Cristiane Daciolo: “Concentrei na cura da leucemia”
Especial Mulher: Esposa de Cabo Daciolo fala do tratamento, da vaidade feminina, dos médicos e da família, no processo contra o câncer
Virgínia Martin - 06/03/2020 13h00 | atualizado em 06/03/2020 17h51









Cristiane Daciolo, esposa do ex-candidato à Presidência da República, Cabo Daciolo, tem se mostrado uma mulher forte em muitos aspectos. Na campanha do marido, ela coordenava as estratégias de comunicação, o que fez com que Daciolo alcançasse ótima posição, acima de nomes como Marina Silva e Henrique Meirelles. Há 20 anos ao lado do marido, a carioca Cristiane sempre fez tudo funcionar, cuidando de todas as demandas de trabalho e da família, e ainda estudando Jornalismo aos 47 anos.
Até que um dia, a notícia de que estava com leucemia fez com que a vida de Cristiane mudasse completamente. A mulher inteligente, articulada, destemida e cheia de simpatia e de fé em Deus, precisou enfrentar um sério tratamento para o pior tipo de câncer no sangue, o LLA [leucemia linfoide aguda]. A confirmação chegou no dia em que os dois faziam aniversário de casamento. Cristiane foi ao hospital por causa de uma dor no estômago, apresentou um quadro anormal de plaquetas e soube da doença.
A partir de então, a mãe de três filhos atravessou uma longa fase de sofrimento e aprendizado, que ela compartilhou com Pleno.News em sua própria casa. Com 15 quilos a menos, Cristiane continua simpática, cheia de vida e de fé. Teve o privilégio de receber a transfusão de medula do irmão e hoje pode falar sobre tudo o que viveu e de como outras mulheres podem agir e reagir diante de uma doença como essa.
O que aconteceu com a Cristiane Daciolo no ano de 2018?
Simplesmente, puxaram meu freio de mão. Fiquei um ano afastada, internada por sete meses. Praticamente morei no hospital. O diagnóstico da leucemia foi como um pulo de body jump. E eu sempre tive pânico de altura.
Como foi sua reação ao saber do diagnóstico e também a de Daciolo, seu esposo?
Ele se apavorou. Minha filha também ficou descontrolada. Mas eu fiquei serena. Não tive medo de nada. A única coisa que perguntei para a médica foi: “Qual é minha perspectiva de vida?”. Porque sempre gostei de organizar tudo. Eu queria saber que caminho seguir. Ela falou: “Essa leucemia que você tem é a mais severa”. Mas me disse que a probabilidade era de 50% de vida e 50% de morte.
Eu estava decidida a focar no campo de ter 50% de chance de sobreviver
Naquele momento, eu segurei na mão de Deus e falei: “Senhor, eu creio em Ti” e pulei de body jump. Coisa que eu jamais faria na vida real. E soube que já enfrentaria a primeira quimioterapia no dia seguinte porque a leucemia é uma doença agressiva e rápida. Mas eu estava decidida a focar no campo de ter 50% de chance de sobreviver.
O que fez você descobrir a doença?
Fui para o hospital por causa de uma dor no estômago. Quando fizeram o exame, viram minhas plaquetas. Eu estava com 14 mil de plaquetas. Uma pessoa neste estado já está sangrando pelo nariz e gengiva e estaria muito fraca. Eu estava normal. Mas veio o diagnóstico. E fui internada no dia 22 de dezembro de 2018.

Quais foram seus principais suportes de apoio?
Um pilar, uma sustentação, faz diferença na sua vida. Primeiro em Deus e, segundo, com um bom companheiro. Eu já não tinha mãe nem pai, só um irmão, homem, morando longe. E o Daciolo fez toda diferença. Eu não dormi nenhuma noite sozinha. Desde minha internação em dezembro até minha saída em julho, ele sempre dormiu comigo no hospital, sem exceção. Ás vezes, minha filha ia dormir lá, mas ele dormia também. No CTI, ele nem podia ficar, mas ficou. Colocou uma cadeira de praia lá e ficou por cinco dias e não saiu de perto de mim. Durante o dia ele vinha aqui (em casa), via as crianças, via com a minha sogra o que tinha que resolver e voltava para o hospital.
