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STF voltar a julgar linguagem neutra nas escolas; saiba mais

Relator da ação, ministro Fachin é simpático à aplicação da neutralidade pronominal

Marcos Melo - 08/02/2023 16h48 | atualizado em 08/02/2023 19h03

Edson Fachin Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF

Está previsto para terminar nesta sexta-feira (10), no Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento de uma lei de Rondônia que proíbe a linguagem neutra na grade curricular, no material didático das escolas públicas e privadas do estado e em concursos públicos. A aplicação da lei foi suspensa de forma liminar em novembro de 2021 pelo ministro Edson Fachin, relator da ação.

O magistrado entendeu que legislar sobre diretrizes e bases da educação é competência privativa da União. A decisão plena do STF deve atingir leis semelhantes aprovadas em outros estados e municípios.

A linguagem neutra, também conhecida como linguagem não binária, evita o uso dos gêneros masculino e feminino com o intuito de alterar o tradicional conceito de identidade de gênero, implantar ideologias liberais e progressistas, além de promover as desconstruções da heteronormatividade e da família tradicional.

Nessa linguagem, os artigos feminino e masculino, como “a” e “o”, são substituídos por um “x”, “e” ou “@”. A palavra “todos” ou “todas”, por exemplo, na linguagem neutra ficaria “todes”, “todxs” ou “tod@s”. Há quem defenda, ainda, o uso do termo “elu” (no lugar de “ele” ou “ela”) para se referir a qualquer um, independentemente do gênero.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou a adotar o pronome neutro “todes” em eventos e cerimônias oficiais.

– Boa tarde a todos, a todas e todes – disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ao abrir o discurso de posse no dia 3, gesto que se repetiu em outros atos ao longo dos dias seguintes.

Segundo Fachin, no exercício de sua competência constitucional, a União editou a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Com base nela, o Ministério da Educação fixa os parâmetros curriculares nacionais, que estabelecem como objetivo o conhecimento e a valorização das diferentes variedades da língua portuguesa, a fim de combater o preconceito linguístico.

Para Fachin, ao proibir determinado uso da linguagem, a lei estadual atenta contra as normas editadas pela União, no exercício de sua competência privativa.

O ministro alega que cabe somente ao governo federal decidir sobre a matéria, mas se posiciona favorável ao emprego do pronome neutro, medida capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores.

O ministro Edson Fachin foi indicado à cadeira do Supremo Tribunal Federal pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), no ano de 2015.

– A pretexto de valorizar a norma culta, ela acaba por proibir uma forma de expressão. Questões que digam respeito ao ensino e ao aprendizado da Língua Portuguesa, de caráter obrigatório, o que abrange o conhecimento de formas diversas e alternativas de expressão, de caráter formal e informal, estão inseridas nesse espaço normativo, de aplicação nacional – escreveu o ministro.

O magistrado lembrou que as razões trazidas ao processo pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Procuradoria Geral da República (PGR) “evidenciam o vício formal de inconstitucionalidade da norma, motivo pelo qual, acolhendo-as, julgo procedente a presente ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei do Estado de Rondônia n. 5 123/2021. Em seu voto, ele propôs a fixação da seguinte tese de que “norma estadual que, a pretexto de proteger os estudantes, proíbe modalidade de uso da língua portuguesa viola a competência legislativa da União”.

“ABERRAÇÃO”
A lei estadual resultou de um projeto, do deputado Eyder Brasil (PL-RO), aprovado pela Assembleia Legislativa de Rondônia em setembro de 2021. Na época, o parlamentar defendeu que a linguagem neutra seria uma interferência ideológica no uso da língua padrão.

– Temos de valorizar a língua portuguesa culta em nossas políticas educacionais e impedir que os direitos de nossos estudantes sejam violados e que essa aberração seja aplicada nas escolas do nosso estado – disse.

Após a lei ser sancionada, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) entrou com ação direta de inconstitucionalidade pedindo ao STF a revogação da norma. A entidade sustentou que a lei apresenta preconceitos e intolerâncias incompatíveis com a ordem democrática e com valores humanos.

