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A comemoração do bicentenário do nascimento de Karl Marx: Vamos pôr as barbas de molho?

A comemoração dos 200 anos de Marx deve colocar algumas barbas de molho. Não adianta fingir que o marxismo morreu, ou que suas perguntas deixaram de ser ouvidas...

André Mello - 09/05/2018 09h23

PEDE PRA SAIR!
Se você é um daqueles marxistas que considera Karl Heinrich Marx um profeta, ou uma espécie de santo barbudo do proletariado, ou mesmo se você não é capaz de avaliar criticamente o legado do marxismo, tanto como filosofia, como quanto doutrina econômica, logo aviso: é melhor desembarcar deste texto.

DUZENTOS ANOS DE DIVISÃO
O bicentenário do nascimento de Marx mexe com alguns países. Em especial com a Alemanha, pátria em que nasceu, em 5 de maio de 1818, e com a Inglaterra, lugar de sua morte, em 14 de março de 1883.

Alemães estiveram divididos com um muro, por causa do marxismo. Ingleses vivem uma polarização radical, desde a a saída da União Europeia. Marx tem sido lembrado por seus legados bons e ruins, nestes dois polos.

O barbudo também mexe com filósofos e faculdades de Filosofia e com partidos que se dizem herdeiros do pensamento revolucionário do jornalista e doutor em filosofia do século 19. Trabalhistas, socialistas, sociais-democratas e anarquistas disputam espaço nessa festa.

Ao longo desses duzentos anos, mas em especial no século 20, o marxismo mexeu com o império russo, em 1917, dividiu a Europa, nos anos 30 e 40, gerou movimentos armados na América Latina, na década de 60, e misturou-se com as lutas de independência das colônias europeias na África e na Ásia. A polarização entre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e os Estados Unidos da América (EUA) poderia ser resumida em duzentos anos de divisão a respeito do pensamento marxista.

Na Filosofia, nas Ciências econômicas e sociais, Marx se tornou um autor polêmico. De um lado, ficaram aqueles que consideravam o socialismo “científico” e de outro aqueles que o consideravam “ideológico” ou “revolucionário”.

CIÊNCIA OU IDEOLOGIA
No meio filosófico, alguns enxergam o marxismo como mais uma tentativa de encontrar uma teoria geral de tudo. Nas Ciências Sociais, o marxismo tem sido duramente criticado, como mecanicista, economicista, messiânico, necessitarista e autoritário. Como toda “teoria geral”, gerou exageros, como as “artes marxistas”, “vestimentas marxistas” e até “astronautas marxistas”.

O reavivamento atual; que curiosamente é evitado pelos russos e chineses; não é tão exagerado, mas é uma tendência. Se, como ciência tem sido revisto, com críticas; não está morto, como ideologia política.

POBREZA E RIQUEZA
Thomas Piketty, o mais famoso economista do momento, intitulou seu best-seller com o mesmo título da maior obra de Marx – o Capital.

O Capital, de Marx, foi publicado, com a ajuda de Engels, em 1867. Piketty, em 2013, publicou O Capital no Século XXI, tratando da desigualdade de renda e salário, criticando a superconcentração.

Marx tentava entender a dinâmica de um capitalismo industrial que gerava riqueza e pobreza. Ao tratar de “mercadoria e moeda”, “transformação do dinheiro em Capital”, “produção da mais-valia”, “trabalho” e “salário”, Marx escreveu mais de cem páginas para defender uma utopia socialista. Os capítulos finais de sua “economia política” e a passagem do “modo de produção” escravagista para o feudal e, finalmente, para capitalismo são duramente criticados por especialistas em economia e historiadores.

Mas, se é uma obra incompleta, por que tem sido revisitada tanto tempo depois?

Livro O Manifesto, de Marx e Engels Foto: Pixabay

NÃO É SÓ MODINHA
Essa revisão dos conceitos marxistas é uma forte tendência. E há semelhanças entre 1848 e 2018.

Em 1848, a divulgação massiva do ateísmo “científico” e as várias crises sociais tornaram o Manifesto Comunista a obra mais vendida de Marx. Ateu, judeu, doutor em filosofia e jornalista, Marx percebeu que o público estava pronto para recebê-lo. Sua obra mais famosa, escrita em poucas páginas, com estilo panfletário e propagandista, o Manifesto foi mais lido do que o Capital.

Se tivesse nascido no século 21 teria sido ignorado. Mas o século 19 estava cheio de “novas teorias” para o mundo. Todas eram utópicas e materialistas.

NEO E A MATRIX
Em 2018, o neoateísmo e a pauperização massificada parecem ter criado o caldo de cultura para novos movimentos marxistas. A dificuldade de absorção das novidades tecnológicas, a redução dos empregos não qualificados e as novas formas de riqueza (que incluem até novas moedas), geram um mundo em que tudo é “neo”.

E nesse museu de novidades, os neomarxistas se comportam como se tivessem uma chave para desligar-se da Matrix. Sua pílula é o Manifesto, seus inimigos são as corporações e a ideologia é uma forma de “falsificar o mundo”.

NOVA GERAÇÃO
Se as igrejas falharem em alcançar essa geração, como aconteceu em 1968, a radicalização promovida pelos neoateus e neomarxistas fará nossa mensagem soar tão antiga como ocorreu há 50 anos. Nessa nova geração, não podemos errar de novo, erguendo muros e impondo silêncios. Isso já foi tentado. Não funcionou. Sim, é preciso salvar os jovens e é desejável cuidar das famílias. Mas não é possível fazer isso ignorando o apelo forte que o modelo cientificista e ideológico oferece a uma geração pós-perdida.

A comemoração dos 200 anos de Marx deve colocar algumas barbas de molho. Não adianta fingir que o marxismo morreu, ou que suas perguntas deixaram de ser ouvidas… Não se resolve a crise do pensamento proibindo livros, nem se consegue mobilizar pessoas por muito tempo com espantalhos. O que realmente adianta é dar respostas que estimulem a prosperidade econômica e a solidariedade entre os povos. Nada supera uma boa educação econômica. As palavras inspiram, mas o exemplo arrasta. Ensine isto!

André Mello é jornalista, tradutor, teólogo e cientista da religião.
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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