E o que mais motivou você a lutar?
Eu tenho muita sede de viver. Eu amo a vida, gosto muito de estar entre meus filhos, aquela coisa de abraçar, fazer comida, colocar a mesa, estar todo mundo falando. Sou apaixonada por isso e isso me deu muita força de falar: “Eu tenho que voltar!”
Só que eu via meus filhos murchos. Por mais que estivessem com a avó, com um tio muito querido, era diferente. Eles foram pouco lá no hospital, porque eu não podia receber visita. Fiquei verdadeiramente em isolamento, sem receber visita de ninguém. Meus filhos iam me ver uma vez por mês. E todo mundo entrava com roupa especial, envelopados, sem a gente poder se abraçar.
Fale sobre suas transformações como Cristiane.
Deus fez transformações em mim que, talvez, se eu não passasse por isso, eu não iria mudar. Eu era uma crente, não prepotente, mas que “me achava”. Tinha um pouco disso. Achava que era uma mulher de Deus que fazia a vontade de Deus. Mas, e aí? E as desavenças e os arranhões, como que eu ia fazer? E Ele me melhorou. A cura da leucemia foi verdadeiramente uma melhora da Cristiane como ser humano.
Sei que sou falha e pecadora, mas hoje eu me sinto uma mulher melhor
Eu me tornei mais quebrantada, com muito mais amor. Hoje tenho muito mais amor e gratidão para com tudo e para com todos. Tenho um coração muito mais manso, porque eu era muito explosiva. Deus aparou minhas arestas. Não para me colocar perfeita, porque perfeito só Deus. Sei que sou falha e pecadora, mas hoje eu me sinto uma mulher melhor. Pronta para ajudar, pronta para deixar de fazer qualquer coisa que eu tenha que fazer no mundo para socorrer alguém.
E peço que Deus me capacite fisicamente, pois ainda estou debilitada, para que eu possa fazer muito mais. E eu sei que Ele vai me usar muito. Ele vai me usar de eu estar aqui, de manhã, pensando em alguém, e vai me fazer levantar e ir até aquela pessoa, e dar um abraço, uma palavra, um conselho de Deus e ajudar. Eu tenho essas revelações, esses sonhos, e eu só oro. E eu estou muito feliz por isso, muito mesmo.
E como mulher, como foi se despir de vaidade, ter seu corpo afetado, desde o cabelo até os pés?
É até engraçado, porque isso me afetou zero. Eu era uma pessoa muito vaidosa, não deixava de fazer minhas unhas, meu cabelo estava sempre escovado, gostava de me arrumar bem, estar sempre bonita, fazia atividade física. Sempre fui muito vaidosa. E a leucemia te deixa a mulher mais feia do mundo. Eu tenho fotos que você vai olhar e dizer: “Meu Deus! Não é a Cristiane!”
Esta doença deixa você uma caveira ambulante. As enfermeiras me davam banho e me levavam para a cama. Sua unha e sua pele ficam um bagaço. Você fica careca. Mas isso não me afetou em nada. Hoje não tem mais nada disso. Eu pinto o cabelo porque fico enjoada da minha cara. Minha filha é bem loira porque ela pinta. Então, falei para ela: “Me dá esse resto de tinta” e pintei o cabelo de claro e fiquei bonitinha. Eu mesma corto meu cabelo. Talvez mude a cor novamente.
A leucemia te deixa a mulher mais feia do mundo
Eu emagreci 20 kg, depois recuperei 5. Hoje estou com 15. Bem mais magra do que eu era. Para sentar, dói, porque tem aquele ossinho que incomoda (risos). E você tenta se ajeitar de um lado para o outro. Hoje eu faço maquiagem, ajeito o cabelo, mas nada como era antes. Tem dias que estou com vontade de me arrumar e tem dias que eu não estou e saio assim mesmo.
