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Projeto de lei “Neymar da Penha” brinca com tragédias pessoais inomináveis

A falta de seriedade dos deputados é eloquente

Helder Caldeira - 07/06/2019 15h48

Neymar Foto: EFE/Joédson Alves

Foi preciso uma celebridade se envolver em rumoroso caso de denúncia de violência sexual contra uma modelo para que parlamentares brasileiros reagissem, de olho, principalmente, na repercussão internacional do escândalo. Quatro deputados federais apresentaram Projetos de Lei semelhantes para aumentar as penas nos crimes de calunia e denunciação caluniosa, esta última agravada quando a imputação de falsaconduta for contra a dignidade sexual. Seus autores são: Carlos Jordy (PSL-SP), Enéias Reis (PSL-MG), Cabo Junio Amaral (PSL-MG) e Celso Sabino (PSDB-PA).

Como crianças brincando num jardim de infância, apelidaram o projeto de lei de “Neymar da Penha”, fazendo indecorosa referência à Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), um marco jurídico brasileiro que criou mecanismos severos para coibir e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, desde então, é considerada pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres.

A falta de seriedade dos deputados é eloquente, fazendo graça com tragédias pessoais inomináveis.

Para refrescar a memória dos leitores, cumpre destacar que Maria da Penha Maia Fernandes é uma farmacêutica e bioquímica cearense que travou uma batalha pública pela condenação de seu marido após sofrer duas tentativas de assassinato em 1983: ele tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho e, algum tempo depois, desferiu dois tiros em simulação de assalto. As agressões deixaram Maria da Penha paraplégica. A condenação só veio em 2002, dezenove anos depois dos fatos, e o criminoso passou apenas dois anos preso. O caso foi parar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, recebendo atenção planetária. Só então, como de costume, os parlamentares brasileiros reagiram e, em 2006, aprovaram a lei batizada com o nome da protagonista, sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Por óbvio, de lá pra cá, a lei também criou distorções e o Poder Judiciário deparou-se com um número cada vez maior de maridos que são vítimas de denunciação caluniosa por parte de suas esposas. A isso, soma-se o fato de que a era das redes sociais amplificou a característica sensacionalista dos antigos tabloides, usando rumores e denúncias para destruir reputações antes das convicções jurisdicionais. Como tudo na vida, há o lado bom e o lado ruim nesse procedimento intempestivo: assim como evidencia e problematiza dramas domésticos, outrora silenciosos, expondo agressores violentos na praça pública da internet, também tem a capacidade de destruir a honra e a dignidade de homens que, ao final do processo judicial, são considerados inocentes das acusações e vítimas de calúnia.

Não se enganem: esses dois lados da moeda acontecem todos os dias. Entretanto, comparar o caso Maria da Penha com o escândalo envolvendo um playboy do futebol é acintoso.

Para além de ser um caso sobre o qual não dispomos de todas as informações reais (tudo que se sabe até o momento é aquilo que os advogados das partes querem que saibamos, em conhecida tática de controle da opinião pública), o próprio pai do jogador já recusou a gaiatice dos deputados brasileiros em publicação no Instagram na manhã desta sexta-feira (7): “Ver uma lei ser feita em nome do meu filho, por conta desse lamentável episódio, não me deixa nada feliz. […] As mulheres conseguiram prosperar muito até agora e consideramos a defesa dos direitos das mulheres e as leis que as protegem como fundamentais, a exemplo da Lei Maria da Penha. Assim como também entendemos como importantes as leis que protegem as pessoas de acusações indevidas. Mas, isso não pode ser confundido com o caso do meu filho”, escreveu Neymar da Silva Santos, pai do atacante Neymar Jr.

Digo sempre e repito: não é porque ululam vergonhas pelas ruas que precisamos passar por todas.

Helder Caldeira é escritor, colunista político e palestrante. Há duas décadas atua e escreve sobre a Política brasileira. É autor dos livros ‘Águas Turvas’, ‘Bravatas, gravatas e mamatas’, ‘Pareidolia política’, entre outros. Contato: eventos@heldercaldeira.com.br
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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