Você se importa com violência doméstica e feminicídio?
Pleno.News inicia série sobre o tema que preocupa toda população com aumento de mortes e agressões contra mulheres
Virgínia Martin - 22/01/2019 14h36 | atualizado em 22/01/2019 17h56
O ano de 2019 já tem seu lamentável registro de casos de feminicídio. E os números não param de crescer. Só nos primeiros 11 dias deste ano, 33 mulheres foram vítimas desse crime. De acordo com o Atlas da Violência 2018, 13 mortes violentas de mulheres são registradas por dia. Elas morrem esfaqueadas, estranguladas, espancadas, baleadas… E mesmo após a criação da Lei do feminicídio em 2015, a violência não tem sido contida. A lei n 13.104 foi criada para endurecer a punição de criminosos.
O Brasil ocupa hoje o quinto lugar no ranking de feminicídio do mundo. Instituiu a Lei Maria da Penha (2006), a Lei do feminicídio (2015), o Projeto Violeta (2015). Criou campanhas de conscientização e disponibilizou o serviço Disque Denúncia 180. E os homens continuam matando, gerando uma epidemia maléfica na sociedade. Mas diante de um acumulado de índices e estatísticas, a atenção se volta para os questionamentos: o que faz um homem subjugar e matar uma mulher, seja por qual motivo for?
Políticas públicas também precisam combater a questão cultural da sociedade machista
O advogado criminalista e professor de Direito Penal Carlos Fernando Maggiolo traz uma explanação sobre a lógica comportamental para que homens continuem matando mulheres em crimes de ódio. Nesta análise, ele explica que é preciso sair do Direito Penal e entrar na Sociologia Jurídica. Porque não se pode querer editar leis penais que determinem normas de conduta para toda uma sociedade e querer que a sociedade se comporte de acordo com as expectativas da nova lei, sem que haja a adoção de políticas públicas voltadas a combater as verdadeiras causas desses crimes de feminicídio.
– Sempre houve uma incidência grande de feminicídio no Brasil – agora esses crimes ganharam um nome próprio e a imprensa vem denunciando implacavelmente – o que merece louvor – porque só assim conseguiremos com que o Estado adote as políticas públicas necessárias, ressalta Maggiolo, lembrando que estas políticas precisam também combater a questão cultural da sociedade machista. Ele destaca a cultura do homem como provedor da família, a honra masculina e todas as questões culturais que se contrapõem ao movimento de defesa da mulher.
Mas se há o arroxo das leis Maria da Penha, do Feminicídio, do projeto Violeta, do Disque Denúncia, como os crimes continuam crescendo? Maggiolo observa que há um choque entre as duras penas da lei e o comportamento social. Em sua opinião e experiência como criminalista, não se pode mudar comportamento por decreto. A própria Lei Maria da Penha ostenta uma pena mais rigorosa – reclusão de 12 a 30 anos. E não deu conta de diminuir as ocorrências de homicídios. O advogado ainda explica que a Lei Maria da Penha não endureceu as penas desses crimes de violência contra a mulher. Ela criou institutos processuais de proteção da mulher.
– O Disque-Denúncia, nesses casos, quando entra em campo, já é tarde. O vizinho preza pela imagem da família, os familiares também – e quando resolvem denunciar é porque já chegou na situação caótica. Se de um lado há que se agravar a situação penal desses criminosos, há que se adotar as políticas públicas de conscientização da população. O nome disso é educação.
Existem situações agravantes em que a pena do feminicídio pode ser aumentada em 1/3 ao tempo de reclusão. Se a condenação é de 15 anos de prisão, o preso pode cumprir 20 anos de detenção se tiver cometido o feminicídio no seguintes casos:
- Durante a gestação ou nos três primeiros meses posteriores ao parto;
- Contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos de idade;
- Contra uma mulher com deficiência;
A sociedade sofre com a ocorrência dos crimes pela falta de educação
É consenso comum que a transformação da população passe muito mais pela educação do que pela punição. O psicanalista e capelão prisional Rodrigo Cunha Silva trabalha há 14 anos como agente religioso da SEAP (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária) e se preocupa com o aumento de feminicídio no país. Observa que sempre existiu e agora ganha maior repercussão e persiste de forma quase desenfreada. Mas destaca que a sociedade sofre com a ocorrência dos crimes pela falta de educação. Exemplifica que até animais precisam ser educados, mesmo que tenham uma natureza agressiva.
