Covid: Enfermeira cristã relata a luta entre a fé e o prognóstico
Profissional de UTI covid-19 conta os desafios de quem atua na linha de frente do combate à pandemia
Monique Mello - 15/03/2021 19h42 | atualizado em 16/03/2021 10h53

Thalita Pauletto é mestre em saúde do idoso, especialista em enfermagem cardiovascular e, atualmente, a enfermeira responsável por uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital particular de Cuiabá (MT).
Trabalhando no combate à covid-19 desde o começo da pandemia, em março de 2020, ela viu sua vida ficar restrita à profissão que tanto ama. Em um ano, perdeu pacientes e amigos para a doença. Por vezes, fica dividida entre ter fé ou encarar a realidade dos prognósticos clínicos.
TALENTO EM PAUSA
Thalita conta que a experiência prática com a enfermagem, além do período de residência, veio durante a pandemia.
– É a primeira vez que trabalho como responsável de uma UTI. E tem sido muito difícil! A minha vida se resumiu a ser enfermeira. As possibilidades de sair de casa se reduziram a trabalho, farmácia e mercado – explica ela.
Recentemente, ao participar de um culto religioso presencial, Thalita notou o quanto sente falta de usar aquele que considera seu maior talento dado por Deus: cantar.
– Quando vi as meninas cantando, me deu muita saudade de fazer o mesmo na igreja. Fui cantando junto com elas e fiquei me perguntando: será que ainda sei cantar? – emociona-se.
A enfermeira relata que, desde muito pequena, a música ocupa um lugar especial na vida dela e da família.
– Eu amo cantar! É o meu talento dado por Deus. E tem feito falta a mim como cristã e como mulher, porque essa é uma das formas com que me sinto útil na minha comunidade – afirma.

FÉ VERSUS PROGNÓSTICOS
Desde que a pandemia começou, Thalita revela que as pessoas a veem como uma referência e é comum a procurarem para saber o que fazer diante de um diagnóstico de covid-19.
– Me pedem ajuda principalmente quando um familiar está hospitalizado. “Você pode ver como ele está? Fala com o médico para mim? Será que não temos outras opções?”, me perguntam.
Embora saiba da importância da sua profissão, confessa que por vezes esse fardo é muito difícil de carregar.
– Então me questiono: será que devo ter fé ou encarar a realidade de um prognóstico clínico? Eu sei que a nossa fé precisa ser maior do que o que a gente vê. Mas nós, profissionais de saúde, vemos tanta coisa que é natural a fé ficar abalada – reflete.
E são nessas ocasiões que ela clama a Deus por um milagre, mesmo quando sabe que o paciente está em estado grave.
– Às vezes, esse milagre não acontece, e vem a fatalidade. Nesses momentos a Thalita enfermeira e a Thalita cristã entram em um embate doloroso. Contudo, eu tenho uma equipe que depende de mim, pacientes que dependem de mim, a minha família que está preocupada com meu trabalho, e eu preciso ser mais forte do que consigo – enfatiza.
Será que devo ter fé ou encarar a realidade de um prognóstico clínico?
– A gente até aprende a ser forte, mas é muito difícil quando perdemos um paciente jovem, uma gestante ou dois pacientes em um plantão de apenas 12 horas, ou quando precisamos fazer massagem cardíaca até as nossas costas doerem. Será que fiz tudo o que devia? Será que devia ter me antecipado, ter gritado? O que eu poderia ter feito de diferente?
A enfermeira crê que, diante desses desafios, sua fé faz a diferença e lhe dá a tranquilidade de agir em momentos delicados, como o de uma intubação.
– Sou eu que converso com o paciente antes desse procedimento e explico: “Agora o senhor vai dormir e não vai sentir nada. Quando o senhor acordar, eu estarei aqui”. No entanto, às vezes esse paciente não acorda mais. E aquele último olhar de medo fica comigo na minha cabeça […] É meu trabalho preparar o corpo e fechar aqueles olhos pela última vez. Sou eu que chamo a família, que dou a notícia à mãe, à esposa, ao filho. Sou eu que arrumo e entrego os pertences e que faço a identificação daquele corpo – detalha emocionada.

Apesar do abalo e da tensão, é justamente acreditar em um futuro melhor que faz com que ela consiga reorganizar os pensamentos e seguir em frente.
– A minha fé me faz confiar que esse é o desígnio de Deus e que eu posso ser instrumento dele nessas ocasiões. Então eu procuro abençoar os pacientes, as famílias e espero poder abençoar aqueles que ainda virão à minha mão para eu cuidar – complementa.
Às vezes, esse paciente não acorda mais. E aquele último olhar de medo fica comigo na minha cabeça
Para a enfermeira não há alegria maior do que dar alta a um paciente.
– Faço [isso] com muito prazer! Ele ganha a plaquinha escrita “Venci a covid-19”, vai para casa, e uma parte dele vai comigo, porque eu participei e contribuí para o processo de cura. É quando meu coração aquece! Entre perdas e ganhos, a gente vai andando a cada dia e esperando que isso acabe! – desabafa.
Infelizmente, a pandemia ainda não acabou! Por isso, ela reforça que agora é momento de se cuidar e ter fé.
– Busquem informações em canais oficiais, evitem aglomerações, usem máscaras, mantenham os ambientes arejados e saiam apenas para o necessário. Façam tudo o que puder para se proteger e proteger os seus – orienta.
A minha fé me faz confiar que esse é o desígnio de Deus e que eu posso ser instrumento dele nessas ocasiões
MARÇO – MÊS DA MULHER
Neste Mês da Mulher, Thalita almeja apenas dias melhores, ter os sonhos realizados e que possa voltar a cantar em breve. Deseja ainda que as mulheres tenham o direito de escolha.
– Que as flores e presentes não venham somente no Dia da Mulher, porque a gente gosta de ganhar flores, de ser amada, valorizada, de ouvir coisas bonitas e que sejam verdadeiras. Que tenhamos mais mulheres no poder e que nos defendam de verdade. Que a Lei Maria da Penha seja real e que as mulheres se sintam seguras e acreditem que a Justiça existe. Que consigam ajuda sempre que precisarem! – enfatiza.
E reforça:
– Eu estou à disposição se alguma mulher necessitar de ajuda psicológica ou material. Que, como mulheres, possamos ser uma comunidade e nos ajudarmos, pois nenhuma mulher merece ter marcas de agressão no corpo, no rosto ou na alma.
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