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Pão: um memorial

Antes das descobertas feitas pela literatura e da confirmação pela neurociência, Jesus já havia antecipado que o pão poderia manter viva a lembrança de seu sacrifício na cruz,

Juliana Dias - 23/11/2018 08h00

O pão foi eleito como um dos símbolos do Cristianismo. Jesus se despediu dos doze discípulos com uma refeição à mesa. No livro Banquete, o historiador inglês Roy Strong explica que “a Bíblia oferece uma grande quantidade de exemplos, das bodas de Caná ao milagre dos peixes, em que comer em conjunto constitui uma profunda expressão de amor, comunhão e companheirismo”.

Neste encontro, Jesus instituiu a comida como ativador da memória. Ao tomar o pão, agradeceu a Deus, partiu e serviu com a seguinte recomendação: “isto é o meu corpo oferecido em favor de vós; fazei isto em memória de mim” (Lucas 22:29). De igual forma, consagrou o vinho como o seu sangue para compor a refeição memorial por gerações até os dias de hoje.

Durante a ceia, ele compara o seu corpo com o pão, ou seja, demonstra que a alimentação tem a função simbólica de representar quem somos, nossa identidade e o sentido de nós mesmos. Em outras ocasiões, Cristo se apresentou como “pão da vida”, “fonte de água viva” e “videira”.

O pão simboliza paz e prosperidade para muitas culturas. O filósofo francês Michael de Certeau afirma que este alimento suscita o respeito mais arcaico. É quase sagrado. Jogá-lo ao chão, ou pisá-lo, é visto como um sacrilégio e desperta indignação. Nas palavras do pensador, “o pão é um memorial”.

No início do século XIX, mais precisamente em 1908, o escritor francês Marcel Proust apresentou a memória como base para a literatura. O autor de “Em busca do tempo perdido” concluiu que o olfato e o paladar têm o poder de convocar o passado. Ao provar uma madeleine (bolinho de limão em formato de concha) molhado em um chá de tília, Proust relata que foi invadido por um prazer delicioso e, por isso, cessava de sentir-se “medíocre, contingente e mortal”. Com esta cena, recordou de uma parte de sua infância perdida nas lembranças e recobrou o ânimo, abalado por sua saúde frágil.

A neurociência explica que o olfato e o paladar são sentidos exclusivamente sentimentais. Eles se conectam ao hipocampo, o centro da memória de longo prazo do cérebro. As suas marcas em nossas recordações são indeléveis. O jornalista norte-americano Jonah Lehrer, autor do livro “Proust foi um neurocientista”, explica que todos os outros sentidos (a visão, o tato e a audição) são primeiro processados pelo tálamo, a fonte da linguagem e porta de entrada para a consciência. É por isso que são bem menos eficientes em trazer à tona o passado quanto um cheiro ou uma refeição.

Bem antes das descobertas feitas pela literatura e da confirmação pela neurociência, Jesus já havia antecipado que o pão poderia manter viva a lembrança de seu sacrifício na cruz, gerações após gerações. A maior mensagem de amor que o mundo já viu pode ser relembrada numa refeição. Corpo e sangue são comida e bebida e podem, juntos, trazer de volta à vida.

Para exercitar nossa memória, compartilho a receita de um pão integral, de fácil preparo. A escritora Rose Elliot, informa que essa receita é a ideal para quem nunca fez pão. Não precisa de sova e rápido de fazer como um bolo simples. A textura é um pouco diferente do pão tradicional, um pouco mais úmida. Isso significa que o pão fica bom por mais tempo e o sabor é muito gostoso. Você precisa usar farinha de trigo 100% integral para que esta receita funcione.

RECEITA

Pão rápido e fácil (rende dois pães de 450g ou um de 900g)

Ingredientes:

Manteiga para untar uma fôrma de bolo inglês grande (900g) ou duas pequenas (450g)

  • 500g de farinha de trigo integral
  • 1 ½ colher (chá) de açúcar
  • 1 ½ colher (chá) de sal
  • 10g de fermento biológico seco instantâneo
  • 425 ml de água morna, na temperatura do corpo
  • Farelo de trigo ou gergelim para decorar

Modo de preparo:

  • Untar a forma ou as formas.
  • Em um recipiente, junte a farinha, o açúcar, o sal e o fermento seco instantâneo. Despeje a água e misture bem até obter uma massa homogênea, mas ainda pouco grudenta. Ela não ficará firme o suficiente para sovar.
  • Coloque a mistura na fôrma. Deve preencher até a metade. Espalhe um pouco de farelo de trigo ou gergelim por cima da massa. Pressione de leve com as costas de uma colher.
  • Cubra com filme plástico e deixe crescer por, aproximadamente, 30 minutos em temperatura ambiente. A massa atinge 1cm abaixo da borda da fôrma.
  • Pré-aqueça o forno a 200ºC e deixe o pão descansar por mais 15 minutos. Asse por 30 minutos para dois pães ou por 40 se for uma pão grande. Desenforme e deixe esfriar.

Coma lentamente, saboreie com reflexão!

Referências:

  • Banquete: uma história ilustrada da culinária, dos costumes e da fartura à mesa, de Roy Strong. Ed. Zahar, 2004.
    A invenção do cotidiano. Vol. 2. Morar, cozinhar, de Michael de Certeau, Luce Giard e Pierre Mayol. Ed. Vozes, 2011.
  • Proust foi um neurocientista. Como a arte antecipa a ciência, de Jonah Lehrer. Ed. Beste Seller, 2009.
  • A cozinha vegetariana para Todos, de Rose Ellitot. Ed. Zahar, 2012.
  • Bíblia, Novo testamento, livro de Lucas, capítulo 22.
Juliana Dias é jornalista e pesquisadora na área de alimentação, comunicação e cultura. Possui doutorado em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia (HCTE/UFRJ) e mestrado em Educação em Ciências e Saúde (Nutes/UFRJ). Coordena os cursos de pós-graduação e extensão em Jornalismo Gastronômico na Facha, integra a Comissão de Gastronomia do Estado do Rio de Janeiro .
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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