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A importância da Arqueologia em Israel e no Oriente Próximo

As descobertas arqueológicas confirmam as Escrituras

Luiz Sayão - 30/01/2018 10h45

A Arqueologia é a ciência que estuda o passado das civilizações antigas a partir de testemunhos concretos. Para a tradição judaico-cristã a Arqueologia sempre teve um valor especial. Desde Justino Mártir (século 2 a.C) já havia um certo interesse arqueológico relativo à Bíblia. Mas, foi nos últimos duzentos anos que a Arqueologia bíblica se desenvolveu muito. Isso aconteceu de modo muito especial na terra de Israel, mas também em países como Jordânia, Egito, Síria, Líbano, Iraque, Turquia, Grécia, Chipre e Itália. Esses são os principais países onde é feita a pesquisa que procura relacionar descobertas arqueológicas com narrativas do texto sagrado. Israel é o mais importante de todos.

Os inícios da pesquisa arqueológica datam do século 19, quando o estudioso alemão Seetzen explorou a Transjordânia, e descobriu Cesareia de Filipe, Rabat (2 Sm 11:15) e Gerasa. Em meados do século 19, o francês De Saulcy foi o primeiro a escavar sítios arqueológicos na terra de Israel e região. O inglês Charles Warren fez escavações em Jerusalém e datou as obras de Herodes no grande muro de contenção da antiga plataforma do templo. Já o explorador francês Charles Cler­mont-Ganneau recuperou, por volta de 1870, a famosa inscrição em pedra de Mesa (2 Rs 3:4) e encontrou a famosa inscrição em pedra que proibia, sob pena de morte, o acesso de gentios ao pátio do templo.

Todavia, somente no final do século 19 surgiu o primeiro grande arqueólogo das terras bíblicas. Foi o inglês Sir Flinders Petrie, trabalhando inicialmente no Egito e depois em Israel, Palestina e Jordânia (sob domínio turco na época), que estudou a cerâmica antiga e desenvolveu um sistema de datação dos períodos e fatos bíblicos observando e registrando as diferenças na forma, textura e pintura da cerâmica. Petrie estudou as várias camadas de terra dos sítios antigos e descobriu que os estratos tinham ordem cronológica.

Depois de Petrie, já no século 20, outro arqueólogo muito importante foi o norte-americano William F. Albright. A obra de Albright foi muito significativa, não somente por sua perícia e conhecimento, mas também porque seu pressuposto era que a Bíblia é um documento historicamente confiável.

No século 20 devido ao surgimento da chamada “New Archaeology”, a Arqueologia das terras bíblicas passou a ser denominada “Arqueologia Siro-palestina”. A ideia dessa nova perspectiva é que a Arqueologia da região deveria ser percebida da perspectiva científica. A característica peculiar do Oriente Próximo com aluviões e os célebres “tells” deveria delimitar a Arqueologia da região. Além disso, a Arqueologia passou a ter uma abordagem multidisciplinar (valendo-se dos estudos de arquitetos, antropólogos, geólogos e osteólogos) e não considerar o texto bíblico como historicamente exato. A arqueóloga britânica Kathleen Kenyon foi um dos expoentes da nova abordagem.

Cunrã, deserto da Judeia, Israel Foto: Pixabay

Algumas descobertas arqueológicas mais importantes
O resultado prático da pesquisa arqueológica em Israel e nas terras bíblicas pode ser visto no grande número de descobertas e pela relevância de tais achados. Entre as centenas de cidades e objetos arqueológicos desenterrados e estudados, alguns tiveram valor fundamental para o estudo bíblico. Aqui mencionaremos as principais descobertas dos últimos duzentos anos e sua importância para o estudo das Escrituras.

1. As Cartas de Amarna. São 380 cartas em acadiano entre cananeus e egípcios. Falam sobre Canaã do século 14 a.C., época quando os hebreus chegam à terra de Canaã, a terra de Israel.
2. Os Manuscritos do Mar Morto. Os Manuscritos do Mar Morto são as cópias mais antigas da Bíblia Hebraica, mil anos mais antigas do que os disponíveis até então. São centenas de folhas de manuscritos, mas nem todos eles estão bem preservados em relação ao Texto Massorético. São datados entre 200 a.C. a 100 d.C. e foram encontrados e estudados entre 1947-1956 em onze cavernas da região de Cunrã, no deserto da Judeia. Os manuscritos continham:

  1. Cópias integrais ou parciais de todos os livros canônicos do Antigo Testamento (exceto Ester);
  2. Comentários das Escrituras;
  3. Material dos livros apócrifos e pseudepigráficos do período interbíblico;
  4. Manuscritos das regras e doutrinas da comunidade;
  5. Textos sobre outros assuntos, como o Rolo do Templo e o tesouro oculto descrito no Rolo de Cobre.

