E se, em vez de Michelle, os deboches fossem contra um ‘pai de santo’ incorporado?
O combate ao preconceito religioso é seletivo
Marisa Lobo - 07/12/2021 13h30
A sociedade atual gosta muito de falar sobre tolerância, diversidade e respeito às diferenças, não é? Mas o que vemos na prática é que esses conceitos não têm muito valor quando ataques de ódio e preconceito envolvem a cultura judaico-cristã e as suas diferentes ramificações, especialmente as de tradição evangélica.
O episódio em que a primeira-dama do Brasil, Michelle Bolsonaro, aparece comemorando a vitória do ex-ministro André Mendonça no Senado Federal, quando ele obteve a aprovação da sua indicação para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), é mais um triste exemplo do quanto a comunidade evangélica ainda é vítima de intolerância em nosso país. E, mais precisamente, do quanto os discursos de combate ao preconceito religioso, propagados pela grande mídia e entre os ditos “defensores da diversidade”, são absolutamente seletivos, parciais e voltados apenas para alguns grupos.
Por ter orado em “línguas estranhas” durante a sua comemoração – um fenômeno comum nas igrejas pentecostais e reconhecido como um dom de Deus -, Michelle foi alvo de vários ataques odiosos nas redes sociais, inclusive por parte de figuras públicas, como o jornalista Reinaldo Azevedo. “Baixou o Espírito Santo?”, indagou ele ao comentar com sarcasmo o vídeo da primeira-dama.
Mas, agora, pergunto: se fosse um “pai de santo” em quem tivesse “baixado” uma entidade, os deboches seriam aceitáveis? Seria encarado como “liberdade de expressão” o ato de chamar um praticante do candomblé de “lunático”, por ele se apresentar com um ser de “outro mundo” em seu corpo, falando e até pedindo oferendas para celebrar a aprovação de um indicado ao STF?
Já sabemos a resposta. Se este cenário hipotético estivesse ocorrido, imagino até que a grande mídia trataria o episódio como uma “legítima expressão de comemoração por parte de representantes da cultura afro-brasileira”. Quem o criticasse, naturalmente seria escrachado e talvez até processado por intolerância religiosa.
Contudo, como o caso em tela, na verdade, envolveu pastores e evangélicos, então o “ódio do bem” está liberado. Podem nos rotular de “fanáticos”, “lunáticos”, “fundamentalistas”, “alienados”, “escória” e de quantas outras ofensas quiserem, pois tudo será retratado pela bolha lacradora de ignorantes como “legítima manifestação da liberdade de expressão”.
Felizmente, sabemos de onde partem as reações de ódio contra a fé de pessoas como Michelle Bolsonaro e de todos nós, cristãos que oram a Deus. A chegada de um pastor ao STF realmente deve estar abalando o mundo infernal, o que explica essas reações e o interesse de alguns que tentaram barrar o nome dele por mais de quatro meses.
Finalmente, como cristãos, seguiremos não compactuando com nenhuma forma de intolerância religiosa. Nós continuaremos nos posicionando no campo do amor, e não do ódio. Contudo, exigimos o mesmo respeito que teria um “pai de santo” que comemorasse a vitória de um outro indicado (um espírita) ao STF, pois isso não é só uma questão de tolerância; é um direito do qual não abriremos mão.
Marisa Lobo possui graduação em Psicologia, é pós-graduada em Filosofia de Direitos Humanos e em Saúde Mental e tem habilitação para Magistério Superior. |