Em relação ao conteúdo da lei, Fachin explicou que o uso da linguagem neutra ou inclusiva visa combater preconceitos linguísticos, que subordinam um gênero a outro, e sua adoção tem sido frequente em órgãos públicos de diversos países e organizações internacionais. Segundo o ministro, seria difícil imaginar a compatibilidade entre essa proibição e a liberdade de expressão garantida constitucionalmente.

Para Fachin, a proibição imposta pela lei de Rondônia é censura prévia, prática banida pela legislação nacional. Ele lembrou ainda que o STF já decidiu que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade e a expressão de gênero e, também, que a identidade de gênero é a manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la.

– Proibir que a pessoa possa se expressar livremente atinge sua dignidade e, portanto, deve ser coibida pelo Estado.

Fachin ressaltou que a norma tem aplicação no contexto escolar, ambiente em que, segundo a Constituição, deve prevalecer não apenas a igualdade plena, mas também a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.

Em plenário virtual, os ministros do Supremo decidem se acompanham ou divergem do entendimento do relator. A decisão deve produzir o chamado efeito vinculante, firmando entendimento a ser aplicado em casos similares. Como o julgamento é virtual, os ministros apresentam seus votos sem debate. Se houver pedido de vista, o julgamento será suspenso. Havendo pedido de destaque, o caso será enviado para o plenário físico da Corte.

OUTROS ESTADOS
A lei de Rondônia questionada no STF não é a única a proibir o uso da linguagem neutra nas escolas e em concursos. Em Mato Grosso do Sul, foi sancionada uma lei que torna obrigatório o uso da norma culta da língua portuguesa nos instrumentos de aprendizagem utilizados no ambiente escolar, nos documentos oficiais e na confecção de materiais didáticos.

No Paraná, os deputados estaduais aprovaram, em 13 de dezembro, em primeiro turno, um projeto de lei que impede o estado de utilizar a linguagem neutra em qualquer nível institucional. O projeto depende de segunda votação e da sanção governamental. Em Santa Catarina, um decreto estadual proibiu a linguagem neutra, mas o PT entrou com ação direta de inconstitucionalidade.

Câmaras municipais foram na mesma direção. Em Belo Horizonte, o projeto que proíbe a linguagem neutra – de autoria do então vereador Nikolas Ferreira (PL), que depois se tornou o deputado federal mais votado do Brasil – foi aprovado em primeiro turno em 2022. O mesmo aconteceu em Juiz de Fora (MG).

Em Joinville (SC), uma lei veda expressamente a utilização de linguagem “estranha à Língua Portuguesa” no âmbito da administração pública municipal. No mesmo estado, o Tribunal de Justiça revogou lei semelhante aprovada pela Câmara de Criciúma. Em São Paulo, Valinhos também proibiu a língua neutra.

Além dessas normas, tramita na Câmara dos Deputados o PL 5 248/20, que proíbe o uso da linguagem neutra na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas ou privadas no ensino da Língua Portuguesa no ensino básico e superior. A proposta inclui a vedação em documentos oficiais dos entes federados, em editais de concursos públicos, assim como em ações culturais, esportivas, sociais ou publicitárias que recebam verba pública de qualquer natureza.

O texto determina que o aprendizado da língua seja feito de acordo com a norma culta, com as Diretrizes Curriculares Nacionais, com o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa e com a grafia fixada no tratado internacional vinculativo do Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa. Pelo projeto, a violação dessa regra poderá acarretar sanção às instituições de ensino e aos profissionais de educação.

Em outubro de 2021, a Secretaria Especial da Cultura, por meio da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, publicou a Portaria 604/21, que veda nos projetos financiados pela Lei Rouanet o uso, direto ou indireto, além da apologia, da linguagem neutra. Após ação do Ministério Público Federal, em março do ano passado, a Justiça Federal determinou a suspensão imediata da norma.

*AE

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