3. Manuscritos Hebraicos Antigos. Outros manuscritos da Bíblia Hebraica importantes também foram descobertos. Destacam-se o Códice Cairense (Geneza), achado em 1890, contendo muitos manuscritos de grande parte da Bíblia Hebraica, e o Papiro Nash, descoberto em 1902, contendo poucos versos de Êxodo e de Deuteronômio.
4. As Tábuas de Ebla. São 17.000 tábuas em eblita que trazem luz sobre a vida patriarcal. São datadas de 2600-2300 a.C., e foram encontradas na Síria por arqueólogos italianos em 1976.
5. As cartas de Mári. São 20.000 tábuas em acadiano, do século 18 a.C. Descrevem costumes, informações detalhadas e nomes da época patriarcal. Foram encontradas em 1933 por Parrot.
6. O código de Hamurábi. Código de leis babilônicas que apresenta paralelos com a lei mosaica. É do século 18 a.C. Foi publicado em português (Editora Vozes).
7. Cultura e língua de Ugarite e as tábuas de Ras Shamra. São cerca de 1.400 tábuas em ugarítico (língua próxima ao hebraico). Traz muita luz sobre a religião e a literatura cananita e a poesia hebraica.
8. O Rochedo de Behistun e as cidades acadianas. Achados fundamentais para decifrar a língua e a cultura babilônica. De grande valor histórico e linguístico, revelam a antiga cultura semita ocidental da Mesopotâmia. O acadiano é parente do hebraico.
9. O calendário de Gezer. Calendário agrícola que traz um dos mais antigos registros do hebraico bíblico; as poucas linhas aparecem na escrita páleo-hebraica.
10. A Epopeia de Gilgamés e Enuma Elish. Textos acadianos paralelos ao Gênesis. Gilgamés traz um relato muito próximo do dilúvio bíblico. O Enuma Elish fala da Ascenção do deus Marduque, paralelo aos relatos bíblicos da criação.
11. O Prisma de Senaqueribe. Descreve o cerco assírio de Senaqueribe a Jerusalém em 701 a.C. Datado de 686 a.C., confirma a história da resistência do rei Ezequias narrada na Bíblia (2 Cr 32).
12. As Tábuas de Nuzi. São cerca de 10.000 tábuas, e pertenciam ao antigo império hitita. Descreve a história hitita e traz exemplos de alianças internacionais do século 17 a.C, refletidas em Êxodo e em Deuteronômio.
13. A Inscrição de Mesa. Encontrada por Klein em 1868, fala das conquistas de Mesa, rei de Moabe. Conhecida como Pedra Moabita, menciona o Deus de Israel, Onri, rei de Israel, pai de Acabe, e contemporâneo do rei moabita.
14. A Inscrição de Siloé. Comemora a conclusão do túnel de Ezequias, construído em Jerusalém na ocasião do cerco assírio (701 a.C.). É um exemplo importante do hebraico da época.
15. A Estela de Merneptá. Encontrada no Egito, em Tebas, é a mais antiga menção a Israel, fora da Bíblia. Data do século 13 a.C. e menciona uma expedição do faraó Merneptá à terra de Canaã.
16. A Cidade de Laquis e suas cartas. Atual Tell ed-Duweir, (Js 10:3,31) na Sefelá, a oeste de Hebrom. Foi fortificada por Roboão (2 Cr 11:9), capturada por Senaqueribe (2 Rs 18 e 19), tomada mais tarde pelos babilônios (Jr 34:7) e habitada até depois do exílio (Ne 11:30).

Era uma das cidades-fortalezas que guardavam os acessos à região montanhosa. A história de Laquis remonta a 8000 a.C. Os egípcios tiveram muita influência ali no Período do Bronze Médio e Posterior. Entre as descobertas importantes estão um templo cananeu do Bronze Posterior e um palácio do período israelita (Idade do Ferro). Foram achados muitos selos, escaravelhos e registros de impostos egípcios, vários selos hebraicos, pesos, alças de vasos com inscrições. As cartas de Laquis são óstracas (cacos de cerâmica) em hebraico.

São 18 cartas que discorrem sobre a conquista babilônica de Judá em 586 por Nabucodonosor.

