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A grande vencedora, sem sombra de dúvida, foi a democracia

André Mello - 31/10/2018 09h38

As eleições federais e estaduais de 2018 promoveram novos vencedores, marcaram os perdedores e superaram milhares de desafios. Para alívio geral dos pesquisadores, dessa vez, os principais institutos de pesquisa foram certeiros: Datafolha apontava 56% a 44% na véspera. Ibope, 54% a 46%.

A grande vencedora, porém, foi a democracia e a sua protagonista, definitivamente reabilitada, foi a urna eletrônica.

A URNA GANHOU
Normalmente, escreve-se que alguém foi “consagrado pelas urnas”, mas as eleições de 2018 foram tão inusitadas que pode-se, finalmente, dizer que a urna eletrônica – que deveria ser apenas um detalhe – foi finalmente consagrada, absolvida de suas suspeitas e a grande vitoriosa nestas eleições.

Boa parte dos “atentados”, da conturbada eleição deste ano, e dos inquéritos instaurados pela Polícia Federal estavam relacionados com as desconfianças e vandalismos relacionados às urnas eletrônicas. Todavia, quer pelo resultado das urnas – que consagrou o candidato Jair Bolsonaro – quer pelas ações do TSE e da Polícia Federal, a democracia e as urnas eletrônicas saíram das eleições absolvidas e consagradas.

OS CRIMES DO PRIMEIRO TURNO
O tom de violência nas redes sociais transbordou para fora da internet. Urnas foram vandalizadas, mesários e agentes da Polícia Federal tiveram muito trabalho, para conter eleitores irritados e desconfiados.

No balanço realizado pela PF, no primeiro turno, 389 pessoas foram detidas; foram registrados 220 termos circunstanciados e instaurados 51 inquéritos policiais. Todas as 389 praticaram infrações à legislação eleitoral. Foram realizadas 160 apreensões, totalizando R$ 480 mil em dinheiro e bens. Mais de 200 casos estavam relacionados com violações do segredo (gente fotografando a urna) e vandalismos de seções eleitorais.

Na semana do primeiro turno, a PF lançou uma operação nacional para investigar e coibir crimes relacionados às eleições de 2018. Mandados de busca e apreensão foram cumpridos no estado do Paraná, São Paulo e Sergipe. As ações tiveram o objetivo de aprofundar as investigações sobre vídeos que circularam nas redes sociais e os investigados responderão pelos crimes de violação de sigilo do voto e porte ilegal de arma; e pela incitação de crime.

FACADAS
O assassinato do mestre de capoeira, após o primeiro turno, com 12 facadas, teve efeito direto no segundo turno. Na Bahia, terra onde ocorreu o crime, Haddad recebeu 72% dos votos.

Da mesma forma, pode-se dizer, igualmente, que a facada desfechada em Jair Bolsonaro, durante um ato de campanha em Juiz de Fora, em Minas Gerais, em 6 de setembro, por um ex-militante do PSOL, cristalizou o risco dos radicalismos, esvaziou os debates através da mídia tradicional e consagrou uma nova imagem para o candidato.

Facadas e fake news são utilizadas por muitos para explicar os resultados das urnas, mas pode-se dizer que a fragmentação das esquerdas e dos partidos de centro foram os grandes responsáveis pela confusão política do primeiro turno. Quando os partidos de centro e esquerda decidiram se juntar, para evitar ou enfrentar Jair Bolsonaro, já era tarde demais. Bolsonaro terminou o primeiro turno com 49 milhões de votos.

OS CRIMES DO SEGUNDO TURNO
No segundo turno, a PF instaurou quatro inquéritos e lavrou 27 termos por crimes eleitorais. A PF seguiu apurando, por meio dos respectivos inquéritos policiais, todos os casos de fake news que pudessem configurar infrações penais.

