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Homeschooling – um desafio para educandos e familiares

Que urgência se tem para a aplicabilidade do ensino domiciliar, se sequer há regulamentação jurídica para tratar do tema?

Cristiane Frazão - 08/02/2019 11h51


Antes de adentrar no contexto temático homeschooling, cabe esclarecer o significado de MP (Medida Provisória). A MP é um instrumento com força de lei, apresentada pelo presidente da República em casos de relevância e urgência, sendo submetida de imediato ao Congresso Nacional para aprovação em ambas as Casas, conforme previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) no Artigo 62.

Prosseguindo pelo lacônico texto normativo constitucional, é dever do Estado e da família cuidar da educação das crianças de forma solidária. Percebam o trinômio Estado-família-educação, sem esquecer que os princípios, preceitos e regras norteadores da educação como núcleo mínimo curricular e convivência familiar tratada na coluna da semana passada, estão inseridos no CRFB/88. Consolidando as bases legais, no Brasil os pais ou responsáveis que deixam de matricular seus filhos em escolas, sejam públicas ou privadas, definidas pelo Ministério da Educação, estão incorrendo crime, já que toda criança tem direito à educação. A obrigatoriedade também é vista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; no Art. 1634 do Código Civil Brasileiro e, por fim, no artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

É importante apresentar o conceito de educação. O radical da palavra ‘educação’ é docere, de educare, que é ‘doce’ que também significa conduzir. Está presente em vocábulos como ‘viaduto’, ‘oleoduto’, ‘gasoduto’. Educação é o que conduz cada indivíduo, desde criança, a tornar-se humano, formar-se humano, ser humano (CORTELLA, 2015, p. 17).

Trazendo um pouco da história a esta interessante análise, e buscando ampliar o conhecimento sobre o tema, vale destacar que o desenvolvimento humano da escrita no período pré-histórico se iniciou com desenhos de seres humanos e animais em paredes de cavernas e rochas até chegarem ao alfabeto fonético. Estes desenhos deram origem ao alfabeto utilizado hoje. Naquela época os jovens aprendiam por meio de imitações, sendo a família o centro da educação das crianças e único meio de transmissão de conhecimento aos descendentes. Uma espécie de homeschooling.

Com a Idade Antiga, por volta de 4.000 a.C, surge a escrita e, com o desenvolvimento das civilizações e transformações, foram surgindo as sociedades atuais, com métodos educacionais semelhantes ao que existe hoje, com sua forma regida por lei. É importante destacar que, muito embora a educação tenha se iniciado entre os familiares, as gerações se desenvolveram dando lugar à necessidade de socialização, convivência comunitária e inserção do menor nas escolas.

O objetivo de trazer os pontos dos parágrafos iniciais é aclarar às famílias brasileiras que o homeschooling não é um tema de urgência e relevância. Logo, não deveria ser discutido por MP. A criação de um novo método de ensino, neste caso o domiciliar, não pode ser apreciada de qualquer maneira, nem criar leis da noite para o dia, conforme dito popular. Que urgência se tem para a aplicabilidade do ensino domiciliar, se sequer há regulamentação jurídica para tratar do tema? É temerária a pressa do Governo Federal. Se por ventura o texto for aprovado de forma repentina, fragilizará a existência dos métodos de ensino aplicados atualmente, que é regido por leis. Sem dizer que o tema em tela afeta, além do âmbito educacional e familiar, o social, econômico, trabalhista, cível e psicológico, que poderá ser tratado em outra ocasião e com mais robustez.

As demandas que realmente urgem por relevância e urgência e que deveriam estar efetivamente em pauta de discussão pelo governo são: necessidade de reestruturação das redes de ensino existentes, incentivando educandos à inserção nas escolas; fornecimento de meios e condições de trabalho aos professores das redes públicas e privadas; aperfeiçoamento de controles, fiscalizações das unidades escolares, com avaliações pedagógicas; socialização e convivência comunitária, a fim de que se evite a evasão escolar que mostra-se clara na classe de estudantes entre 15 e 17 anos.

