Medo da crise faz Chile e Peru reabrirem durante pandemia
Países enfrentam aumento no número de casos
Pleno.News - 22/07/2020 19h41 | atualizado em 22/07/2020 19h42
Apesar de terem trajetórias diferentes durante a pandemia de coronavírus, os vizinhos Chile e Peru enfrentam neste momento um desafio parecido: tentam reabrir suas economias enquanto estão na lista dos dez países mais afetados pela Covid-19 no mundo.
Com uma leve alta recente no número de casos, o Peru aparece em sexto lugar no ranking, enquanto o Chile – que registra uma sutil queda – é o oitavo.
Mesmo com a América Latina no epicentro da pandemia, os dois governos têm insistido na reabertura, em parte por temerem os reflexos econômicos da crise.
O presidente peruano, Martín Vizcarra, já afirmou que o aumento recente de contágios “não justifica um retorno ao confinamento”. E acrescentou: “Estamos numa situação em que temos que contar com o compromisso permanente da população, não é possível continuar com medidas tão duras”.
Segundo estimativa do FMI, o PIB peruano deve cair 14% em 2020, o pior desempenho da América do Sul.
Desde 11 de maio, o país já retomou atividades como mineração (responsável por 60% das exportações), comércio não-essencial, pesca e parte da indústria. Na semana passada, voltaram a funcionar os voos internos, e nesta semana começaram a reabrir outros setores da indústria, além de bares e restaurantes –que precisam respeitar o limite de 40% da capacidade.
Já no Chile, o ministro da saúde, Enrique Paris, apresentou na última sexta (17) um plano de reabertura, que também começou a valer nesta semana. Dividido em duas etapas, ele prevê medidas diferentes para cada região do país.
No caso chileno, a concentração de casos acontece na região metropolitana de Santiago, que reúne outros seis municípios e concentra 8 milhões de pessoas –o país soma pouco mais de 18 milhões.
Apesar de terem números relativamente parecidos de casos e de mortes – 362.087 casos e 13.579 mortes no Peru; 334.683 e 8.677 no Chile -, o enfrentamento da pandemia tem sido bastante diferente nos dois países.
Vizcarra foi um dos primeiros líderes da América Latina a implementar uma quarentena dura, em 16 de março. O governo fechou as fronteiras e decretou que apenas trabalhadores essenciais tinham permissão para sair de casa. Além disso, apenas uma pessoa por família estava autorizada a ir ao supermercado ou à farmácia, em horários restritos.
As medidas de isolamento, porém, não funcionaram, num país que tem um mercado informal de 72,6% da população (segundo dados do Instituto Nacional de Estatística). Assim, muita gente foi obrigada a continuar saindo todos os dias para ganhar seu sustento.
O grande número de mercados informais e na rua também foi um vetor de rápida contaminação. Os mercados fazem parte da cultura local, muito enraizada principalmente entre a população de ascendência indígena e nas comunidades rurais.
Outro fator foi o deslocamento interno. Metrópoles como Lima, Arequipa e Piura costumam receber uma população que vive no interior e viaja para realizar trabalhos temporários.
Com a interrupção total do transporte público por conta das medidas de quarentena, muitas pessoas passaram a voltar a seus povoados caminhando. “Isso fez com que levassem o vírus para suas comunidades, de forma muito rápida e descontrolada”, diz à reportagem Carmen Yon, antropóloga da saúde.
– Na verdade, a quarentena rígida só aconteceu no papel, no discurso. Pelo modo como vive a sociedade peruana, não dava para cumprir sem um comprometimento maior do Estado em apoiar essa população – apontou.
O Peru teve um pico de casos no fim de maio, logo depois da primeira flexibilização, chegando a 8.800 infecções em um dia. Ao longo de junho e início de julho o número diário de novos casos caiu para pouco mais de 3.000 – na última semana voltou a subir e a ultrapassar os 4.000.
A região de Arequipa é a nova preocupação das autoridades e, nesta terça-feira (21), o Ministério da Saúde alertou para uma possível intervenção na cidade, com o envio do Exército para ajudar na ampliação de hospitais.
O retorno dos voos internos era esperado ansiosamente pelo setor do turismo, que está parado desde o começo da pandemia.
– Ainda que não possamos abrir para os estrangeiros, o turismo interno pode ajudar a recuperar parte da nossa estrutura hoteleira, gastronômica e de cassinos. Também queremos investir nos encontros comerciais, que movimentam os hotéis – diz Carlos Canales, diretor da Câmara Peruana de Turismo.
Os voos internacionais ainda não têm data para serem normalizados, e o governo informou que uma nova avaliação deve ser feita em agosto.
Já o Chile apostou inicialmente em uma quarentena vertical, a partir de 18 de março. Com a piora nos números, porém, o governo se viu obrigado a determinar um “lockdown” total em 13 de maio para a região metropolitana de Santiago.
O principal pico de casos no país aconteceu em meados de junho. Desde o último dia 14, porém, o Chile vem registrando uma média de cerca de 2.000 diários.
Assim a situação, antes dramática, começou a melhorar. Segundo dados oficiais, o sistema de saúde da capital chegou a colapsar, mas agora a taxa de ocupação das UTIs está em 67%.
– Tivemos cinco semanas de melhora, o que nos permite iniciar uma nova etapa, de modo muito gradual e flexível – disse Piñera, na última sexta.
As primeiras etapas de desconfinamento ocorreram na região sul do país, que foram menos atingidas.
A primeira fase libera o trânsito de todas as pessoas que não integram grupos de risco e permite a retomada de parte do comércio e da indústria. Uma segunda fase, ainda sem uma data definida, permitirá o retorno de quase todas as atividades, mas com protocolos de higienização dos espaços de trabalho.
No Chile, a pandemia acabou gerando também uma crise política que debilita ainda mais Piñera, que vinha enfrentando meses de manifestações populares.
Nesta quarta-feira (22), o Senado votará a proposta que permite o saque antecipado de 10% dos fundos de pensão. A proposta, da oposição, foi aprovada na Câmara dos Deputados na semana passada. No Senado, além dos votos da oposição, deve receber ainda os de quatro senadores da aliança governista.
– Piñera terá, ainda, um poder de veto nisso, se quiser. Porém, se o fizer, será terrível para sua imagem, e justamente com a classe média, que foi quem mais saiu às ruas em 2019. O sistema de pensões privadas são o pilar do neoliberalismo chileno. Se a oposição conseguir passar essa legislação, vai ser o começo do fim desse projeto – diz o analista político Guillermo Holzman.
Além disso, o governo chileno tem enfretado ainda novas manifestações e há uma onda de saques a supermercados e farmácias – o sistema para distribuição de benefícios durante a pandemia não alcança todo o mercado informal, de 29,6% da população.
– A única alternativa de Piñera para evitar esse avanço e uma possível explosão popular é distribuir dinheiro de modo mais eficiente. O que a pandemia está expondo é a desigualdade que já sabíamos que existia no país, mas que hoje gera um problema trágico – afirma Holzman.
No meio disso tudo, o país ainda vive um clima pré-eleitoral. Isso porque está marcada para 25 de outubro a votação para escolher os integrantes que vão participar da nova Assembleia Constituinte.
*Sylvia Colombo/Folhapress
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