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Abram as portas para o Natal: o Rei chegou! E não foi pela Porta dos Fundos

Imagine a loucura de alguém que na semana do dia das mães faz uma escultura identificando as mães do mundo com um vaso sanitário? E com a desculpa de que é arte!

Luiz Sayão - 16/12/2019 13h15

Vem chegando o Natal. Bilhões de pessoas no mundo todo vão celebrar a festa do nascimento de Jesus. É a celebração da Encarnação. Até mesmo os que não são cristãos se envolvem no ambiente de solidariedade, paz e harmonia, inspirado nas referências delineadas por Cristo Jesus na história da civilização.

Segundo a Bíblia, Jesus nasce como Rei. É o rei davídico, das profecias hebraicas que anunciavam a chegada do Reino de Deus na Terra. A ideia teológica era que o SENHOR é o Rei, mas esse seu reino não chegou ainda em plenitude. Ele é rei de direito, mas ainda, não é de fato, pois a criação ainda manifesta rebelião contra aquele que é o Senhor.

No contexto festivo da monarquia de Israel, a celebração deste reino divino era marcada pela chegada da Arca da Aliança que entrava em Jerusalém depois da vitória dada por Deus. Eles cantavam assim no Salmo 24 (7-10):

Abram-se, ó portais; abram-se, ó portas antigas, para que o Rei da glória entre.
Quem é o Rei da glória? O SENHOR forte e valente, o SENHOR valente nas guerras.
Abram-se, ó portais; abram-se, ó portas antigas, para que o Rei da glória entre.
Quem é esse Rei da glória? O SENHOR dos Exércitos; ele é o Rei da glória! Pausa

Depois de muitos séculos, o Rei manifesto, o Emanuel, o Deus conosco, veio nos trazer seu reino de salvação, paz e justiça. Por isso, celebramos a Encarnação. No entanto, desde os tempos antigos, o Rei é desafiado, conforme o Salmo 2 (1-6).

Por que se amotinam as nações e os povos tramam em vão?
Os reis da terra tomam posição e os governantes conspiram unidos contra o SENHOR e contra o seu ungido, e dizem:
“Façamos em pedaços as suas correntes, lancemos de nós as suas algemas!”
Do seu trono nos céus o SENHOR põe-se a rir e caçoa deles.
Em sua ira os repreende e em seu furor os aterroriza, dizendo:
“Eu mesmo estabeleci o meu rei em Sião, no meu santo monte”.

Diante dessa ousadia, o que se vê da parte do SENHOR? Ele se entrega ao humor! Ri e caçoa dos que tem coragem de enfrentar o Rei! Todavia, nem sempre a lição do Salmo 2 tem sido considerada. Recentemente, no contexto brasileiro um pretenso espetáculo “especial de Natal”, de um grupo de comediantes da chamada “Porta dos Fundos”, difundido pela multinacional de cinema norte-americana Netflix, resolveu estragar a celebração em homenagem ao Rei com uma comédia de mau gosto, extremamente ofensiva, marcada pelo deboche, cometendo inclusive a infração do artigo 208 do código penal que diz:

Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Surpreendentemente, não houve providências legais imediatas para conter a infâmia; todavia, uma movimentação espontânea de gente de todos os ramos da cristandade (católicos, protestantes tradicionais, evangélicos pentecostais e neopentecostais), espíritas e até muçulmanos expressaram seu repúdio e rejeição pela afronta descabida. Milhões se movimentam numa petição para retirar do ar o referido “especial de Natal” e muitos milhares têm desistido de manter sua condição de cliente da multinacional norte-americana, que deve perder parte de seus lucros. Vale uma manifestação poética:

Como o Porta dos Fundos prefere incomodar todo o mundo

com um proceder que pouco lhes importa

é hora de saber como é que a gente se comporta.

Quem do deboche se torna porta-bandeira

dará de cara na porta, por falta de boas maneiras.

Falando de Cristo, no tempo a gente se transporta

Para conhecer melhor aquele que diz: Eu sou a Porta.

Seu convite é o abandono da Porta larga.

É muito bom! Evita uma vida amarga.

Quem não entende, dará com o nariz na porta,

afinal, é a ele que cada um de nós se reporta.

É melhor passar pela porta estreita, no caminho em que a gente se ajeita.

Afinal, para quem bate, sua porta está aberta,

diz o porta-voz que nos deixa mui alerta.

Vamos abandonar as práticas tortas, pois ele avisa que o Rei já está às portas.

Como entender essa situação?

