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Relação contratual: Igreja versus Pastor

É certo que a contratação do ministro religioso não se dá nos termos da CLT

Jonatas Nascimento - 18/11/2019 16h11

 

 

Hoje estou respondendo a mais uma pergunta que me fazem, desta vez a de número sequencial 11, que é a seguinte: Ministro religioso é regido pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)? Possui direitos trabalhistas? Deve a organização religiosa assinar a sua carteira?

Se há um assunto que necessita ser tratado com a máxima seriedade em ambiente eclesiástico, este é o que diz respeito à contratação do pastor e demais ministros religiosos pelas igrejas. Quase sempre as bases da contratação deixam a desejar e muitas vezes não são sequer formalizadas nem tampouco registradas em atas.

É certo que a contratação do ministro religioso não se dá nos termos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), mas já se tornou cultura a igreja conceder ao seu ministro religioso direitos análogos aos dos trabalhadores celetistas, por mera liberalidade, visto que não existe previsão legal. Quando eu digo que não se dá nos termos da CLT, refiro-me específica e elementarmente ao artigo 3º daquele diploma legal, que assim preceitua: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

Em linguagem simples e amistosa, merecem comentários os seguintes pontos desse artigo, os quais jogam por terra a teoria de que o ministro religioso deve ser contratado pelo regime da CLT, como empregado:

  1. a) Prestação pessoal de serviços: Eventualmente, sem qualquer prejuízo para as partes, o ministro religioso pode solicitar o auxílio de outrem para substituí-lo em seu ofício, como por exemplo na realização de batismos, pregação, celebração da ceia do Senhor, visitações, aconselhamentos etc.
  2. b) Prestação de serviços sob dependência: Aqui o legislador está se referindo à relação do empregador com o empregado. A CLT dispõe dos direitos e das obrigações de um e de outro. As perguntas que se deve fazer são as seguintes: Em ambiente eclesiástico, quem será o “patrão” do pastor? Quem será o responsável por sua assiduidade, suas faltas e atrasos, sua disciplina, advertência, suspensão e até demissão com ou sem justa causa? Seria natural a igreja exigir do seu pastor o cumprimento de metas? O fator contraprestação seria aplicável? Como ficaria a questão do descanso semanal remunerado, considerando que a legislação trabalhista garante pelo menos uma folga mensal em dia do domingo para homens e duas se mulher? Quem controlaria o cumprimento da jornada de trabalho (8 horas diárias, 44 horas semanais e 220 horas mensais)?
  3. c) Prestação de serviços mediante salário: Até as pedras deveriam saber que o ministro de confissão religiosa não recebe salário. Há nomenclaturas apropriadas e aceitas pelas Normas Brasileiras de Contabilidade, tais como “sustento ministerial”, “proventos ministeriais”, “prebenda” (latim: praebenda), “côngruas” (pensão), “renda eclesiástica”, “múnus eclesiástico” e até “óbolo” (pequena oferta).

Quem recebe salário é assalariado, regido pela CLT ou por estatutos, da mesma forma que militar recebe soldo, profissionais liberais recebem honorários e empresários recebem “pró-labore”.

Nos últimos tempos têm surgido sugestões alternativas de vínculo dos ministros religiosos com as igrejas que os contratam e neste artigo pretendo lançar luz sobre esse tema controverso, mas que quero fazê-lo com verdade, ética, respeito e transparência aquilo que tem sido fruto das minhas reflexões à luz da lei civil, mas principalmente à luz da lei moral.

Feito este pano de fundo, vamos ao ponto: Tem chegado ao meu conhecimento que alguns pastores estão sendo orientados a criar empresas (EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada; MEI – Microempresário Individual) para mediante emissão de nota fiscal de serviços, receberem da igreja os seus proventos. Com isso, surge a dúvida: Isto é legal?

Antes de emitir a minha opinião, e supondo que os ministros religiosos que assim procedem o fazem por orientação de algum profissional, eu gostaria de saber o real sentido disso. Se for por reflexão à luz do Direito, da ética e da moral, sem o vírus da maldade, tudo bem; mas se for para ludibriar o fisco, aqui registro o meu repúdio.

Penso que o pastor de igreja local que for orientado a usar de tal artifício para receber os seus proventos mediante emissão de nota fiscal de serviços prestados estará cometendo um equívoco, do ponto de vista fiscal e moral. Fica fácil provar à luz de um simples estudo tributário que não é vantajoso organizar uma empresa para receber proventos pastorais. Sem falar da ausência dessa categoria no rol das atividades permitidas pela legislação pertinente ao MEI.

O fato de o IBGE fazer constar em sua Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) a atividade de pastor, não significa que possa ser aplicado às igrejas locais aleatoriamente. Afinal de contas, pastor atua em outros ambientes que não templos de qualquer culto. O código 2631 refere-se a “Ministros de Culto” e em seu detalhamento há até uma classificação separada para pastores, missionários e teólogos. Um homem de Deus jamais pode ser equiparado à categoria de micro, pequeno, médio ou megaempresário.

Já ouvi argumento favorável à pejotização de pastores para facilitar a contratação de planos de saúde, já que as operadoras não reconhecem a relação da igreja com os pastores para que eles sejam incluídos em um plano corporativo a um custo menor. Não havendo vínculo contratual de trabalho do pastor com a igreja através da CLT, a igreja que quiser conceder esse benefício ao seu pastor, o faz em nome da pessoa física e paga por isso um valor consideravelmente maior. Mas isso é outra história.

Por oportuno, observe-se que a legislação previdenciária não deixa dúvidas quanto ao tratamento que deve ser dado ao ministro religioso. Ele é contribuinte obrigatório da Previdência Social, sendo equiparado a autônomo. E mais: a legislação previdenciária é tão benéfica que faculta ao ministro religioso efetuar a sua contribuição mensal de acordo com o valor por ele declarado, respeitados o piso e o teto, e não o percentual de 20% sobre os seus ganhos, como é o caso aplicado aos demais trabalhadores autônomos.

Paralelamente a esta questão vemos muitas informações e desinformações sobre a natureza dos proventos recebidos pelo ministro religioso. Há quem defenda a isenção do imposto de renda sobre os ganhos do ministro religioso, o que é um erro. O Regulamento do Imposto de Renda prevê que a “imunidade, isenção ou não incidência concedida às pessoas jurídicas não aproveita aos que dela percebam rendimentos sob qualquer título e forma”. Os rendimentos percebidos pelos pastores devem ser oferecidos à tributação normalmente, devendo-se aplicar a tabela progressiva mensal e às demais regras de retenção e deduções da base de cálculo para o imposto de renda.

 

Jonatas Nascimento é empresário do ramo contábil na região metropolitana do Rio de Janeiro, graduado em Letras e Direito. Especialista em contabilidade eclesiástica, é autor do livro Cartilha da Igreja Legal.

 

* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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