O que diz para mulheres que, como você, tiveram que passar por essa desconstrução?
Para muitas mulheres, ficar careca abala muito o emocional. Mas isso não mexeu nada comigo. Quem passa pelo câncer fica com aquela cara amarelada, fica sensível, sem sobrancelha, sem pelo nenhum no corpo, fica igual a um mutante. Eu aconselho que essas mulheres foquem na vida. Porque tudo passa. O cabelo cresce, você vai poder fazer as unhas depois, vai poder fazer uma maquiagem, vai poder voltar a malhar… Eu não me abalei porque não foquei no que perdi, mas no que ia ganhar no futuro: minha vida.
Até o cabelo, quando puxei e vi que caiu um tufo na minha mão, decidi cortar. Falei: “Vou fazer um corte”. Depois, fazia outro. Até que fiquei com o cabelo curtinho. Certa vez, o médico me liberou para ficar cinco dias em casa. Ninguém sabia. Quando me viram chegar com aquele cabelinho horroroso, cheio de buracos, eu disse: “Vocês agora têm uma missão, raspem a minha cabeça”. Todo mundo raspava um bocado. Minha cabeça era branquinha porque eu não pegava sol. Minha pele descamou, ficou escura. Tive pneumonia por duas vezes.

E eu fiquei igual a um ciborgue. Eu me achei linda! Eu me achava uma guerreira, sabe? “Caramba, estou igual a uma guerreira, sem pelo nenhum!”. Fiquei um ano careca. E meu filho, que tinha um cabelo black, raspou todo seu cabelo também. Daciolo também raspou a cabeça. E aquilo foi muito emocionante. Aquele ato do meu filho foi lindo. Porque o Daciolo, como militar, sempre raspava. Mas meu filho, com 13 anos, tinha um cabelo cheio de cachinhos que ele adorava e meteu a máquina. Quando vi, não conseguia parar de chorar. Foi o maior ato de amor.
Eu não me abalei porque não foquei no que perdi, mas no que ia ganhar no futuro: minha vida
Então, eu digo para as mulheres se desgarrarem da vaidade. Não adianta querer ser vaidosa quando você está tratando um câncer. Esquece. Pula essa página da vaidade. Concentre-se na cura! Você tem que obedecer os médicos, você toma os medicamentos, você vomita, seu paladar muda. Cheguei a ficar três meses sem comer nada porque eu não conseguia nem mesmo engolir minha saliva. Eu ficava só no soro e na alimentação intravenosa. Tinha feridas na boca que doíam muito e ainda fiquei tomando morfina. Dá muito enjoo, mas eu preferia vomitar do que ficar com aquela dor. Mas eu me concentrei 100% na minha cura. Eu não pensava em outra coisa. Só em sair dali com a minha cura. “Estou com dor, mas vai melhorar”.
E sobre o suporte médico?
Eu quero declarar o meu amor ao Dr. Renato, um médico muito otimista, que domina muito o que faz. Atua como responsável por toda Rede D’or e ainda trabalha coordenando o setor de TMO (Transplante de Medula Óssea) no INCA. E sei que ele fica muito entristecido porque muitos morrem de leucemia no INCA porque a medicação não chega. Ele vê uma pessoa que tinha 100% de possibilidade de cura passar a definhar e morrer, sem que ele possa fazer nada, sendo um dos melhores médicos do Brasil em transplante de medula óssea. Sempre entrava sorridente no quarto e transmitia esperança.
Meu filho e Daciolo também rasparam a cabeça
Tive um ótimo relacionamento com a equipe: Drª Renata Lírio, Drª Ana Carolina e Dr. Renato Castro, que era o chefe. Amo todos. Sempre me trataram com muito amor, muito carinho, muita responsabilidade. Mas Dr. Renato fez muita diferença na minha vida.