Em primeiro lugar fica claro que a atitude dos referidos comediantes tratou com desprezo, desrespeito e achincalhe, quebrando a lei, os milhões de pessoas que se identificam de alguma forma com a pessoa de Jesus Cristo. Talvez, eles não tenham noção de que Jesus não é “um cristão”. Cristo é a pessoa de maior impacto positivo na história humana! Além de amado e seguido por bilhões no planeta, Jesus é um profeta importante no Islamismo (por isso, muçulmanos protestaram em solidariedade com os cristãos), é importante para milhares de judeus (como rabino ou como Messias – judeus messiânicos). Sem falar no fato de que Jesus, sem considerar discussões teológicas específicas, é e foi inspiração de gente secular como Tolstói, Dostoiévski, Pascal, Newton, Kierkegaard, Einstein, Nelson Mandela, Martin Luther King. A pergunta é por que alguém iria achincalhar Jesus? Não faz sentido.

Em segundo lugar, a atitude foi no mínimo irresponsável. Meus queridos, o Natal já interrompeu guerras. No mundo difícil e complicado em que vivemos, raras são as oportunidades de semear paz, harmonia e solidariedade. Exatamente quando milhões de pessoas estão se mobilizando para aliviar a dor dos pobres e doentes do mundo, motivados e inspirados pelo nobre rabino da Galileia, surge esse desatino de mau gosto que deixa multidões perplexas e se perguntando: em que planeta vivem os que assim procedem? Será que a turma da “Porta dos Fundos” vive em outro mundo?

Imagine se resolvem queimar um Torá judaica, urinar nos livros de Alan Kardec, vomitar no Alcorão, para poderem se expressar?

É inacreditável que tenham feito isso justamente na ocasião da data. Foi uma afronta direta. E isso abre um caminho perigoso para uma multiplicação de atitudes semelhantes contra os mais diversos grupos da sociedade: muçulmanos, católicos, negros, judeus, índios, homossexuais, orientais, evangélicos, mulheres etc.

Imagine a loucura de alguém que na semana do dia das mães faz uma escultura identificando as mães do mundo com um vaso sanitário? E com a desculpa de que é arte! Ou se resolvem queimar um Torá judaica, urinar nos livros de Alan Kardec, vomitar no Alcorão, para poderem se expressar? Onde iremos parar?

O problema maior é que existem em nosso mundo pessoas desequilibradas, propensas à violência, que se identificam com diversos segmentos da sociedade (religiosos ou não) e que são capazes dos maiores desatinos. Imaginem se essas pessoas resolvem fazer loucuras desse tipo, inspiradas no que foi veiculado na Netflix!

O perigo de achincalhar publicamente qualquer grupo de maneira direta ou indireta é que se cria uma imagem perniciosa de um determinado segmento, o que pode se tornar caminho para a violência social da pior espécie. Foi assim no nazismo. Nos filmes da época, foi se criando a ideia do judeu como criatura perversa e asquerosa (comparados a ratos) que ameaçava a sociedade. Quando a loucura do holocausto aconteceu, as multidões já estavam doutrinadas pelo ódio. Muitos participaram dos horrores, outros, não fizeram nada. Aprendamos as lições da história.

Em terceiro lugar, talvez o mais doído, é a decorrência do desatino para os mais pobres, oprimidos e sofridos. O Natal é sonhado por eles. Muita gente do nosso universo secular hoje não entende isso. Para o público secular Jesus é uma ideia, um conceito abstrato, uma referência social ou antropológica! Mas, para milhões de pobres das periferias, crentes simples das Assembleias de Deus dos morros e das “quebradas”, Jesus é a sua vida. Eles falam com ele todos os dias em suas orações. Choram quando ouvem seu nome.

Foi esse Jesus que tirou o filho da faxineira do crime, que recuperou o filho da empregada que estava nas drogas; ele lhes salvou a vida. Debochar de Jesus é achincalhar a pessoa mais querida do coração deles. Para essa gente, vítima da ganância dos poderosos e do estado omisso e corrupto, Jesus é o caminho da superação na vida. É impensável esse tipo de afronta.

Para piorar, em quarto lugar, milhares de adolescentes nesse nosso mundo perdido, são constantemente bombardeados para seguir um caminho de destruição. Há várias fontes de inspiração: Hitler, Stálin, Bin Laden, ISIS, Beira-mar, Escobar. Quem poderá enfrentar com legitimidade essas sugestões? O único que supera a todos é Jesus de Nazaré. É fato. É a influência positiva transformadora mais valiosa que temos na história. Vilipendiar Jesus para esses adolescentes é fazer um desserviço sem igual.

