Leia também:
X Mundo líquido, Igreja derretida

A destruição de Damasco – Isaías 17

Isaías profetizou num período crucial da história de Judá e Israel. O profeta recebeu direção divina para falar sobre o que estava acontecendo

Luiz Sayão - 06/03/2018 11h00

Capital da Síria, Damasco, é bombardeada Foto: EFE/Sana

O texto de Isaías 17 tem chamado a atenção. O julgamento sobre os arameus (sírios) tem destaque nas palavras do grande profeta do século 8 a.C.

“Advertência contra Damasco: Damasco deixará de ser cidade; e se tornará um monte de ruínas. Suas cidades serão abandonadas; serão entregues aos rebanhos que ali se deitarão, e ninguém os espantará” (Isaías 17:1,2).

Há diversos textos dos que se referem às nações nos profetas literários, alguns oráculos merecem destaque maior: Isaías 13-23; Jeremias 46-51; Ezequiel 25-32; Amós 1.3-2.16; Naum 2-3; Sofonias 2-3; Habacuque; Obadias e o livro de Jonas. É muito significativo observar a extensão dedicada às nações pelos profetas. Isso mostra a necessidade de explicar a realidade da atuação e movimentação dos povos ao redor, e o que isso significava para Israel. É importante ressaltar que Naum e Jonas dedicam-se ao tema da destruição de Nínive, capital da Assíria, e o livro de Habacuque questiona a justiça divina, no caso da invasão neobabilônica no reino do Sul.

A diversidade de nações também merece menção em Isaías e nos outros profetas. Além das potências que ameaçaram a continuidade de Israel, a Assíria (Nínive) e a Babilônia, muitas outras nações são relacionadas nesses oráculos. Entre elas, destacam-se a Filistia; a Fenícia, mais comumente abordada por suas famosas cidades Tiro e Sidom; o Egito; a Síria (Aram), com o enfoque muitas vezes em Damasco; e também nações menores e menos poderosas como Amom, Moabe, Edom, Elam (região da Pérsia) e até tribos árabes. Ainda que algumas dessas nações não representassem potências militares, elas tinham outros significados importantes. Algumas, como o Egito, poderiam representar um refúgio ou um aliado, outras como Moabe e Edom, frequentemente se aproveitavam das invasões estrangeiras para tirar vantagem dos judaítas e israelitas. Assim, todo o quadro de nações disponível aos profetas estava sujeito aos desígnios do Deus de Israel.

Na abordagem das nações, os dois tipos básicos de oráculos proféticos são a profecia de juízo e a profecia de salvação. A palavra dura, de juízo, foi em geral dirigida às nações, principalmente em função da atitude opressora dos grandes impérios do mundo antigo. Nelas há temas relevantes que merecem atenção:

As Profecias de Juízo

Destruir a Opressão e Estabelecer a Justiça. Ainda que as potências do mundo da época fossem, em última instância, controladas por Deus, a opressão e a maldade teriam que receber a devida retribuição do Deus da justiça revelado a Israel. Dois exemplos referentes à Assíria e à Babilônia estão em Naum e Isaías:

“Ai da cidade sanguinária, repleta de fraudes e cheia de roubos, sempre fazendo as suas vítimas!” (Naum 3:1).

“Você zombará assim do rei da Babilônia: Como chegou ao fim o opressor! Sua arrogância acabou-se!” (Isaías 14:4).

Crueldade contra Israel-Judá. Como povo da aliança, Israel é amado por Deus de modo muito especial e peculiar. Deus vai ser descrito como aquele que tem ciúmes de Israel. “O teu criador é o teu marido”, registra Isaías 54:5. Por isso, as nações são julgadas por terem ousado tocar “na menina dos olhos de Deus” (Zacarias 2:8). Amós condena o que os sírios fizeram com Gileade. Damasco está em vista aqui:

“Assim diz o Senhor: ‘Por três transgressões de Damasco e ainda mais por quatro, não anularei o castigo. Porque trilhou Gileade com trilhos de ferro pontudos’” (Amós 1:3).

Crueldade contra Outras Nações. O Deus justo punirá as nações ímpias não só pelo que fizeram a Israel, mas também pelo que foi feito a outras nações mais fracas. Conceito surpreendente num ambiente de deuses exclusivamente nacionalistas. O Deus da aliança também é o Deus universal, que controla o destino dos povos. Dois exemplos claros desse tipo de julgamento aparecem nos oráculos de Habacuque e de Amós.

“Porque você saqueou muitas nações, todos os povos que restaram o saquearão. Pois você derramou muito sangue, e cometeu violência contra terras, cidades e seus habitantes” (Habacuque 2:8).

“Assim diz o Senhor: ‘Por três transgressões de Moabe, e ainda mais por quatro, não anularei o castigo. Porque ele queimou até reduzir a cinzas os ossos do rei de Edom” (Amós 2:1).

Orgulho e Soberba. A arrogância e o sentimento de poder total, independência completa do Soberano de toda a terra são fortemente condenados, como se vê na teologia dos salmos. As nações que apresentam esse perfil terão grande castigo. Um exemplo nítido é o rei de Tiro, descrito em Ezequiel 28.

