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Divórcio em 1 Coríntios – que a mulher não se separe do marido

O divórcio tem sido uma das questões mais complexas da atualidade. Muita gente tem receio de discutir o assunto, mas o tema precisa ser encarado

Luiz Sayão - 06/02/2018 10h15

O divórcio tem sido uma das questões mais complexas da atualidade. Muita gente tem até receio de discutir o assunto abertamente. Todavia, não há como fugir. O tema precisa ser encarado. De um lado, muitos cristãos rejeitam todo e qualquer divórcio, sugerindo que alguém deve até mesmo viver para sempre com um cônjuge promíscuo (com o risco de vida/Aids). De outro lado, muitos liberais nem se importam com textos restritivos do Novo Testamento. Afirmam apenas que hoje os tempos são outros e que ninguém está obrigado a sofrer para sempre ao lado de quem não gosta. Diante da polarização, é preciso discutir a questão.

Para discutir o tema, não se pode diminuir a importância da teologia do casamento em Gênesis 2:18-24, na criação, e de Deuteronômio 24:1-4 (texto da permissão do divórcio no AT). Todavia, a direção clara sobre o divórcio em termos práticos aparece, sem dúvida, no Novo Testamento. Como é bem conhecido, os textos dos evangelhos sinóticos que tratam do assunto são: Mateus 5:31-32; Marcos 10:1-12; Lucas 16:16-18 e Mateus 19:1-12. Destes o mais detalhado e significativo é o texto de Mateus 19. Uma análise atenta desse texto irá nos mostrar os seguintes fatos:

  1. O divórcio era comum e fácil nos dias de Jesus.
  2. Jesus coloca o homem e a mulher em pé de igualdade. Entre os judeus da época nenhuma mulher podia divorciar-se de seu marido.
  3. Havia uma discussão entre os rabinos sobre o divórcio no tempo de Jesus. A questão era a interpretação das escola de Hillel e de Shamai. A primeira aceitava o divórcio por “qualquer motivo”, a segunda apenas por “algo indecente” (a partir de Dt 24:1-4). Jesus se posiciona do lado de Shamai, rejeitando o “qualquer motivo”.
  4. Jesus procura mostrar que Deus está mais interessado no casamento do que no divórcio. Por isso, volta a atenção da discussão para a teologia do casamento na criação. Sua postura é que o casamento é monogâmico e deve durar por toda a vida.
  5. É preciso dizer que a poligamia ainda era tolerada pelos judeus, pois o Antigo Testamento nunca a condenou.
  6. O pecado do divórcio, conforme Mateus 19, está relacionado com a quebra dos votos do casamento, isto é, infidelidade.
  7. A certidão de casamento dada pelo marido na ocasião da separação da mulher trazia uma frase que permitia à mulher um novo casamento. Os judeus não incentivavam uma vida de solteiro.
  8. Jesus corrige a teologia farisaica da época, afirmando que a base teológica correta é “o princípio” e não “Moisés”. Aqui vemos o ideal cristão de restauração de todas as coisas conforme o princípio.
  9. Como os judeus aceitavam a poligamia, especialmente no caso da escola de Hillel, o homem só adulterava se tomasse a mulher de outro homem.
  10. A postura de Jesus tem a finalidade de proteger a mulher “despedida” injustamente.
  11. Jesus está afirmando inequivocamente que um divórcio não válido implica em adultério.
  12. Tudo indica que Jesus admite algum tipo divórcio ou de anulação do casamento em Mateus 19. É preciso entender que o grego porneia, tradicionalmente traduzido por “prostituição”, é de fato “imoralidade sexual”. A visão mais conservadora sugere que o termo se referia ao que acontecera antes do casamento. O marido descobria que a mulher não era virgem, e assim anulava ao casamento. Outros até sugerem que o texto fala de consanguinidade. A posição mais comum e mais fundamentada entende que Jesus se refere ao depois, isto é, se acontecesse alguma porneia. O termo não é literalmente adultério (moicheia), usado depois no texto. O significado de porneia é amplo e pode referir-se a qualquer tipo de imoralidade sexual. A comprovação da imoralidade permitia o divórcio sem culpa por parte do ofendido.

Assim, o resumo de uma posição equilibrada sobre o assunto nos dirá que tudo deve ser feito para manter um casamento. Ainda que haja adultério, tudo deve ser feito para restaurar o casal. Mas, o divórcio pode ser permitido caso uma das partes insista em viver na “imoralidade sexual”, o que pode englobar adultério, homossexualidade, bestialidade, incesto e pedofilia. Infelizmente, o divórcio é um remédio amargo que se toma para evitar que se viva em bigamia, poligamia e promiscuidade.

Todavia, a questão se torna mais complicada diante de 1 Coríntios 7. No texto, Paulo parece indicar que a separação é compreensível, mas o recasamento é inaceitável. Será que é isso mesmo?