Parece mais claro que o objetivo maior dos comediantes e da multinacional estrangeira é o lucro desmedido e fácil

Em quinto lugar é lamentável que “Porta dos Fundos” não exerça o papel saudável e adequado de crítica à religião. Não é o que fazem! Há escândalos de monges budistas na Ásia, de médiuns espíritas, de líderes evangélicos e de sacerdotes católicos no Brasil, de violência islâmica na África, de violência hinduísta na Índia.

“Porta dos Fundos” fechou a porta para tocar nestes assuntos. Isso traria dificuldades jurídicas, questões complexas com desdobramentos problemáticos que eles preferiram evitar. Gosto de ver algumas tiradas de Jonathan Nemer, que em bom tom, critica muito do que se vê no contexto religioso. Poderiam aprender com ele. Isso é mais do que necessário. Mas, que loucura! Em vez de fazerem isso, resolveram aviltar a bendita pessoa de Cristo Jesus. Como entender?

Somente eles podem responder pelo que fizeram. Mas, fica a suspeita de que a postura que adotaram reflete a confiança de que é fácil atacar quem lhes oferece pouca resistência. É triste considerar essa alternativa. No entanto, parece mais claro que o objetivo maior dos comediantes e da multinacional estrangeira é o lucro desmedido e fácil. É ganhar muito dinheiro!

Mas, não se pode fazer isso à custa da dor alheia, nem do vilipêndio. Aliás, é exatamente essa a postura dos líderes religiosos corrompidos, que desprezam o povo comum e, mexendo com suas emoções, enriquecem à custa deles. Parece que alguns fazem isso construindo um universo de alienação, já outros o executam através de uma desconstrução satírica. Os dois tipos de gente má trabalham na mesma direção.

Neste Natal, mais uma vez, o caminho não será por outra porta. Nem dos fundos, nem do lado. Que seja por meio daquele que é a porta da salvação, que nos conduz ao Pai celestial. Vale ressaltar quem é esse Jesus em palavras que marcaram a história:

Jesus é sem igual. Nasceu num pequeno vilarejo e era filho de uma camponesa. Cresceu em outro vilarejo onde trabalhou numa carpintaria até os 30 anos. por três anos, foi um pregador itinerante. Nunca escreveu um livro. Nunca ocupou posição. Nunca formou família nem teve uma casa. Não frequentou faculdade. Nunca conheceu uma cidade grande. Não se afastou 300km do lugar onde nasceu. Nada fez do que normalmente acompanha o poder. Não tinha credenciais, era simplesmente Jesus. Tinha apenas 33 anos quando toda a opinião pública se voltou contra ele. Seus amigos fugiram, e um deles chegou a negá-lo. Foi entregue a seus inimigos e passou por escárnio em seu julgamento. Foi crucificado entre dois ladrões. Quando estava morrendo, seus executores disputavam suas roupas, suas únicas posses neste mundo. E, quando morreu, foi sepultado em um túmulo emprestado por um amigo bondoso. Vinte séculos se passaram, e hoje ele é a figura central da raça humana. Todos os exércitos que já marcharam, todas as frotas navais que já navegaram, todos os parlamentos que já existiram e todos os reis que já reinaram, juntos, não influenciaram o ser humano como essa vida solitária. James Allan Francis (atribuído)

“Nenhum sistema ético ou religioso, por mais amplo e puro que seja, poderia igualar a eficiência do que esta grande personalidade fez, ficando, como nenhum outro, a meio caminho entre o céu e a terra, igualmente perto de Deus e do homem … Yeshua (Jesus), o auxiliar do pobre, o amigo do pecador, o irmão companheiro de cada sofredor, o consolador de todos os sobrecarregados pela tristeza, o curador do doente, o levantador do caído, o amante do homem, o redentor da mulher, ganhou o coração da humanidade pela tempestade. Yeshua, o mais manso dos homens, o mais desprezado dos judeus, montou no trono do mundo para ser o Grande Rei da Terra.”

Rabbi Kaufmann Kohler PhD (1843-1926).

Sinceramente, não fiquei ofendido nem ressentido com o que fizeram. Confesso que fiquei chocado, mas, principalmente temeroso dos desdobramentos perigosos do desatino impensado. Aos responsáveis pelo triste “Especial de Natal”, fica a minha oração em seu favor, entendendo que eles “não sabem o que fazem”; peço a Deus que o encanto único do rabino da Galileia um dia venha sossegar os desencontros do coração deles. Afinal, ele é a Porta!

Luiz Sayão é professor em seminários no Brasil e nos Estados Unidos, escritor, linguista e mestre em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica pela Universidade de São Paulo (USP).
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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