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Em números absolutos: 63 milhões de brasileiros adultos têm o "nome sujo" na praça

André Mello - 23/07/2018 09h36

O SPC contabilizou 63 milhões de consumidores inadimplentes, em junho de 2018. Ou seja, mais de 40% dos adultos do país têm o “nome sujo” na praça. Essa foi a nona alta consecutiva, com aumento de 4% na inadimplência.

CARTÃO VERMELHO
A Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) detectaram, em suas pesquisas, um aumento dos consumidores inadimplentes – o popular “nome sujo” na praça. Nem a Copa do mundo, nem os ajustes fiscais, nem a retomada econômica, nada, nada, nada fez o quadro melhorar. O Mundial de futebol movimentou cerca de 250 milhões de reais nos bares e restaurantes, mas esse movimento não se traduziu em pontualidade nos pagamentos. Pelo contrário. O Brasil, nos gramados, nos cartões e nos boletos, ficou devendo.

NA RETRANCA
As mudanças nas taxas de juros, as alterações nos pagamentos mínimos dos cartões de crédito, as novas regras do cheque especial, as estratégias políticas econômicas, foram jogadas de efeito que não conseguiram tirar as famílias da marca do pênalti. O desânimo com a Copa, a retranca financeira, enfim, pode ter uma explicação econômica. Pé no freio, cartão estourado, banco no vermelho… Fica difícil torcer assim.

NOVE VEZES CAMPEÃO
Desde dezembro de 2017, o cadastro do SPC vem aumentando. De 1,27% ao mês (em dezembro/2017) o índice subiu para 2,10% em janeiro/2018 e prossegue com tendência de alta, chegando a 4,07% em junho de 2018. Foi a nona alta seguida no cadastro de maus pagadores. O Hexa veio em março, com aumento de 3%. E julho sugere que o país vai alcançar dez meses de inadimplência crescente.

JUROS MENORES, MEDOS MAIORES
Embora os juros estejam menores e a inflação dentro da meta, o aumento do desemprego e a capacidade de pagamento vem derrubando os orçamentos das famílias e ampliando o percentual de endividamento. Ou seja, a recuperação econômica não chegou ao bolso das famílias, não aqueceu as lojas. A instabilidade política, a persistência do desemprego, a redução do poder de compra dos salários e a falta de confiança para investimentos futuros são as explicações da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) para o quadro.

DIVERGENTES E CONVERGENTES
Nesse ponto, CNC e SPC divergem em relação à metodologia. A Confederação Nacional do Comércio acompanha 18 mil consumidores, em todas as capitais e no Distrito Federal. Já o SPC, por sua vez, registra a entrada de consumidores no cadastro de inadimplentes. As metodologias são divergentes, mas os dados podem ser convergentes. Ou seja, alguém pode entrar no cadastro do SPC, independentemente de já estar na base de devedores do CNC.

E como a inadimplência é o principal argumento para que as administradoras e bancos aumentem os juros, multas e taxas, o resultado é mais endividamento, mais inadimplência…

PERFIL DOS ENFORCADOS
Em 2017, a média anual do percentual de famílias endividadas (60%) com contas ou dívidas em atraso (25%) e sem condições de pagar seus atrasos (10,2%), totalizaram o patamar anual mais elevado já observado na pesquisa, criada em 2010.

Agora, na metade de 2018, o percentual de famílias que relataram ter dívidas entre cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, empréstimo pessoal, prestação de carro e seguro alcançou 58,6% em junho de 2018, o que representa uma pequena queda em relação ao patamar anterior.

Houve redução, também, em relação a junho de 2017, quando o indicador alcançou 59,4% do total de famílias. Contudo, apesar da diminuição no total de endividados, o número de inadimplentes aumentou, segundo o SPC.

Em números absolutos: 63 milhões de brasileiros adultos têm o “nome sujo”.

CALO APERTADO, CINTO CURTO
De acordo com o SPC-Brasil, “mais da metade das dívidas pendentes (51%) de pessoas físicas no país têm como credor algum banco ou instituição financeira”.

A segunda maior representatividade fica por conta do comércio, que concentra 18% do total de dívidas não pagas, seguido pelo setor de telecomunicação (14%). Os débitos com as empresas concessionárias de serviços básicos como água e luz representam 8% das dívidas não pagas.

Em média, cada inadimplente possui duas dívidas em aberto.

VILÕES E MOCINHOS
O cartão de crédito continua sendo o principal tipo de dívida, apontado por 75,7% das famílias. Em seguida, vêm os carnês (16,3%) e, em terceiro lugar, o financiamento de carro (11,1%). O acesso ao crédito é fundamental para o funcionamento da economia e, com o quadro atual, a renegociação das dívidas torna-se mais do que necessária.

Aqui, as FINTECHS (empresas financeiras que atuam no setor de tecnologia) e a portabilidade de dívidas podem entrar como mocinhos. Pelas novas regras do mercado, o consumidor pode levar a dívida para outro agente financeiro – e pode buscar melhores taxas e prazos de pagamento.

VACAS MAGRAS E VACAS GORDAS
A meta do consumidor, porém, não deve ser mudar de cobrador, deve ser escapar da “bola de neve”. Em resumo, quitar as dívidas e mudar de comportamento. É preciso saber poupar. Não comprar fiado, economizar, pechinchar e aguardar o melhor momento para consumir, tudo isto continua sendo a sabedoria proverbial – que o rico Salomão já nos ensinava. Não comprar fiado, não ficar com o nome sujo, não perder o estilo de vida, não perder os bens e guardar para a velhice são lições sagradas. José, filho de Jacó, no Livro de Gênesis, já nos ensinou que é preciso saber guardar nos sete anos de vacas gordas, para ter economias nos anos de vacas magras. Essa é a lição milenar da verdadeira prosperidade.

CARTEIRAS E TÍTULOS
No século passado, nas campanhas presidenciais, os planos econômicos, a inflação e os juros ocuparam o centro do debate. Os candidatos que ignoraram tal realidade perderam votos, até que se renderam aos temas econômicos. A julgar pelo quadro atual, as carteiras vazias podem voltar a direcionar os títulos de eleitor. Uma nação de endividados vai à urna. Os outros temas, nesse momento, ficarão em segundo plano.

Como aconteceu na Copa, também as votações serão influenciadas pelos cartões e boletos dos consumidores.

André Mello é jornalista, tradutor, teólogo e cientista da religião.
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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