Merecem destaque as ameaças aos ministros do TSE e STF. A PF cumpriu, na sexta (26), mandados de busca e apreensão, expedidos pela 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. A ação investigou ameaças e ofensas, divulgadas em vídeos na internet, a diversas instituições e autoridades da República. Foram apreendidos pela PF dispositivos de armazenamento de dados, como computadores e aparelhos celulares.

Além do mandado de busca e apreensão cumprido no Rio de Janeiro, a Justiça determinou o monitoramento eletrônico do investigado, a proibição de andar armado e, também, de possuir arma em casa, o impedimento de deslocar-se à cidade de Brasília, bem como a obrigação de se manter a pelo menos cinco quilômetros de distância de todos os Ministros do STF, do TSE e do Ministro de Estado da Segurança Pública. O investigado ainda poderá responder pelos crimes de difamação, injúria, constrangimento ilegal, ameaça, além de crimes previstos na Lei de Segurança Nacional.

FLAGRANTES
Em Sorocaba, interior de São Paulo, 10 urnas eletrônicas foram vandalizadas e fios da rede elétrica foram cortados. Um homem foi preso em Rondônia também por atentar contra a urna e sigilo eleitoral. E o caso mais curioso de prisão em flagrante: a vereadora Josefa Eliana da Silva Bezerra, do PSL, partido do presidenciável Jair Bolsonaro, no domingo (28), em Santana do Ipanema, Alagoas – a 206 quilômetros de Maceió – foi presa, em flagrante, distribuindo lanches e brindes a eleitores com adesivos do candidato à Presidência da República, Fernando Haddad (PT). Foi instaurado um inquérito para avaliar as razões desse ato tão inusitado.

UMA MORTE
O caso mais grave foi o assassinato de um jovem de 23 anos, a tiros durante uma carreata a favor do candidato Fernando Haddad (PT), na noite de sábado (27), no Ceará. Todavia, apesar do clima de beligerância, não foram constatados confrontos entre os eleitores de Haddad e Bolsonaro. Ao final, o Centro Integrado de Comando e Controle das Eleições (CICCE) considerou que as eleições transcorreram dentro da normalidade. Ou seja, não aconteceu a “guerra” que muitos temiam.

JAIR BOLSONARO
O presidente Jair Messias Bolsonaro, com 63 anos, foi eleito, com 57.797.847 votos. O futuro presidente da República leu, em seu primeiro discurso após a vitória, uma declaração na qual sinalizou que seu futuro governo será marcado pela liberdade, respeito à Constituição e, ao final, citou o patrono do Exército, Duque de Caxias, conhecido como “pacificador”. O desafio de pacificar o país, que sai radicalizado das eleições, pode começar com as evidências listadas acima – de que não houve desvio na urna e nem ocorreram os grandes confrontos que tanto se temiam.

Mas será preciso algo mais. De fato, é preciso notar que o presidente eleito contará com a oposição política de 47 milhões de brasileiros (eleitores de Haddad) e outros 42 milhões de eleitores, sem representação política (31 milhões de abstenções, 11 milhões de brancos e nulos). O recado dado pelas urnas é claro: o novo presidente precisará conquistar 60% do eleitorado nacional, sem decepcionar os 40% dos brasileiros que depositaram em Bolsonaro sua esperança e expectativas de mudança.

CONGRESSO E SENADO
O novo presidente precisará conquistar 2/3 da Câmara e do Senado, este é o quorum necessário para promover as emendas constitucionais programadas pelas propostas de reforma e planejamento.

Igualmente, precisará de maioria, para eleger a mesa diretora dos parlamentos. São 49 dos 81 senadores e 308 dos 513 deputados. Sem essa maioria, que pode ser facilitada pelo desempenho do PSL nas urnas, o novo governo enfrentará as mesmas dificuldades que obstaculizaram os governos de Collor e Dilma. Ou seja, para não repetir os erros do passado, é preciso compor ampla maioria. E Bolsonaro já anunciou que não comprará estes votos. O novo presidente sinaliza que fará as maiores movimentações através de bancadas “temáticas”.