O texto de 1 Coríntios 7:8-16

“8 Digo, porém, aos solteiros e às viúvas: É bom que permaneçam como eu. 9 Mas, se não conseguem controlar-se, devem casar-se, pois é melhor casar-se do que ficar ardendo de desejo. 10 Aos casados dou este mandamento, não eu, mas o Senhor: Que a esposa não se separe do seu marido. 11 Mas, se o fizer, que permaneça sem se casar ou, então, reconcilie-se com o seu marido. E o marido não se divorcie da sua mulher. 12 Aos outros, eu mesmo digo isto, não o Senhor: Se um irmão tem mulher descrente, e ela se dispõe a viver com ele, não se divorcie dela. 13 E, se uma mulher tem marido descrente, e ele se dispõe a viver com ela, não se divorcie dele. 14 Pois o marido descrente é santificado por meio da mulher, e a mulher descrente é santificada por meio do marido. Se assim não fosse, seus filhos seriam impuros, mas agora são santos. 15 Todavia, se o descrente separar-se, que se separe. Em tais casos, o irmão ou a irmã não fica debaixo de servidão; Deus nos chamou para vivermos em paz. 16 Você, mulher, como sabe se salvará seu marido? Ou você, marido, como sabe se salvará sua mulher?”. (grifos meus)

Entendendo a questão
É preciso ressaltar desde o início que o contexto de 1 Coríntios é bem diferente do que vemos nos evangelhos. Sem a percepção da distinção entre os contextos não se pode entender Paulo. Em 1 Coríntios 7, o problema é o casamento misto. A pergunta feita não era sobre adultério ou traição. A questão era: o convertido a Cristo deveria abandonar seu cônjuge pagão? Com base no verso 1, parece que alguns cristãos não queriam ter relações íntimas com o cônjuge descrente. Isso revela um desejo de separação. Além disso, é importante ressaltar que o casamento misto sempre foi condenado pelos judeus. Os filhos desses casamentos eram tidos como ilegítimos. O mesmo problema aparece aqui. Alguns cristãos achavam que deveriam separar-se do seu cônjuge pagão para que seus filhos fossem “santos”.

Ao lidar com a questão, Paulo mostra-se muito prático neste capítulo (7:9). Uma razão para isso era que a lei romana era muito flexível e liberal para com o divórcio. Muitos simplesmente abandonavam o cônjuge. Além disso, muitos se confundem ao ler a frase (7:12): “eu mesmo digo isto, e não o Senhor”. Estaria Paulo dando uma mera opinião pessoal? É claro que não. A frase “não eu, mas o Senhor” apenas significa que Paulo está repetindo o que Jesus ensinou. Nada tem a ver com a opinião pessoal do apóstolo. De igual modo, quando ele afirma: “digo eu, não o Senhor”, Paulo está ensinando, com autoridade apostólica, sobre um assunto a respeito do qual Jesus não se pronunciou especificamente nos evangelhos.

No verso 10, vemos que Paulo ordena que a mulher não se separe do marido. O texto refere-se à ordem de Jesus e aplica-se contextualmente. A ordem se destina a mulheres crentes que achavam que deveriam deixar o marido descrente. Seguindo o ensino de Cristo, ela não poderia se casar de novo, pois isso seria adultério (Mt 19:9). Aqui não houve porneia. A situação é diferente de Mateus 19. No caso de imoralidade o divórcio foi permitido; no caso de um motivo injustificado, cônjuge pagão, o divórcio é proibido. Todavia, caso a convivência ficasse impossível, a separação era aceitável, mas não o recasamento. Conforme vemos no texto: “se o fizer” (v. 11), o cristão estava proibido de casar-se de novo.

Todavia, a questão é diferente nos versos de 12 a 15. O texto fala agora de cristãos que poderiam ser abandonados pelos cônjuges descrentes. A ênfase é fazer o possível para continuar casado. Mas se o descrente resolvesse separar-se, o cristão não seria culpável (v.15). A dificuldade do verso 15 é o que significa a frase “debaixo de servidão”. As sugestões são várias:

  1. A pessoa estaria livre da lei de Cristo (Mt 19) e poderia divorciar-se;
  2. A pessoa estaria livre para separar-se, mas não deveria escravizar-se a nenhum outro cônjuge;
  3. A mulher estaria livre da escravidão do marido;
  4. A mulher estaria livre pela primeira vez para escolher o seu futuro.

Entendo que a frase parece indicar possibilidade de novo casamento, caso a pessoa seja abandonada por um cônjuge descrente que definiu sua situação com outra pessoa. Finalizando, vale mencionar que a frase “chamou para a paz” parece indicar uma expressão rabínica que significaria “fazer justiça sem ser muito legalista”. Isso indicaria a flexibilidade de Paulo aqui. É importante ser normativo, sem deixar de ser terapêutico.

Luiz Sayão é professor em seminários no Brasil e nos Estados Unidos, escritor, linguista e mestre em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica pela Universidade de São Paulo (USP).
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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