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Bertine Bahige teve vida mudada após conflitos na República Democrática do Congo

Ana Luiza Menezes - 03/01/2019 19h43 | atualizado em 04/01/2019 09h32

Bertine Bahige Foto: ACNUR/Cynthia Hunter

Em Bukavu, na República Democrática do Congo, Bertine Bahige estudava muito para se tornar médico. Aos 13 anos, ele já tinha toda a sua vida planejada. Mas tudo mudou no dia em que o grupo rebelde Mai Mai invadiu sua cidade no leste do país, indo de casa em casa para sequestrar jovens que deveriam integrar suas forças armadas.

Em entrevista à Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), ele lembrou que aquele foi o momento mais difícil de sua vida.

– Olhar nos olhos dos seus pais e saber que você está prestes a se separar completamente de tudo que já conheceu na vida – contou o congolês.

Bertine passou dois anos em cativeiro. Ao longo daquele período, ficou horrorizado com a forma como as crianças espalhavam o terror entre si. O jovem não conseguiu suportar a violência e decidiu fugir.

– Eu sabia que poderia ser o fim, mas eu não podia perder a oportunidade – relatou.

Ele viajou por milhares de quilômetros. Cruzou o lago Tanganica no barco de um pescador, que foi solidário e permitiu que ele embarcasse de graça. Escondeu-se na traseira de um caminhão cheio de peixes secos. Durante três dias, isso foi tudo o que Bertine comeu.

Exausto, Bertine desmaiou embaixo de uma árvore. Quando acordou, se viu rodeado de pessoas que falavam uma língua que ele não entendia. Ele tinha chegado a Moçambique, onde por cinco anos, o jovem morou no campo de refugiados de Maputo, administrado pela ACNUR.

DE OLHO NO FUTURO
Após meia década de estadia no acampamento, o refugiado congolês começou a se preocupar com o futuro de sua educação, pois não existia ensino médio no local. Após algumas entrevistas, Bertine foi informado de que ele seria encaminhado para um programa de reassentamento, mas o menino não tinha certeza sobre o que isso significava.

Em 2004, Bertine desembarcou em Baltimore, no estado de Maryland, nos Estados Unidos. Seu primeiro trabalho em solo americano foi no Burger King, onde começou jogando o lixo fora e, depois, tornou-se caixa.

– Eu sempre me desafiei para conquistar novas coisas. Me foi dada a chance de viver uma vida nova e eu queria aproveitar o máximo possível – afirmou.

Bahige se casou e se tornou pai de dois filhos Foto: ACNUR/Cynthia Hunter

NOVO TEMPO
Trabalhando em três empregos diferentes ao mesmo tempo, Bertine ingressou na faculdade comunitária da cidade e nunca perdeu uma aula. Como ele não tinha carro, percorria quase dez quilômetros de bicicleta para chegar às aulas noturnas.

O então universitário foi tão bem no curso que conseguiu uma bolsa de estudos para a Universidade de Wyoming. Foi então que o jovem conheceu sua esposa e, depois de se formar em Matemática, tornou-se professor de ensino médio em Gillette. Hoje, com 38 anos, ele tem dois filhos e é o diretor da Escola de Ensino Fundamental Rawhide.

– Este país deu a chance para alguém que não tinha nada e me deu bênçãos para ser quem sou”, afirma o docente. “Eu vejo como meu dever cívico e minha responsabilidade retribuir essa oportunidade – declarou.

O ex-refugiado compartilhou sua história nas Nações Unidas Foto: ACNUR/Andrew Kelly

Ele compartilhou sua história nas Nações Unidas, em Nova Iorque, em apoio ao novo Pacto Global sobre Refugiados. O acordo tem como objetivo fortalecer a assistência aos refugiados e aos países que os abrigam. Entre as soluções propostas para crises de deslocamento forçado, o documento recomenda mais oportunidades de reassentamento, como foi o caso de Bertine.

– Há um mal-entendido sobre quem são os refugiados e o que eles estão pedindo. Tudo o que os refugiados pedem é uma oportunidade. Às vezes, nós olhamos para isso como ‘quanto isso vai me custar?’ Mas nós falhamos em olhar pelo outro lado. O que os refugiados podem trazer? Como eles podem enriquecer nossa comunidade? – avaliou congolês.

APOIO A OUTRAS PESSOAS
Por conta do que viveu quando criança, Bertine gosta de trabalhar com jovens em situação de vulnerabilidade. O africano é capaz de se conectar com eles num nível mais profundo do que um professor regular.

– Eu entendo de onde eles vêm, o que é não ter comida, pensar que é você contra o mundo todo, não entender inglês. Mas eu também entendo que é uma oportunidade para mostrar a eles que eu os entendo, que vamos trabalhar juntos, passo a passo, e que eles podem realmente ter sucesso – explicou.

Seus ex-alunos muitas vezes voltam, pedindo conselhos ou ajudando o antigo professor em algum problema. Nas mídias sociais, os discentes são seus maiores apoiadores e sempre compartilham comentários incríveis sobre o mestre.

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