PAULO GUEDES
O homem forte da economia – que tem sido apontado pelos jornais como líder de um superministério, juntando fazenda, planejamento e outros órgãos – declarou em sua primeira entrevista que o país está optando, nesta eleição por um novo modelo econômico, saindo de um modelo social-democrata que durou “30 anos”.

Guedes declarou que este modelo, fundamentado em “gastos públicos”, “corrompeu a política” e “travou o crescimento”. Em seu diagnóstico, listou como prioridade, a reforma da previdência (que é o principal gasto público) e, em segundo lugar, o enfrentamento do gasto de 100 milhões de dólares com juros da dívida pública no Brasil.

Guedes comparou os gastos governamentais brasileiros ao “plano Marshall” – investimento de reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial. E sinalizou a crise do modelo de investimento e peso financeiro do Estado, que precisa ser reformado.

AUGUSTO HELENO
O segundo homem forte do governo é o general de exército da reserva do Exército Brasileiro, Augusto Heleno Ribeiro Pereira. Apontado como estrategista da área de segurança, o general declarou, em entrevista após a vitória de Bolsonaro, que é preciso rever as leis que regulam a atuação dos órgãos de segurança.

Essa mudança na legislação poderia incluir o chamado “excludente de ilicitude” – que é, no momento, prerrogativa de “guerras”.

Há três ministérios relacionados com essa área: Defesa, Justiça e Segurança (que foi criado por Temer). Especula-se que a articulação dos três será necessária para cumprir as metas do novo governo, mas não se pode confirmar que haverá fusões.

FERNANDO HADDAD
Derrotado nas urnas, Haddad não telefonou para o vitorioso (uma praxe em todas as eleições) e optou por falar à militância. Na segunda (29), mandou um recado pelo Twitter, desejando “boa sorte” e dizendo-se “de coração leve”.

O TSE dará prosseguimento às investigações solicitadas pelo PSL contra o PT e Fernando Haddad. Também, percebe-se que as vitórias no Nordeste devem diminuir o peso político dos paulistas no Partido dos Trabalhadores. Ou seja, o PT saiu desta eleição mais “nordestino” e menos paulista.

A disputa interna está apenas começando, mas deverá ser a tônica para uma esquerda que prossegue fragmentada – Ciro Gomes e Marina, por exemplo, continuarão críticos ao PT. O PSB diminuiu de tamanho e REDE, PSTU, PSOL e PCdoB seguem ameaçados de extinção pela cláusula de barreira (menos de 1% da votação nacional).

GERALDO ALCKMIN
Médico, com 65 anos, o ex-governador, Geraldo Alckmin, concorreu ao cargo de Presidente do Brasil pelo PSDB nas Eleições 2018 e foi duplamente derrotado. Perdeu a eleição presidencial, conquistando, apenas, 5.096.277 votos (4,76% ) no primeiro turno.

Seu vice-governador, Márcio França (PSB), foi derrotado, mesmo com o apoio do grupo de Alckmin e com a articulação de várias forças contra João Doria, 60 anos, empresário, candidato a governador em São Paulo pelo PSDB nas Eleições 2018.

A dobradinha Bolso-Doria, que contou até mesmo com apreensão da PF de material de campanha no primeiro turno, logrou a vitória, mesmo com escândalos sexuais, tsunamis de fake news e apoio dividido, no PSL e no PSDB.

TRANSPARÊNCIA
Como parte de uma novidade cívica, além de consultas na web e aplicativos, o site do TSE ficou mais próximo dos eleitores. É possível checar os resultados para presidente da República e governadores nos estados. Também, é possível verificar os boletins das urnas, bem como imprimi-los. Para isso, clique aqui.

André Mello é jornalista, tradutor, teólogo e cientista da religião.
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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