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Mohamed Ali, que atualmente vende comida árabe em Copacabana, fala sobre a experiência

Juliano Medeiros - 30/03/2018 12h00 | atualizado em 31/03/2018 09h43

Entre os diversos vendedores que ficam nas ruas de Copacabana, bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro, um deles se destaca pelo sotaque e comida. Trata-se de Mohamed Ali, refugiado sírio que vende salgados e doces de seu país natal.

– Eu estava construindo meu futuro na Síria, de repente chega a guerra e acaba com os meus sonhos – lamenta Ali.

Mesmo com a distância que separa o Brasil da Síria (são 10.980 quilômetros), o fator não é um obstáculo para quem quer fugir dos horrores do conflito.

O refugiado sírio Mohamed Ali Foto: Reprodução/Facebook

Quando fugiu da Síria, Ali queria um lugar perto da praia, onde pudesse reconstruir a vida ao lado de gente feliz. Em agosto de 2017, porém, descobriu um outro lado de estar em uma nação diferente.

Mohamed foi insultado por um cidadão brasileiro que não entendia os verdadeiros motivos dele ter deixado a Síria. A barraca onde vendia produtos árabes foi destruída. Apesar de já ter superado esta agressão, os horrores da guerra continuam na memória dele.

– Escola, hospital, não tem. Não tem vida. No meu coração quero que a guerra pare. Porque não tem vitória, tudo perdeu – conta o homem.

Mas Mohamed não é o único nesta situação. Há sete anos, o museólogo e arqueólogo Ahmad Srieh deixou para trás a família e amigos, e buscou emprego em São Paulo. Ele morava em Damasco, quando o futuro ficou ameaçado pela guerra.

– Muito triste, muito triste. Todo dia se vê criança, mulher, homem, morrendo na Síria. Em toda a história do país, primeira vez que passamos por isso. Eu espero que a guerra acabe este ano, ano que vem, para todo mundo voltar para a Síria. Síria é um país muito lindo, muito bonito para se morar – diz Srieh.

A guerra na Síria produz números cada vez mais alarmantes. Para as organizações, é difícil até mensurar a verdadeira dimensão do conflito.

A Organização Internacional para Migração estima que mais de 5 milhões de cidadãos sírios tenham buscado abrigo em outros países. A maior parte cruza a fronteira em direção ao Líbano, Jordânia e Turquia.

Apenas 10% segue para a Europa. Mas nem todos conseguem cruzar o Mar Mediterrâneo. Mais de 10 mil pessoas já morreram afogadas. Destas, 3 mil eram crianças. Quem vence a travessia desembarca na Itália, Chipre, Grécia e Espanha.

No Brasil, os número também são altos. Segundo o Comitê Brasileiro para Refugiados, em 2017 o Brasil recebeu o maior número de solicitações de refúgio da história: 33.865. Diante do cenário, o Governo Federal se comprometeu com a ONU a regularizar a situação de até 3 mil sírios.

O projeto social Estou Refugiado, com sede em São Paulo, recebe parte dos que chegam em território nacional e oferece assistência. O trabalho voluntário é uma relação de amor pelo desconhecido, como explica a idealizadora e empresária Luciana Capobianco.

– A gente criou um projeto que é um totem interativo. O objeto tem ido a museus e espaços públicos. Lá você tem fotos de refugiados. Aí a gente chama a pessoa que está passando para ela ouvir aquela história e apertar um botão. Quando ela aperta, para em uma foto e vem um vídeo do refugiado, que conta a história dele. No meio da fala sai o currículo dele. E a gente “brinca” que o destino dos dois está atado e que você tem que ajudar aquele refugiado a achar um bom emprego. Quando você está na frente de uma pessoa que começa a chorar e a contar a situação de vulnerabilidade e de absurdo que ela já passou é muito tocante.

Para quem foge de uma área de conflito, o Brasil é a terra da vida, da liberdade e reconstrução. Foram essas oportunidades que o administrador de empresas Abdul Jarour abraçou ao escolher São Paulo para fugir dos bombardeios. Ele vivia na região de Alepo, uma das mais castigadas pelo conflito.

Abdul conta que ele chegou ao país há quatro anos e que a guerra desmantelou a família dele:

– Quando cheguei ao Brasil, depois de um ano, perdi meu pai. Recebi a notícia que aconteceu um bombardeio e minha irmã perdeu a perna e o marido dela. Por causa da guerra, minha família está espalhada pelo mundo. Uma irmã está no Canadá. Outra mora na Alemanha. Mais uma mora no Iraque. Um irmão mora no Líbano. Tem mais outro que mora da Turquia. Minha mãe e irmã caçula estão em Alepo porque não conseguiram sair. E eu estou no Brasil. Estamos em sete países por causa da guerra.

O professor de História e Relações Internacionais da PUC-Rio, e estudioso de conflitos mundiais, Marcio Scalércio, acredita que a guerra não deve durar muito tempo. Mas que o tempo para reerguer o país dependerá dos refugiados que irão voltar.

– Eu não acho que essa guerra irá durar mais dois ou três anos. Acho que ela será mais curta. Agora, é claro, que você tem um dano material e humano gigantesco e isso irá representar décadas de trabalho da população síria para reconstruir o país. Então a Síria sairá da guerra, no final das contas, muito pior do que entrou – analisa Scalércio.

*Esta reportagem foi veiculada originalmente na rádio 93FM.

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