Na Enfermagem , passamos a ser muito próximas. E algumas pediam que eu orasse por elas. Eu estava sempre ouvindo um louvor, lendo a Bíblia. Vivi uma relação de família, já que fiquei tanto tempo lá. Fizemos uma relação forte de amizade. Quando eu estava com muita dor, as enfermeiras já sabiam, pois eu sou muito falante e quando ficava calada, elas zelavam por mim e me abraçavam. Todas elas, sem exceção. Tudo isso me meu suporte e me fortaleceu. Era uma troca de amor.
E como é a Cristiane hoje em casa?
Eu sempre fui meio general. Tinha que estar tudo perfeito. Meus filhos tinham que fazer como eu queria. E mudei isso. Hoje eu só quero saber de estar com eles. Falo que eles só têm um compromisso, que é de estudar e passar de ano. É a única coisa que eu ponho de regra. De resto, eu quero estar com eles, andar com eles, estar de mãos dadas, abraçar, ir junto, estar junto e a gente tem uma troca muito legal com isso.
A gente tem que aproveitar enquanto a gente tem a pessoa. Porque uma hora todo mundo vai. Quando chega a hora, não tem jeito. Não tem idade, não tem endereço. Então, vamos nos abraçar. Ontem eu estava aqui em casa com dor e só pedi ao Daciolo para ficar do meu lado. Ele segurou minha mão e aquilo me energizou.
E sua relação com Deus?
Minha relação com Deus infinitamente triplicou. Isso não tem nem dimensão. Hoje eu me sinto mais fortalecida em Cristo, me sinto até mais usada, com mais força em Cristo, com as coisas que eu oro, que eu peço, eu obtenho respostas. Eu me neguei ainda mais para o mundo a fim de viver as coisas espirituais. Os propósitos que eu tenho com Deus, que eu coloco aos pés de Cristo, eu tenho respostas, soluções e, antes, nem sempre eu tinha.
Como foi encontrar um doador de medula?
Meu irmão Marcelo Dutra, que é pastor, era 100% doador, foi compatível. Meu transplante aconteceu no dia 30 de abril. E eu não tive rejeição a nada.

Você está curada, certo?
No início, quando recebi alta, em julho, eu ia duas vezes por semana. Você é internada, faz todos os exames, vê se está precisando de alguma coisa. E no início sempre precisa de plaqueta. Aí você repõe e o médico manda você ir embora ou te interna, dependendo do resultado do exame. Depois você volta uma vez por semana para fazer a mesma coisa. Depois, de 15 em 15 dias.
Eu estou na fase de 15 em 15 dias. Eu sou internada, faço exames. E são dois anos para que você receba alta desse cronograma. Depois você retorna de mês em mês, de dois em dois meses. E as visitas ao hospital vão espaçando. A alta mesmo, 100% de cura, acontece depois de cinco anos. Mas com dois anos você está praticamente 100% com remissão. É praticamente impossível, para eles, essa doença voltar.
Que igreja você frequenta?
Sempre fui da Bola de Neve. Eu me batizei na Bola de Neve. E por quê? Acho que ela tem a minha cara. Eu me identifico com esta igreja. A Bola de Neve é uma igreja que não critica pessoas e não age de forma a fazer com que as pessoas abandonem a igreja.
Você tem dado palestras, testemunhos?
Ainda estou muito inchada. Meu corpo recusou as vacinas. Minha imunidade ainda está muito baixa como a de um bebezinho. Então, seria preciso ir com máscara. Mas eu quero ir sem máscara. Eu fui na Bola de Neve e na igreja do meu irmão sem máscara.
Mas, estou aberta para, se Deus tocar no meu coração, ir até onde ele quiser. Ele vai estar me blindando de qualquer coisa. Mas é muito chato você ir em uma igreja, a pessoa querer te abraçar e você saber que não pode abraçar. E tem semanas em que estou muito bem e sem dor. Mas há outras em que estou muito mal.

É verdade que você ama cozinhar?
Sim! Adoro cozinhar. Gosto de ir ao mercado e ao hortifruti para escolher os ingredientes. Eu amo fazer isso, é o meu lazer. O que eu mais gosto de fazer dentro da casa é cozinhar.
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