Em países desenvolvidos como França, Estados Unidos e Austrália, o ensino domiciliar funciona bem, sob regras legais, fiscalização e avaliação anual daqueles alunos. No entanto, os alunos são motivados a estar em convivência comunitária, como prática da educação domiciliar, frequentando por exemplo: hortas, ambientes de culinária e viagens e grupos de educandos que vivem sob o mesmo método de ensino. Logo, há a participação comunitária, social e política.

Sob a visão religiosa, pais que precisam se dedicar à missão religiosa fora do país de origem, utilizam a pratica da educação domiciliar para com seus filhos. Conforme cânones, é necessário que um dos pais seja professor e este ensine seu filho durante aquele tempo dedicado à missão, já que nem sempre terá uma escola que receba o menor e o ensine utilizando a grade curricular do país de origem. Ao pai ou mãe professora caberá o ensino das matérias básicas e a inserção do menor no desenvolvimento e competência da língua estrangeira.

No Brasil, como exposto, o método de ensino domiciliar é considerado crime e o entendimento do STF é pela não aplicabilidade, por não haver regulamentação jurídica que trate do tema. Além disso, o Brasil é um país que precisa receber inúmeras transformações político-socioeconômicas. Sem amparo legal e preparação dos pais para o novo método, os possíveis educandos se perderão ou jamais se acharão. A educação visa à construção da cidadania e da convivência pública, e não um retrocesso.

As escolas, sejam elas privadas ou públicas, visam, além do ensino, a socialização da criança, o amparo àqueles que chegam com problemas familiares e, como uma amiga professora municipal atentou: “Quando a família insere a criança na escola, os pais ou responsáveis estão inserindo o menor ao seu segundo grupo social e a criança consegue lidar com questões como socialização, divisão, regras e direito do outro, que na maioria das vezes os pais não darão conta de explicitar por serem impacientes, dispersos ou assoberbados com trabalho”.

Cabe ressaltar ainda os índices de analfabetismo, tanto nas grandes metrópoles quanto nas áreas rurais do Brasil. Como serão ensinadas as pessoas que convivem apenas com analfabetos? Haverá voluntários para apoiar aquela criança? E se forem alfabetizadas em casa pelos pais? Terão acesso à certificação? Sem esquecer, inclusive, daqueles que foram alfabetizados nas zonas rurais, em casa, e que não tiveram acesso à certificação até hoje. Como comprovar que o ensino foi satisfatório, se não existem meios para confirmar a alfabetização correta? A cada linha surgem mais questionamentos que deverão ser considerados.

Com a correria do dia-a-dia, em função do trabalho, pais não têm tempo para seus filhos. Será que terão flexibilidade de horários e se responsabilizarão por cumprir um tempo para se dedicar ao ensino do menor? E, havendo a confusão do papel pai-professor ou mãe-professora, terão estes psicologia para tratar do assunto? Serão fiscalizados pelo Governo? Por fim, há pais que pretendem criar os filhos em “bolhas” e, por isso, consideram o método vantajoso. Estes pais entendem que este método de ensino favorecerá o crescimento humano de seus filhos e o fortalecimento da estrutura familiar. Acreditam que as escolas controlam os menores, privando-os de liberdade e afirmam que, com o homeschooling, estarão afastando os menores do bullying e permitindo que tenham maior autoconfiança. Esses pais não devem se esquecer, porém, que uma visão engessada traz riscos de fragmentação social, de intolerância da criança em se relacionar com outras pessoas e bloqueios de desenvolvimento, já que o ambiente de convívio educacional-pedagógico é apenas o elo familiar.

Por fim, conforme discurso de um amigo, professor, historiador e advogado: “Homeschooling no Brasil é para pais que estão na idade da pedra, mas não há, atualmente, vaga em cavernas para seus filhos estudarem”.

Cristiane Frazão é advogada especialista em Direito de Família, Trabalho e Canônico e sócia da BWF Advocacia e Consultoria Jurídica.
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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