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Igrejas, missões, irmandades e centros de recuperação são a principal linha de frente na salvação de dependentes químicos

André Mello - 20/07/2018 09h24

Igrejas, missões, irmandades e centros de recuperação são a principal linha de frente na salvação de dependentes químicos. Taxas de recuperação são superiores e recaídas menores quando há motivação religiosa. Na sociedade atual, só os cristãos acreditam que “bandido bom é bandido regenerado”. A luta pessoal dos que precisam ficar sóbrios e limpos importa a todos nós.

CASAGRANDE E SEUS DEMÔNIOS
O ex-jogador de futebol e comentarista esportivo Walter Casagrande interrompeu a transmissão da Final da Copa do Mundo de Futebol Masculino, para chorar diante de 80 milhões de pessoas – assumindo a luta contra um vício, durante um mês, cercado de propagandas de bebidas.

“Casão” compartilhou, com os telespectadores, algo muito pessoal: “Essa Copa do Mundo foi a mais importante da minha vida. Eu tinha a proposta de ir sóbrio, ficar sóbrio e voltar sóbrio. Eu consegui”.

Casagrande, que escreveu um livro sobre suas dependências químicas, declarou: “É um enfrentamento para o resto da vida”.

A QUEM INTERESSA?
Imediatamente, as redes sociais se encheram de depoimentos semelhantes, apoio irrestrito de milhares de familiares de dependentes emocionados, mas também apareceram severas críticas, estigmas, zombarias, escárnios e piadas de mau gosto.

Um exemplo: Paulo Henrique Amorim, em sua visão antiGlobo e politizada, foi ácido, no Twitter: “sua suposta dependência química não interessa”. A despeito da sólida carreira jornalística e do talento de Paulo Henrique Amorim, não há como concordar. Ao expor o tema das drogas, bem conhecido no meio-ambiente das televisões e corrente entre as celebridades, em cadeia nacional, de modo passional e pessoal, “Casão” foi pouco profissional, mas profundamente humano. Droga é notícia. Romper esse silêncio, aliás, é uma das coisas que Amorim e outros deveriam cobrar das mídias em todo o Brasil.

DROGAS E RECUPERAÇÃO
Há clínicas e centros de recuperação de dependentes químicos lutando pela vida dos usuários em todo o mundo. As clínicas propõem tratamento médico (intensivo, com internação, e semi-intensivos) e os centros de recuperação apresentam várias alternativas terapêuticas.

Desde o aumento na epidemia de crack, que, em 2011, atingiu 70% dos municípios, o Ministério da Saúde estabeleceu que “a internação deve ser de curta duração, em hospital geral da rede pública, com vistas à desintoxicação associada aos cuidados emergenciais das complicações orgânicas ou à presença de algum tipo de comorbidade desenvolvida com o uso”. Na prática, embora a Lei 10.216/01 permita que o dependente de drogas possa ser internado compulsoriamente, através da chamada Justiça Terapêutica, faltam leitos e locais para o tratamento.

Essa demanda é atendida pelos Centros de Atenção Psicosocial (CAPS) e Centros de Recuperação que, embora contestados, conseguem “oferecer atendimento individual (medicamentos, psicoterapia, orientação etc.), em grupos (psicoterapia, atividade de suporte social), oficinas terapêuticas, visitas e atendimentos domiciliares, atendimento à família e atividades comunitárias para a integração do dependente químico na comunidade e sua inserção familiar e social”.

PSIQUIATRIA E DEPENDÊNCIA
A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM), ouvidos pela subcomissão do Senado para o tema, criticaram a implementação da reforma psiquiátrica pelo Ministério da Saúde, a partir da Lei 10.216/01.

Para o CFM, o Centro de Atenção Psicossocial é impróprio para o trabalho dos médicos, porque os profissionais não têm estrutura que lhes permitam uma ação imediata, muitas vezes necessária no atendimento aos toxicodependentes, como nos casos de crises convulsivas e overdoses, por exemplo.