“Filho do homem, diga ao governante de Tiro: Assim diz o Soberano, o Senhor: ‘No orgulho do seu coração você diz: ‘Sou um deus; sento-me no trono de um deus no coração dos mares’. Mas você é um homem, e não um deus, embora se considere tão sábio quanto Deus” (Ezequiel 28:2).

Quebra de fraternidade. A lealdade entre irmãos é fundamental para a manutenção da vida social. Nações irmãs ou parentes de Israel ou Judá não poderiam ter desprezado seu parentesco por causa de ganância ou maldade. Também são dignas de grande punição. Esse é o caso de Edom, descendente de Esaú, irmão de Jacó, condenado em Amós.

“Assim diz o Senhor: ‘Por três transgressões de Edom, e ainda mais por quatro, não anularei o castigo. Porque com a espada perseguiu seu irmão, e reprimiu toda a compaixão, mutilando-o furiosamente e perpetuando para sempre a sua ira, porei fogo em Temã, e as chamas consumirão as fortalezas de Bozra” (Amós 1:11,12).

Não resta dúvida de que a justiça e a universalidade de Deus, bem como sua ação redentora na história de Israel são os elementos condutores na profecia de Isaías e dos demais profetas literários. Para entender bem o profeta Isaías, é preciso observar bem o contexto de sua época. Seu ministério se deu entre os anos 740-680 aC. Conforme o texto, Isaías profetizou nos reinados de “Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias, reis de Judá” (1:1). Seu chamado profético tem início no ano que o rei Uzias (792-740) morreu (6:1,8). Mas, é possível que ele tenha começado na última década do reinado de Uzias. Como Isaías menciona a morte de Senaqueribe, rei da Assíria, que morreu em cerca de 680 aC (Is 37:37,38), ele deve ter vivido além do reinado de Ezequias. A tradição diz que Isaías foi martirizado no reinado de Manassés. Acredita-se que a referência “serrados” em Hebreus 11:37 seja uma referência à morte de Isaías. Como Isaías começou a profetizar por volta de 740 aC, o seu ministério pode ter sido paralelo aos ministérios de Amós e Oseias em Israel, bem como o de Miqueias em Judá.

Isaías profetizou num período crucial da história de Judá e Israel. Os reinos do Norte e do Sul haviam experimentado cerca de meio século de poder e prosperidade crescentes. Israel, governado por Jeroboão I e outros seis reis de menor importância, caíra na idolatria; Judá, sob Uzias, Jotão e Ezequias, manteve lealdade formal a Deus, mas, gradualmente, entrou em declínio moral e espiritual (3:8-26). Lugares secretos de cultos idólatras eram tolerados; o rico oprimia o pobre; muitos sacerdotes e profetas eram bêbados e queriam apenas agradar homens (Is 5:7-12,18- 23; 22:12-14). Estava claro para Isaías que a aliança registrada por Moisés em Deuteronômios 30:11-20 havia sido inteiramente violada, que o cativeiro e o julgamento eram inevitáveis para Judá, assim como para Israel. Isaías entrou em seu ministério aproximadamente na época da expansão do Império Assírio. Com muito poder bélico e impetuosidade, a Assíria deu início a suas conquistas ao sul e ao oeste. O profeta, que percebeu o cenário mundial, viu que o conflito seria iminente e recebeu direção divina para falar sobre o que estava acontecendo.

Quando lemos Isaías 17, no contexto dos oráculos contra as nações (13-23), podemos entender o que está acontecendo. A profecia contra Damasco foi cumprida. A história da conquista da Síria pelos invasores assírios se cumpriu. Foi no ano 732 aC que o exército de Tiglate-Pileser III destruiu Damasco. É muito importante observar que isso aconteceu no final da guerra Siro-efraimita (Is 7), quando tanto Israel (Efraim) quanto a Síria caem diante do invasor poderoso. Veja no texto como Israel, juntamente com a Síria, também é julgado e cai na profecia de Isaías 17.

“Efraim deixará de ser uma fortaleza, e Damasco uma realeza; o remanescente de Arã será como a glória dos israelitas, anuncia o Senhor dos Exércitos. Naquele dia a glória de Jacó se definhará, e a gordura do seu corpo se consumirá. Será como quando um ceifeiro junta o trigo e colhe as espigas com o braço, como quando se apanhamos feixes de trigo no vale de Refaim” (Isaías 17:3-5).

O texto de Isaías 17 não é uma referência apocalíptica. Fala de uma profecia cumprida na história de Israel. O julgamento divino se cumpriu, e seu desfecho foi ainda mais terrível: A Assíria conquistou Samaria em 722 aC, e o Reino do Norte sucumbiu; conforme as palavras dos profetas de Deus.

Luiz Sayão é professor em seminários no Brasil e nos Estados Unidos, escritor, linguista e mestre em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica pela Universidade de São Paulo (USP).
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
Siga-nos nas nossas redes!
WhatsApp
Entre e receba as notícias do dia
Entrar no Canal
Telegram Entre e receba as notícias do dia Entrar no Grupo
O autor da mensagem, e não o Pleno.News, é o responsável pelo comentário.