contexto, é essencial para a compreensão do significado do texto.
Bruce L. Sheeley afirma que no contexto, o Senhor Jesus ensina que se o nosso irmão pecar contra nós, devemos procurá-lo em particular e tentarmos a reconciliação. Se não quiser atender, pediremos a um ou dois indivíduos que nos acompanhem para que toda palavra se estabeleça, pelo depoimento de duas ou três testemunhas. Se mesmo assim recusar-se a ouvir, Cristo diz então: Dize-o a Igreja e se recusar a ouvir também a igreja, considere-o gentio e publicano.
Por favor, preste atenção: Os dois ou três mencionados no texto não são considerados como igreja, que é identificada como um corpo maior, reunido localmente de modo que lhe possam contar o acontecido e o indivíduo desviado possa dar-lhe atenção. Augustus Nicodemus é contundente em afirmar que o texto não concede base para que dois ou três em nome do Senhor se separem da igreja resolvendo assim fazer sua própria igrejinha informal ou seguir carreira solo como cristãos.
Essa passagem particular faz uma clara distinção entre o pequeno grupo de cristãos e a igreja (local).
Vale a pena ressaltar, que segundo o contexto, o verso 20 sugere que Jesus está no meio de duas ou três testemunhas não para congregar-se, mas, para decidir a veracidade ou falsidade de declarações feitas nas tentativas de reconciliar as diferenças entre os crentes.
Isto posto, usar esse versículo de forma ISOLADA afirmando que duas ou três pessoas reunidas em nome de Cristo constitui uma igreja é um grave erro exegético.
O versículo comumente usado pelos desigrejados para justificarem suas reuniões não pode fundamentar a premissa por eles defendidos. Ademais, uma igreja local se caracteriza por outros fatores.
Jonathan Leeman, por exemplo, afirma que o que constitui uma igreja local é um grupo de cristãos que se reúnem regularmente em nome de Cristo para confirmar e supervisionar legitimamente a participação uns dos outros em Jesus Cristo e seu reino, mediante a pregação do evangelho e a prática dos sacramentos.
Leeman afirma que isso se dá mediante a pregação, da ministração do batismo e da ceia do Senhor como também a aplicação da disciplina. A questão é que os niilistas eclesiásticos odeiam toda e qualquer tipo de organização rejeitando assim tudo que possa lembrar um tipo de instituição. Para piorar a situação, preferem dar ouvidos aos conselhos distorcidos de Paulo Bravo, Frank Viola, Caio Fábio e outros, os quais não passam de reprodutores daquilo que no passado fora defendido pelos quakers, darbistas e outros.
O reformador francês João Calvino ao contrário dos desigrejados ensinava a suprema importância à necessidade do cristão estar unido à Igreja visível. Calvino entendia que o cristão como filho adotado de Deus pertence ao Corpo universal de Cristo, mas exterioriza essa sua ligação à Igreja invisível ao unir-se à Igreja visível. Calvino também deixa claro que essa união se dá pela confissão de fé, pelo exemplo de vida, pela participação nos Sacramentos e quando a fé é negada seja em palavras ou em testemunho de vida através de pecado impenitente a pessoa é excluída da comunhão da Igreja, não podendo participar da Ceia do Senhor. Portanto, para o reformador de Genebra, a reunião de dois ou três irmãos, não possuem essa prerrogativa, que como vimos é exclusiva da Igreja.
Como bem disse Idauro Campos, o movimento dos desigrejados não é nada novo, na verdade, esse movimento sempre esteve presente na história da igreja.
Isto posto, olhemos para o passado, aprendamos com os erros daqueles que nos antecederam e fujamos desta doutrina que tem trazido inúmeros malefícios a igreja brasileira.
Pense nisso!
Renato Vargens é pastor, conferencista, tendo já pregado o Evangelho em países da América do Sul, Norte, Caribe, África e Europa. É escritor, com 24 livros publicados em língua portuguesa e 1 em língua espanhola. É também colunista e articulista de revistas, jornais e diversos sites protestantes, editor do site renatovargens, pastor sênior da Igreja Cristã da Aliança em Niterói e membro do conselho da Coalizão pelo Evangelho (TGC). |