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Festas de fim de ano podem aumentar casos de depressão

Sobre a chamada Síndrome do Fim de Ano, especialistas informam que respeito a essas pessoas em datas comemorativas é fundamental

Rafael Ramos - 19/12/2019 08h41

Nem sempre o Natal é sinônimo de festa Foto: Reprodução

Para a jornalista Ana Paula Magalhães, de 43 anos, a proximidade do final de ano não possui o sinônimo de festa desde que perdeu a avó próximo à noite de Natal. Diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada, caracterizado por preocupação constante, agitação e dificuldade de concentração, Ana Paula chegou a tentar o suicídio cinco vezes até iniciar um tratamento psiquiátrico. Durante as festas, ela até comparece à casa dos parentes, mas depois vai para casa onde assiste TV.

– Hoje em dia consigo identificar quando estou entrando em uma crise, mas tenho medo constante de ter outra e não ter para onde correr, já que as clínicas da família não estão funcionando direito. Tem dias que nem o medicamento eu consigo. Mas vou levando e tento me manter com a cabeça ocupada para não entrar em crise. Eu me cobro por tudo o tempo todo. Minha última psicóloga disse que também tenho a chamada “síndrome do impostor”, onde achamos que não merecemos as coisas boas e nos sabotamos para que aquela falsa verdade se torne realidade. Então me cobro por tudo, principalmente no fim de ano, quando sei que todos na família ficam falando que não ligo para família porque sempre estou ausente de todas as reuniões e festas – relatou ao Pleno.News.

Devido a crise no sistema de saúde, Ana Paula se trata à base de medicamento ou busca ajuda com os voluntários do Centro de Valorização da Vida (CVV). Ela conta que não consegue mais trabalhar fora e adotou o estilo home office devido à situação.

– Parece que este ano será o mais depressivo de todos, pois acho que nem reunião familiar terá. Muitos dos meus primos foram morar em outros estados e, com todos longe, quase não terá ninguém aqui. Então, meus planos é ficar em casa assistindo filmes e não deixar a cabeça pirar.

Casos como o de Ana Paula são comuns nessa época do ano. Chamado de Síndrome do Fim de Ano ou Dezembrite, o aumento dos casos de ansiedade e depressão acontecem do fim de novembro até o último dia de dezembro. Algo confirmado pela psicopedagoga Pollyanna Esteves de Oliveira, mestre em psicologia pela Universidade de Harvard e em psicologia positiva pela Universidade da Pensilvânia, ambas nos Estados Unidos.

– Muitas pessoas entram em depressão por ser uma época em que muitos estão felizes e, para as pessoas mais tristes com tendência à depressão, é como se todos estivessem “esfregando” a felicidade na cara deles, o que mostra ainda mais o quanto são infelizes. Eles sentem uma pressão e até uma descriminação por não serem tão felizes ou terem famílias numerosas e unidas ou não terem dinheiro para viajar ou participar de amigos secretos – explicou ao Pleno.News.

Pollyanna, que também é capelã diplomada pela Jethro Internacional, destaca que as pessoas precisam entender que cada um tem um ritmo e não se pode comparar um com o outro. Ela afirma que muita gente se enche de dívidas para poder presentear as pessoas e depois acabam com grandes problemas, inclusive com depressão, por causa disso. Em casos de luto, como relatado no início desta reportagem, ela aconselha a pessoa que passa por essa experiência a crer que quem partiu, com certeza, quer vê-la feliz e aproveitando a vida.

– Quem passa por isso não deve se cobrar ou achar que tem que estar super feliz, saltitante ou indo em todas as festas rápido. Ela precisa entender que todo mundo tem seu tempo e achar o balanço entre não se isolar do mundo, mas também respeitar seu momento e sentimento. A melhor maneira de manter essa pessoa viva é continuar vivendo com alegria e felicidade, cultivar as lembranças boas, que significam justamente que a pessoa que partiu foi amada e que você a amou.

Aumento de depressão no fim de ano é chamado de Síndrome do Fim de Ano ou Dezembrite Foto: Reprodução

Para a jornalista mineira Denise Aleluia, a data também tem um significado totalmente diferente do que é para a maioria. Morando há 18 anos em São Paulo, ela convive com a autocobrança por sempre se sentir culpada por não querer comprar presentes, ajudar a enfeitar a casa e fazer as comidas para as ceias. Denise se esforça para estar junto com todo mundo, mas não é sempre que consegue.

