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Após desistência da Boeing, Embraer quer compensação

Empresa americana cancelou a compra da empresa brasileira

Pleno.News - 25/04/2020 16h15

Boeing desiste de comprar a Embraer Foto: Agência Brasil/Antônio Milena

A compra da área de aviação civil da Embraer pela Boeing, maior negócio aeroespacial da história brasileira, foi cancelado. O noivado iniciado em 2017 acaba como um divórcio litigioso, com a fabricante paulista acusando a gigante americana de deslealdade e prometendo ir à Justiça.

O anúncio foi feito na manhã deste sábado (25) pela empresa americana, que afirmou ter rescindido o contrato porque a fabricante brasileira não teria cumprido todas as suas obrigações para executar a separação da sua linha de aviões regionais.

No começo da tarde, a Embraer divulgou nota acusando a Boeing.

“A Embraer acredita firmemente que a Boeing rescindiu indevidamente o MTA (Acordo Global da Operação) e fabricou falsas alegações”, diz o texto.

O fez, segundo a nota, “como pretexto para tentar evitar seus compromissos de fechar a transação e pagar à Embraer o preço de compra de U$ 4,2 bilhões (R$ 23,5 bilhões na sexta)”.

“A empresa acredita que a Boeing adotou um padrão sistemático de atraso e violações repetidas ao MTA, devido à falta de vontade em concluir a transação, sua condição financeira, ao 737 MAX e outros problemas comerciais e de reputação”, afirma a Embraer, que disse ter cumprido todas as condições necessárias para o negócio.

Por fim, a fabricante brasileira afirma que irá tomar “todas as medidas cabíveis contra a Boeing pelos danos sofridos como resultado do cancelamento indevido e da violação do MTA”.

O próprio CEO da empresa, Francisco Gomes Neto, gravou um vídeo dando essa versão dos fatos.

– Vamos buscar compensação – disse.

Na gravação, ele afirma que “lamenta a decisão”, mas que a Embraer já superou crises no passado.

– Seguimos firmes e fortes – afirmou.

As dificuldades financeiras da Boeing citadas são conhecidas, embora a empresa negue que sejam o motivo da rescisão.

São uma crise interna, com a paralisação da produção do best-seller 737 MAX por problemas técnicos que geraram acidentes fatais, e a queda de demanda mundial de aeronaves pela pandemia do novo coronavírus.

Como há discussões nos EUA sobre ajuda federal à empresa, politicamente seria complicado explicar o dispêndio com a Embraer caso venha a receber dinheiro de contribuintes americanos.

A crise da Covid-19 desvalorizou brutalmente a Embraer também, levantando dúvidas sobre o preço a ser pago pela brasileira.

As empresas tinham até a meia-noite desta sexta (24) para fechar o acordo em termos técnicos. Isso não ocorreu.

– A Boeing trabalhou diligentemente nos últimos dois anos para concluir a transação com a Embraer. Há vários meses temos mantido negociações produtivas a respeito de condições do contrato que não foram atendidas, mas em última instância, essas negociações não foram bem-sucedidas – disse Marc Allen, presidente da Boeing para a parceria com a Embraer e operações.

Segundo ele, “é uma decepção profunda”. Allen não detalhou quais seriam os itens não cumpridos pelos brasileiros.

Segundo negociadores do lado da Embraer, desde que a crise da Covid-19 se agravou, havia sinais de que os americanos poderiam cair fora do negócio.

Segundo esses negociadores, detalhes mínimos do contrato foram elevados, do dia para a noite, ao patamar de problemas insolúveis.

A nota de Allen responsabilizando a Embraer foi a gota d´água, sendo recebida com extrema irritação pela cúpula da empresa brasileira.

Eles também levantam a hipótese de que a americana quis evitar pagar as multas contratuais estimadas em até US$ 75 milhões (R$ 420 milhões nesta sexta) por conta de uma desistência.

Com isso, a crise deverá escalar, muito provavelmente na Justiça. A dureza inusual no mundo dos negócios da nota da Embraer reflete essa disposição.

Os americanos vivem uma crise dupla. A do 737 MAX é a maior da história da Boeing, mas o a pandemia dificultou ainda mais a vida da fabricante americana devido ao tombo na demanda do setor aéreo. Sua ação custava R$ 1.820 no último dia de 2019 e R$ 716 na sexta.

