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Quem tem foro especial, tem culpa?

A derrubada do foro privilegiado foi por unanimidade. Onze a zero. Agora os parlamentares responderão pelos seus crimes?

André Mello - 07/05/2018 11h12

Plenário do STF Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

UNS MAIS IGUAIS QUE OS OUTROS
Teoricamente, todos são iguais diante da lei. Na prática, a capacidade de contratar bons advogados faz muita diferença. Também faz diferença se a pessoa tem a opinião pública contra ou a favor. Mas, para 60 mil brasileiros, além de advogado, há outra vantagem. Seus crimes não podem ser julgados por qualquer juiz. Precisam ser remetidos ao Supremo Tribunal Federal.

UM PRIVILÉGIO REAL
A Constituição de 1824, outorgada por Pedro I, após dissolver a constituinte que pretendia limitar os poderes reais, criou o Foro Especial; ou seja, o foro privilegiado. Em resumo, crimes cometidos por membros da família imperial, ministros e conselheiros de Estado e parlamentares só poderiam ser julgados (quando o fossem) exclusivamente pelo Senado.

A primeira Constituição da República, de 1891, ampliou o privilégio especial para o presidente, ministros do Supremo e juízes federais.

Os parlamentares entraram na Constituição de 1967, com o objetivo claro que proteger alguns de qualquer tipo de perseguição política.

Em 1988, os constituintes, depois de debaterem a extinção do privilégio, chegaram à conclusão de que mais gente deveria entrar na festa. Então, a constituição de 1988 incluiu governadores, prefeitos, desembargadores e membros do Ministério Público.

OS BEBÊS IMPUNES
No mundo inteiro, o avanço das repúblicas contribuiu para a extinção do foro privilegiado e para o fim dos tratamentos especiais que garantiam imunidades e impunidades. Somente onde ainda existem monarquias é que as pessoas chamam os filhos dos príncipes de “bebês reais”.

No mundo democrático republicano, ninguém nasce imune às leis e permanece impune. O Brasil é um ponto fora da curva. A cada mudança de regime, ampliou-se o tamanho e o tipo de privilégio.

CINQUENTA E CINCO MIL PRIVILEGIADOS
A votação do STF excluiu os parlamentares; deputados e senadores; no exercício de seu mandato, mas não mexeu no foro especial para juízes, membros do Ministério Público, presidentes da república e governadores. Na prática, contudo, a decisão não tem efeito imediato e cada juiz do supremo vai decidir caso a caso. Em tese, deputados e senadores poderão ter seus processos remetidos aos juízes de primeira instância, se os crimes não tiverem “relação com o mandato”.

O perigo mora aí: cada um vai ter que decidir aquilo que tem ou não relação com o mandato. Aécio e Lula, por exemplo, sempre alegaram isso em sua defesa. O Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, onde começou a tramitar uma proposta de revisão do foro, listou quase 55 mil pessoas com foro privilegiado: 38,4 mil garantidas pela Constituição Federal, 15,5 mil por Constituições Estaduais.

MUDAR PARA NÃO MEXER
No final, se tudo continuar como está agora, podemos continuar a sentir que os privilegiados têm mais direitos do que 139.945.000 brasileiros. O STF pode ter aprovado mais uma daquelas medidas que, no Brasil, são um jogo para a plateia. Como a extinção do tráfico negreiro, que proibia a importação de escravos, mas não mexia na escravidão.

O sentimento geral, que não costuma ser levado em conta, é que o foro privilegiado tem que acabar. Atualmente, incentiva alguns a continuar na política para salvar o pescoço…

O CONGRESSO CONTRA-ATACA
Bastou o STF aprovar a restrição do Foro Especial, limitando os casos e aumentando o poder judiciário, que o Congresso reagiu. Embora impedido de votar qualquer emenda constitucional, por causa da intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deu andamento ao projeto que veio do Senado incentivando os trabalhos da comissão que analisa a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) sobre o Foro Especial. Disse mais: estuda-se até extinguir o foro.

É o que a população espera. Afinal, num estado de direito democrático e republicano, não existem “bebês reais” e príncipes coroados. Todos são iguais diante de Deus e diante da Lei.

André Mello é jornalista, tradutor, teólogo e cientista da religião.
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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