– Há muito, eu não curto esta época em decorrência de um frenesi que parece tomar conta das pessoas. Além dos shoppings e ruas lotadas que despertam uma certa agressividade nas pessoas, boa parte das conversas gira em torno de quais presentes vão comprar, quem tirou quem no amigo secreto e sobre o cardápio das ceias de Natal e Ano Novo. Tenho a nítida sensação de que os significados do Natal e a virada de ano se perderam, que é de estar em paz e fazer um balanço. Tento me blindar, me manter reservada, mas é quase impossível. Torna-se obrigatório entrar no “espírito do Natal”. Com níveis baixíssimos de serotonina, ficar alegre e descontraído é uma tarefa muito complicada.

Denise voltou a tomar remédios para enfrentar as crises e vai iniciar um tratamento terapêutico. Ela desabafa que sair da cama tem sido um verdadeiro sacrifício. Apesar de entender que a vida precisa continuar, ela afirma que não tem sido uma tarefa das mais fáceis.

– A família parece fechar os olhos e encarar como um comportamento típico e não uma doença. E sendo um “comportamento típico” sou taxada de chata e mal-humorada por não querer fazer parte. Há amigos que ajudam ouvindo, tentando animar. Mas, há um lance na vida do depressivo que nem todo mundo leva em consideração: não é fácil pedir ajuda. Sempre penso que tenho que resolver meus problemas sozinha e que não é legal incomodar os outros. Aí, acaba virando um ciclo vicioso: estou mal, mas não quero incomodar ninguém e acabo ficando mais mal ainda e mais fechada.

Com mais de dez anos de experiência clínica nas áreas de compulsões, fobias e ansiedade, a psicóloga Danielle Pinheiro explica que as redes sociais também são responsáveis por fortalecer essas emoções ruins durante os festejos, visto que as pessoas postam o que querem que pensem dela, o que nem sempre é a realidade. Danielle diz que é nessa época que as pessoas fazem uma avaliação de suas vidas e, caso não estejam como idealizaram, sentem a frustração de não verem seus planos concretizados.

– A melhor forma de lidar com qualquer sentimento é aceitá-lo e buscar identificar o que faz com que eles apareçam, qual é o disparador. Uma vez identificando os disparadores, a pessoa pode evitá-los para que não haja brigas ou mudando de ambiente ou de assunto. E assim que possível, buscar ajuda profissional porque isso é uma dica temporária, não é uma solução definitiva – comenta a psicóloga ao Pleno.News.

Danielle Pinheiro, que é mestre em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), frisa que o apoio dos familiares e amigos é muito importante, principalmente na forma de acolher. Em caso de perdas, o enlutado não deve ter os sentimentos negados. Além disso, a autoaceitação é o melhor caminho e, caso isso não ocorra, é sinal de um adoecimento emocional e a pessoa precisa procurar ajuda.

– A psicoterapia ajuda na ressignificação da perda por meio de organização mental e diminuição das sensações internas do enlutado. Além de identificar e reprocessar quais os fatores que favorecem o agravamento do luto e desenvolver novas formas de lidar com a perda de maneira mais adaptativa. Já a fé entra num lugar de explicar o que não tem explicação. Entregar algo que sentimos como maior que nós mesmos para uma força tão grande quanto nossa dor, diminui o sofrimento e dá significado à perda. Sempre lembrando que fé não é religião.

Psicóloga afirma que a autoaceitação é o melhor caminho para lidar com as dores no Natal Foto: Reprodução

O psicólogo Neemyas Kerr Batalha dos Santos, mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Maranhão, reforça que a fé tem contribuição essencial no luto já que envolve aspectos tão fundamentais da existência humana como a morte. Em relação à fé cristã, por exemplo, Neemyas explica que a mesma não busca evitar o luto, mas fornecer condições que protegem o coração do adoecimento.