Já a ABP considera que o Centro de Atenção Psicossocial inverteu a sequência correta do atendimento, que deveria começar pelo diagnóstico numa unidade da rede geral de saúde. Essa avaliação, necessária para detectar o uso de outras drogas (além do crack) e para diagnosticar as doenças físicas e psíquicas associadas, estaria relegada a segundo plano na estrutura desenhada pelo Ministério da Saúde. A ABP e o CFM defendem uma abordagem médica da dependência e, em especial, para o alcoolismo – porta de entrada para todas as drogas.

ÁLCOOL E CRACK
A indústria de bebidas alcoólicas patrocina a Seleção Brasileira de futebol e a transmissão de eventos esportivos – e exatamente por isso, o depoimento de Casagrande é impactante. O álcool é apontado como a droga mais consumida em todas as pesquisas.

Em 2007, Senad e Unifesp fizeram o 1º Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População, segundo o qual a primeira experiência com álcool ocorre antes dos 14 anos. Cerca de 16% dos adolescentes entrevistados relataram beber pesado, o que aumenta riscos sociais e de saúde.

Um dos capítulos do estudo – Como Bebem os Adolescentes Brasileiros – concluiu que 24% dos adolescentes bebem pelo menos uma vez por mês, sendo que 10%, em quantidades consideradas “arriscadas”. Mais que isso, 13% dos adolescentes apresentam intenso consumo de álcool (índice que chega a 17% entre os meninos).

Outra pesquisa, Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, do Ministério da Saúde, de abril de 2011, mostra que o percentual da população adulta que consumiu álcool em excesso nos 30 dias anteriores à pesquisa passou de 16,2%, em 2006, para 18% em 2010 (26,8% dos homens e 10,6% das mulheres).

A.A e N.A.
Você conhece essas siglas?

A.A (Alcoólicos Anônimos) define-se como uma rede informal de mais de 2.000.000 alcoólicos em recuperação em mais de 180 países. O grupo iniciou nos Estados Unidos da América, em 1935, quando Bill Wilson, um corretor da bolsa de Nova Iorque, e Dr. Robert Smith, um cirurgião de Ohio, decidiram criar uma comunidade para apoiar os que sofrem de alcoolismo e para se manterem sóbrios. Bill passou por uma experiência que descreveu como “despertar espiritual”, na quarta internação para o tratamento. A partir daí, iniciou-se uma metodologia que começa com um inventário espiritual e doze passos e tradições.

N.A. (Narcóticos Anônimos) “uma irmandade mundial ativa em mais de 131 países e com mais de 58.000 reuniões semanais no mundo, homens e mulheres para quem as drogas se tornaram um problema maior”. O primeiro grupo de Narcóticos Anônimos no Brasil estabeleceu-se em 1978, em São Paulo. Em 1990, os grupos brasileiros uniram-se à irmandade mundial de NA. Existem, hoje, no Brasil, mais de 1.550 grupos de Narcóticos Anônimos espalhados pelo território nacional.

Ao lado das igrejas cristãs (muitas vezes reunindo-se em salas de edifícios religiosos) as irmandades são multinacionais da Vida. “O Modelo Minnesota de tratamento, que alia as terapias científicas aos modelos dos grupos de ajuda mútua (Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos, Neuróticos Anônimos), têm-se mostrado eficazes no sentido de que, no final da internação, o indivíduo é motivado a frequentar esses grupos. Sabemos que a internação não é para o resto da vida, mas a frequência aos grupos, sim. Na internação, chamamos de tratamento, nos grupos, de recuperação. Tratamento é temporário, mas a recuperação, é por toda a vida”, descreve um folheto das irmandades disponível na Internet.

RECUPERAÇÃO E MISSÃO
O “despertar espiritual” de A.A. e N.A. tem uma linguagem religiosa por uma razão bem simples: como em outras enfermidades do corpo e da alma, a fé é um instrumento ativo no processo de regeneração. Em uma simples busca no Google é possível encontrar milhares de referências acadêmicas sobre a crença como parte ativa da terapêutica. Além disso, as organizações religiosas, em especial as missões cristãs, têm muitos ex-usuários e até ex-criminosos entre os seus quadros.