Já a Embraer está sob impacto da Covid-19, com adiamentos de entregas e revisão de pedidos. Sua ação nos EUA custava R$ 109 em 31 de dezembro passado e, nesta sexta, fechou a R$ 32,50.

Além disso, a União Europeia também complicava o negócio, sendo que seu órgão regulador era o último que faltava aprovar a tratativa -deixou a decisão para 7 de agosto, no que era visto por brasileiros e americano meramente como proteção à europeia Airbus.

A reavaliação da compra estava no radar da Boeing desde o começo da crise, conforme revelou o jornal Folha de S.Paulo no mês passado. Seja qual for a verdade sobre o caso, a implosão do negócio é um grande revés para ambas as empresas.

O negócio entre Boeing e Embraer começou a ser costurado em 2017, quando a maior rival da fabricante americana, a europeia Airbus, comprou a linha de jatos regionais C-Series, da canadense Bombardier.

A empresa é a maior rival da Embraer, ocupando o segundo posto no mercado regional. Com a absorção da linha, renomeada A220, os europeus passaram a ter uma aeronave num nicho em que não trabalhavam, contando com a enorme capilaridade comercial para vendê-la mundo afora.

Isso alarmou a Boeing e também a Embraer, que passou a contemplar opções para aumentar a sua escala de venda. Os americanos também precisavam urgentemente renovar sua área de engenharia, que vinha apresentando deficiências e lentidão em projetos antes ainda da crise do 737 MAX.

A coincidência de interesses levou ao negócio, que foi fortemente enquadrado pelo governo brasileiro, detentor então de uma ação especial (“golden share”) que lhe permitiria vetar qualquer tratativa. A ação era um resquício do processo de privatização da Embraer, em 1994.

Durante um ano, o Ministério da Defesa trabalhou com as duas empresas numa fórmula que contemplasse todos os envolvidos. Inicialmente, a Boeing queria comprar toda a Embraer, inclusive sua área militar e de aviação executiva.

Para evitar perder musculatura na decisão de projetos estratégicos, os militares acabaram favorecendo o desenho final. Nele, a Boeing levaria a área de aviação civil da Embraer formando uma empresa na qual teria 80% do controle, por US$ 4,2 bilhões.

E a área militar da Embraer ficaria com a empresa nacional remanescente, assim como o setor de jatos executivos. Além disso, uma joint-venture seria formada, com controle de 51% dos brasileiros, para a venda do cargueiro militar C-390.

A Boeing já faz parte da campanha de marketing internacional da aeronave, e vai manter essa parceria com a Embraer. O fim da joint-venture, contudo, atrapalha bastante os planos de alavancar a venda do cargueiro no mercado internacional -o C-390 seria a estrela do portfólio da nova empresa.

Outro problema para os brasileiros é de mercado, já que antes do acordo as previsões de analistas eram de que em talvez cinco anos a Embraer tivesse problemas de posicionamento na aviação civil se não estivesse integrada a uma das duas grandes cadeias aeronáuticas globais.

O acordo teve o beneplácito do Planalto sob Michel Temer (MDB) e foi ratificado por Jair Bolsonaro (sem partido) no começo de 2019.

O ano passado transcorreu tranquilamente, com a intrincada operação para desassociar parte das empresas, um processo chamado de “destrinchamento” internamente, sendo feito aos poucos. A Boeing o considerava praticamente pronto, mas havia questões em aberto.

A americana criou até um nome para a nova empresa, Boeing Brasil – Commercial, e montou escritório em São José dos Campos (SP), sede da fabricante brasileira.

Os acidentes com o modelo 737 MAX, que levaram à paralisação de produção e à queda do presidente da empresa, após ser o avião com mais encomendas (5.000) da história da Boeing, criaram uma incerteza enorme sobre a sua capacidade de investimento.

Com faturamento anual pré-crise na casa dos US$ 100 bilhões (R$ 560 bilhões), a Boeing poderia absorver a área comercial da Embraer sem problemas, de todo modo. Mas a chegada da Covid-19, que interditou o setor aéreo mundial, reduziu sua janela de manobras.

*Folhapress/Igor Gielow

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