– Até bicho pode ser educado, socializado. Boa parte dos feminicídios tem solução se, além das leis instituídas e penas desferidas, tivermos outros mecanismos de educação sócio-cultural. Precisamos, além de prender, educar. E, se necessário, ainda levar homens que tenham perfil agressor à um tratamento psiquiátrico, afirma Rodrigo que é também pastor e psicanalista clínico.
O lar é o lugar mais perigoso para uma mulher, aponta a OMS.
Para a Organização das Nações Unidas, a projeção é de que 70% de todas as mulheres no mundo já sofreram ou irão sofrer algum tipo de violência em algum momento de suas vidas. O estudo da OMS também apontou uma triste constatação: o lar é o lugar mais perigoso para uma mulher.
Como entender este fluxo de crescente violência? Acompanhe esta série do Pleno.News sobre feminicídio e violência doméstica nas próximas reportagens.
DE ONDE VEM O FEMINICÍDIO
Um homem não acorda em um dia e, de repente, decide que vai matar a companheira. Existe um processo que se inicia com um comportamento emocionalmente doentio. A postura cotidiana vai evidenciando a discriminação, a opressão, a desigualdade e a violência sistemática até a possibilidade do risco de morte contra a mulher. Trata-se de um crime de ódio que começa com agressões verbais e abusos físicos e sexuais. De forma covarde e brutal, inclui torturas e até mutilações. A própria Maria da Penha é uma referência, já que ficou em uma cadeira de rodas após agressões. portanto, a lei define feminicídio como “o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino”.
PROJETO VIOLETA
Funciona desde 2015 no Rio de Janeiro e é um exemplo de iniciativa no país, idealizado pela juíza Adriana Mello. Mobiliza Polícia Civil, Defensoria Pública e Ministério Público. O projeto tem o objetivo de acelerar todo o processo de garantia à proteção máxima das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Todo o trâmite judicial deve ser feito em cerca de quatro horas: a vítima registra o caso na delegacia, que o encaminha de imediato para apreciação do juiz. Depois de ser ouvida e orientada por uma equipe multidisciplinar do Juizado, ela sai com uma decisão judicial em mãos. O Projeto Violeta funciona no I Juizado de Violência Doméstica, no Palácio da Justiça, centro da cidade do Rio de Janeiro. Ganhou a 11ª edição do Prêmio Innovare.
CASA DA MULHER BRASILEIRA
Recentemente, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos determinou abrir a Casa da Mulher Brasileira em Brasília, parada há oito meses por interdição da Defesa Civil. O espaço foi criado para oferecer serviços especializados para os mais diversos tipos de violência contra a mulher, como acolhimento, apoio psicossocial, Defensoria Pública, treinamento para autonomia econômica, brinquedoteca para as crianças, alojamento de passagem. A Casa da Mulher Brasileira é uma inovação no atendimento humanizado às mulheres. Possui gestão compartilhada entre a União, os Estados e os municípios.
WOMAN RIGHTS BRASIL
O relatório global 2019 da ONG internacional Humans Rights Watch informou que o Brasil vive uma epidemia de violência doméstica. Com estudos registrados em documento, a pesquisa denuncia que há mais de 1,2 milhão de casos de agressões contra mulheres pendentes na Justiça brasileira. Outro alerta da ONG é sobre o abuso doméstico não notificado. Se em 2017, 4.539 mulheres morreram no Brasil (dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública), apenas 1.333 foram casos tipificados como feminicídio. O número real pode ser bem maior, pois a polícia não registra como feminicídio as ocorrências que não tenham motivação clara.
No Brasil, o DISQUE DENÚNCIA tem sido um dos canais para apoio, no resgate de vidas e no combate à violência doméstica. Trabalha para dar apoio emocional, prevenir agressões, punir o agressor e proteger a mulher agredida. Para pedir ajuda ligue para o número 180. E ainda para o número 100, um serviço do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O sigilo é absoluto.
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