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O Tribunal Superior Eleitoral vetou a candidatura de Lula, mas manteve Haddad como vice de uma chapa sem titular

André Mello - 03/09/2018 10h49

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fez parte do que se esperava: barrou a candidatura de Lula, com base na Lei da Ficha Limpa. Contrariando seus hábitos, numa sexta-feira, antes do fim da campanha. Porém, além de abrir brechas para um possível recurso, criou um Frankestein – manteve Haddad como vice, em uma chapa que não tem mais titular. Ficou confuso? Leia para entender.

Fernando Haddad e Lula Foto: Ricardo Stuckert / PT

AFINAL
Em 9 de junho de 2017 (quase três anos após a eleição) o Tribunal Superior Eleitoral julgou o pedido de cassação da chapa Dilma-Temer (PT/PMDB-2014). Por 4 votos a 3, o plenário do TSE negou o pedido de cassação. Sim, 4 a 3. Depois de tudo o que vimos e ouvimos. Julgando antes, nem haveria impeachment em 2016. E já teríamos novo governo. Por isso, é notável que, afinal, o TSE tenha sido rápido, ao menos dessa vez.

Contrariando os costumes de Brasília, o Tribunal reuniu-se em plena sexta-feira (e levou dez horas para julgar a impugnação de Lula). Nem podemos reclamar muito, AFINAL, o caso poderia ter sido julgado após as eleições. Como aconteceu várias vezes – algumas, inclusive, lembradas pela defesa do PT.

SEIS A UM
O ministro Edson Fachin, atual relator das ações da Lava Jato no STF, seguiu a sua trajetória política, tornando-se o único a dizer que o Brasil deveria seguir a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU a favor dos direitos políticos de Lula.

Fachin, gaúcho, indicado por Dilma Rousseff, notabilizou-se pela “repersonalização” do Direito brasileiro – uma tese complexa, que pode ser resumida em uma crítica do direito tradicional. Atuando na Universidade Federal do Paraná, na procuradoria do estado e na procuradoria do INCRA, chegou a defender, no passado, a execução pelo poder público, da norma constitucional que prevê a desapropriação, para fins de reforma agrária, de imóveis rurais que descumpram a função social da propriedade. Logo, seu voto “esquerdista” não foi surpresa.

Mas, curiosamente, foi um outro indicado de Dilma, Luis Roberto Barroso, um dos criadores do programa de pós-graduação em Direito Público da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que sepultou tanto a tese do Comitê dos Direitos Humanos da ONU, quanto a validação da candidatura de Lula.

DE HERÓI A VILÃO
A relatoria de Barroso, no julgamento da chapa Lula-Haddad, chegou a ser comemorada por alguns militantes de esquerda, que guardavam memórias heroicas do “companheiro Barroso”. No passado, como advogado, Barroso defendeu as pesquisas com células-tronco embrionárias, a equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis tradicionais, a interrupção da gestação de fetos anencefálicos e, sintomaticamente, foi advogado do militante da esquerda Cesare Battisti, condenado por assassinato e terrorismo na Itália, num caso de grande projeção internacional – que culminou com a decisão de Lula na não extradição do italiano. Por ironia, foi justamente da mesa do ex-advogado de Battisti que veio a condenação: Lula não só estava inelegível, como o PT estava proibido de vincular sua figura na propaganda política, ou atos de campanha. Chegou-se a discutir a suspensão da figura de Lula até na Internet. Ficaria preso, inelegível e invisível.

Na prática, durante a propaganda eleitoral, o tempo do partido ficaria com uma tela azul, e o PT ficaria silenciado por até 12 dias, sofrendo novo julgamento para referendar a substituição de Lula por outro nome.

VINGANÇA
No voto de Barroso, em mais uma ironia do destino, o ministro lembrou que o comitê, formado por peritos renomados recrutados pela ONU, não estava totalmente integrado ao sistema legal brasileiro porque faltava, para tal, um decreto presidencial que jamais foi feito e está pendente desde 2009 (quando Lula estava na presidência que passaria, depois, a Dilma Rousseff).

Nos bastidores, o rosto da vingança dos juristas preteridos por Lula em uma indicação internacional acabou se tornando uma defesa técnica para que o Brasil não fosse obrigado a acolher uma decisão jurídica internacional.

Explicando para os leigos: é como se não houvesse um embaixador para fazer cumprir as relações internacionais de um tratado já assinado pelo país com outra nação.

CINCO A DOIS
Por volta de uma hora da madrugada, nos últimos minutos de um julgamento de dez horas, a Ministra Rosa Weber, gaúcha, indicada por Dilma Rousseff votou com Fachin e contra o relator – criando uma contradição jurídica, Lula estaria impugnado, conforme decidiu a maioria (por 6 a 1), mas não teria sua figura e direitos políticos cassados (como sugeria o voto do relator). Diante do prejuízo, e contra as alegações do Partido Novo, o PT buscou associar a “morte política” de Lula ao caso de Eduardo Campos (realmente falecido, na campanha de 2014). Na época, o TSE permitiu ao PSB fazer uso do programa mostrando a vice-candidata, Marina Silva, e fazendo homenagens emotivas ao ex-governador falecido em acidente aéreo, em plena campanha.

VAR JURÍDICO
O tribunal fez uma pequena pausa (para que os ministros julgassem a alegação do advogado do PT) e retornou acolhendo o pleito do PT. Como na Copa do Mundo de 2018, na Rússia, o momento lembrava o VAR, quando a decisão do juiz ficava em suspenso, até que as câmeras fossem examinadas.

O intervalo, contudo, foi rápido. Em minutos o TSE voltou e decidiu que o PT poderá continuar a campanha e que poderá também continuar defendendo o voto em uma chapa na qual só existe o Vice-candidato. Difícil de explicar e mais ainda de entender.

PLANO B
Nesse julgamento, ficou bem claro que o PT já tinha um plano B, antes da sentença. Afinal, sem nenhuma surpresa, o advogado do partido, Luiz Fernando Pereira, declarou ao TSE que a legenda já tinha preparado um material sem Lula, apenas com o vice Fernando Haddad, que gostaria de enviar às TVs.

Traduzindo: o partido já tinha gravado e editado o material de propaganda, sem Lula. Ou seja, os petistas ofereceram ainda mais munição àqueles que perguntam: se já prepararam o campo para o reserva, porque continuar jogando com um atleta irregular? Será que esse time quer realmente ganhar o campeonato?

MAIS CONFUSÃO
Fala-se bastante das reformas que o Brasil precisa. Porém, todo o enredo da campanha presidencial em 2018, demonstrou que o país precisa – para ontem – de uma reforma jurídica. O caso Lula serviu para exemplificar a insegurança jurídica nacional. Não é só na justiça eleitoral, mas em várias áreas falta segurança e lógica nas diversas instâncias do judiciário. E tudo decorre da ausência de regras claras, com advogados caminhando em um matagal de situações confusas e precedentes que permitem (a qualquer tempo) um novo embaralhar de cartas.

Nesse momento, por exemplo, o PT pode continuar fazendo campanha sem candidato; pode, ao mesmo tempo em que mantém a campanha, recorrer ao TSE, ou apresentar recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Finalmente, poderá questionar todo o processo eleitoral. Mais do que nunca, precisamos de leis claras, necessitamos, urgentemente, de um ordenamento jurídico que até mesmo uma criança possa compreender. Seguir a Lei e a Justiça não deveria ser complicado. A menos que queiramos permanecer em eterna confusão.

André Mello é jornalista, tradutor, teólogo e cientista da religião.
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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