– A tristeza tem uma função fundamental que é a de tornar o coração compreensivo – o que poderia ser comparado ao estado emocional da última fase do luto, isto é, a aceitação. Nesse sentido uma alegria fingida em uma festa de fim de ano é mais deplorável e miserável do que uma tristeza sincera. Se a alegria do espírito natalino não condiz com seu estado de espírito, não tente fingir algo que não é real. Não se proíba de se alegrar pelo medo de estar traindo a memória de alguém importante pra você. Uma das maiores formas de reconhecer e honrar a memória de uma pessoa querida é tornando esses momentos de festividade como marcos de recomeço – destacou.

Neemyas ainda orienta a pessoa a buscar o autoconhecimento e a percepção de sua própria trajetória emocional. Evitar o isolamento total e partilhar do sofrimento com pessoas íntimas e de confiança é algo que contribui bastante também.

– O isolamento é sempre algo ruim. Muitas vezes, as pessoas precisam ficar sozinhas, mas o isolamento é a quebra do laço social. Ainda que não haja festa ou celebração de Natal, isso não significa que você deva se isolar. Na literatura infantil encontramos a história do Grinch, que, por algum motivo pessoal não estava feliz, e tentou evitar que o Natal viesse para as outras pessoas. A alegria dos outros pode incomodar, mas roubá-la não irá fazer você se sentir melhor. Não se isole! Além disso, uma das melhores formas de ajudar a pessoa que passa por esse problema é simplesmente não cobrando. Já existe o senso de cobrança por parte dela que acredita que se sentir alegre é uma forma de traição e que leva muitas pessoas a se sentirem culpadas por festejar. Tudo tem seu tempo.

Evite ser como o Grinch, que tentou roubar a alegria das outras pessoas por não se sentir feliz Foto: Reprodução

Para Eliane Rodrigues Pereira, a data também carrega esse sentimento de pesar. Lidando com a perda da mãe, do marido, do sogro e da irmã, tudo isso confere à data uma conotação totalmente negativa.

– As comemorações remetem a você ter as pessoas que ama ao seu lado. Se elas já partiram, não vejo motivo para comemoração e acabo me sentindo muito solitária e triste. Eu me cobro muito por isso, mas tento encarar da melhor forma possível. Além disso, frequento um grupo especializado em luto e faço terapia com psicólogo e psiquiatra e faço uso de florais. A fé é o que me põe de pé.

O grupo em questão é o Amigos Solidários na Dor do Luto-RJ, que faz parte da campanha A Vida Não Para, idealizada pelo Crematório e Cemitério da Penitência, no Rio de Janeiro, com a proposta de apoiar famílias enlutadas. O projeto é apadrinhado pelo técnico de futebol Abel Braga e pela atriz Cissa Guimarães.

Atuando como assistente social e coordenadora do A Vida Não Para, Márcia Torres criou a iniciativa por causa de uma grande amiga, que perdeu o filho e sofria muito com essa perda. Há oito anos na estrada, o Amigos Solidários na Dor do Luto já acolheu cerca de oito a dez mil pessoas, através dos nossos canais de suporte e nas reuniões presenciais.

– A depressão e ansiedade aumentam em datas significativas. As pessoas começam a ficar tristes num período anterior às comemorações porque ficam imaginando como devem ser os seus sentimentos durante os eventos. Nosso grupo de apoio orienta as pessoas levando-as a descobrir o que é normal durante o processo, enfatizando a importância de vivenciar aquela fase e de se permitir sentir dor e todos os sentimentos que podem surgir. Deixamos as pessoas contarem os seus casos, sem qualquer limite.

Segundo Márcia Torres, as pessoas, geralmente, são muito cobradas durante o luto, mas a forma como lidar depende de cada indivíduo. Dessa forma, as cobranças acabam contribuindo para a piora do processo.

– Quem está passando pelo luto deve ficar à vontade para decidir se tem condições de ir às comemorações. O ambiente festivo pode desestabilizar a pessoa que não está preparada ainda para essa situação e, se algum gatilho for acionado, ela pode começar a chorar, querer sair do local a qualquer custo. E quem estiver na comemoração vai ser afetado também pelo sofrimento do enlutado. O respeito a essas pessoas em datas comemorativas é fundamental. Com o tempo, uma nova identidade vai surgindo e uma nova vida que vai chegando aos poucos – concluiu.

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