17. Os Papiros do Novo Testamento. Os papiros são os testemunhos mais antigos do Novo Testamento e datam dos séculos 2 e 3 d.C. Os mais importantes, que levam o nome de seus descobridores ou do local onde foram achados, são:

  1. O Fragmento John Rylands, encontrado em 1930, chamado p52, (trechos de João 18), de cerca de 130 dC.
  2. Os papiros de Oxirrinco, diversos manuscritos encontrados no Egito em 1898. Datam principalmente do século 3 d.C.
  3. Os papiros Chester Beatty, p45, p46 e p47, contendo a maioria do NT, de cerca de 250 d.C.
  4. Os papiros Bodmer, p66, p72 e p75, contendo grande parte do NT, de cerca de 175-225 dC.

18. Os Pergaminhos do Novo Testamento. Escritos em couro de ovelha (ou cabra), são os Manuscritos Unciais, assim chamados porque foram escritos com letras maiúsculas. Os códices (cópias completas do NT) mais antigos são o Sinaítico, o Vaticano e o Alexandrino. O Sinaítico foi descoberto em 1844 por Tischendorf e data da primeira metade do século IV dC. Já o Vaticano, ainda que conhecido desde 1475, arquivado na Biblioteca do Vaticano, só foi publicado em 1889-1890.
19. Cafarnaum e sua Sinagoga. Esse sítio arqueológico à margem noroeste do lago da Galileia, é destacado no Novo Testamento (Mt 4:13; 8:5; 11:23; 17:24), em Josefo e no Talmude. As escavações começaram em 1856 e continuaram a partir de 1968.

Há uma sinagoga do século 2 d.C., de pedra calcária branca, que tinha um salão com colunas com três portas do lado sul na direção de Jerusalém, galerias superiores e um salão comunitário (ou escola) com colunas no leste. Escavações recentes mostraram que sob a estrutura atual havia uma sinagoga mais antiga de pedras pretas de basalto com paredes de mais de um metro de espes­sura. Amostras de cerâmica encontradas no piso de basalto e debaixo dele mostram que essa sinagoga era do século 1 d.C. ou antes. Essa sinagoga mais antiga sem dúvida é aquela em que Jesus pregou (Mc 1:21), a sinagoga construída para os judeus pelo centurião romano (Lc 7:1-5).

20. Magdala e sua Sinagoga. Descoberta recentemente (2007-8) numa escavação próxima ao monte Arbel, na Galileia. Essa era a cidade de Maria Madalena. Além da aldeia de Magdala, foi encontrada uma sinagoga da época de Jesus com diversos artefatos importantes da época.

O que se pode concluir?
Falta espaço para discutir os detalhes da imensa relevância dos achados arqueológicos pertinentes ao mundo bíblico. As descobertas trouxeram muita informação importante a respeito das narrativas sagradas. Algumas conclusões dos estudos arqueológicos são inequívocas e decisivas:

1. A arqueologia revelou que o Israel bíblico pertenceu ao mundo semítico ocidental antigo, com o qual tinha muitas semelhanças linguísticas e culturais. A compreensão desse universo cultural peculiar permitiu um entendimento muito mais exato da Bíblia Hebraica do que tínhamos anteriormente.

2. A Arqueologia comprovou em muito a historicidade bíblica. Dezenas de lugares e fatos anteriormente contestados por críticos céticos foram mais do que comprovados pela pesquisa arqueológica. Nas palavras do conhecido naturalista Werner Keller: “A Bíblia tinha Razão”.

3. O estudo da Arqueologia não resolve toda dificuldade bíblica. Todo achado arqueológico exige avaliação e interpretação. É preciso ser honesto e admitir que há dificuldades ainda não resolvidas. Merecem destaque os casos de Jericó e da cidade de Ai.

4. Os achados arqueológicos desmontaram ideologias como o historicismo radical, o liberalismo clássico e o antissemitismo que influenciaram muito da literatura crítica do século 19. Um exemplo é o caso dos paralelos literários entre a literatura babilônica e hitita dos séculos 18 e 17 a.C. e o Pentateuco.

5. A Arqueologia trouxe muita luz sobre a preservação da Bíblia. Centenas de manuscritos confirmaram que o texto bíblico foi mais preservado que qualquer outro documento antigo da humanidade. Os Manuscritos do Mar Morto são o maior exemplo disso.

Luiz Sayão é professor em seminários no Brasil e nos Estados Unidos, escritor, linguista e mestre em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica pela Universidade de São Paulo (USP).
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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