O monitor Marciano Luis de Oliveira da Chácara Celeiro de Cristo, em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, é um exemplo. Morador da Chácara há um ano e quatro meses, além de monitor é diretor. Permanece na entidade por se sentir seguro, distante das drogas. “Recebi proposta para voltar ao meu antigo trabalho, mas recusei. Prefiro ficar aqui, pois posso ajudar as pessoas que chegam debilitadas”. Oliveira trata os pacientes como “almas”. “O dependente químico tem um vazio profundo dentro de si; este representa sua alma que deve ser preenchida com coisas boas, em busca da paz interior”, afirma.

Em 2013, segundo pesquisa realizada pela UNIFESP, em comunidades terapêuticas, clínicas de reabilitação, grupos de mútua ajuda, como Al-Alanon e a Pastoral da Sobriedade (da Igreja Católica Romana), em 23 capitais de todas as regiões do Brasil, havia 8 milhões de dependentes químicos no Brasil. Em 2014, foram atendidos 62.229 mil usuários e desembolsados R$ 950,9 milhões com o tratamento deles e a manutenção de programas de prevenção do uso de drogas no país. Desse montante, R$ 798,3 milhões foram destinados a internações hospitalares e atendimentos ambulatoriais.

DESAFIO JOVEM
O Desafio Jovem, ou Teen Challenge, iniciou seus trabalho nos Estados Unidos, no ano de 1958, sob a direção dos Reverendos David Wilkerson e Don Wilkerson, sendo financiados, pelas vendas do best-seller A Cruz e o Punhal.

Atualmente, o Desafio Jovem está presente em mais de 90 países, sendo um programa reconhecido por diversas autoridades nacionais e internacionais no tratamento e reinserção social de toxicodependentes e alcoolistas. Ele é uma das maiores Comunidades Terapêuticas do mundo. Atuam com a população toxicodependente nas ruas, prisões, hospitais, no sentido da sua recuperação, reinserção social e dignificação. Em nosso país, a Associação do Desafio Jovem do Brasil conta com 30 comunidades filiadas e cadastradas.

BANDIDO BOM
Nick Cruz foi o líder da famigerada gangue Maus-Maus de Nova Iorque. Convertido, após a insistente pregação de David Wilkerson, tornou-se pastor e liderou a entrega voluntária das armas e a rendição de sua gangue à polícia. Nicky criou, em parceria com David Wilkerson, um centro para ex-viciados em drogas, ex-gangsters, ex-prostitutas e garotos de rua. Nicky e sua esposa, Glória, resolveram abrir um abrigo para os “pequenos”, onde trabalhavam com crianças problemáticas, tentando ensinar-lhes sobre Jesus Cristo. Como Nick Cruz, há vários relatos de conversões de bandidos.

No Brasil, a conversão mais famosa é de um dos fundadores do Comando Vermelho, José Carlos Gregório (Gordo), preso por diversas vezes por vários crimes e condenado a 78 anos de prisão. Em última entrevista, ao jornal Folha de S.Paulo, em fevereiro de 2001, Gordo declarou que estava no “Comando de Jesus”. Logo após a entrevista, foi assassinado. A polícia tratou o caso como “queima de arquivo” e os responsáveis pelo assassinato nunca foram identificados. Nos presídios e nos morros só os cristãos acreditam que bandido bom é bandido regenerado.

ENFRENTAMENTO GLOBAL, LUTA ESPIRITUAL
O crime organizado e o tráfico de drogas são multinacionais da morte. O enfrentamento dessas organizações precisa ser global – com a ação conjunta de vários países, contra a lavagem de dinheiro e as drogas. Mas, sabemos, também, precisa ser uma luta planetária, espiritual. “Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” (Efésios 6:12). Os criminosos são, portanto, armas nas mãos do maligno. Sem oração, sem a Palavra, quem os enfrentar estará desarmado. Wilkerson creu, Deus o usou. E tem usado aqueles que, ainda hoje, decidem agir e falar a favor da vida, abundante e plena.

André Mello é jornalista, tradutor, teólogo e cientista da religião.
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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