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Eles também pediram a suspensão por 12 meses do pagamento das dívidas deles com a União

Pleno.News - 25/03/2020 20h53

Governador de São Paulo, João Doria, durante encontro de governadores Foto: Reprodução

Na primeira reunião do Fórum de Governadores após o duelo entre João Doria (PSDB-SP) e o presidente Jair Bolsonaro acerca da condução da crise do coronavírus, os chefes estaduais concordaram que é preciso manter políticas restitivas para evitar a propagação do patógeno.

Eles também pediram a suspensão por 12 meses do pagamento das dívidas deles com a União. São Paulo e Bahia já obtiveram decisões no Supremo para não pagar por 6 meses, desde que apliquem os valores no combate à pandemia.

Participaram do encontro por videoconferência de duas horas e meia centrada no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, 26 dos 27 governadores –apenas Ibaneis Rocha (MDB-DF) não estava presente.

Na carta final do encontro, que buscou ser propositivo e evitar críticas exacerbadas a Bolsonaro, recomenda a aprovação de um projeto urgente de renda mínima e a viabilização de recursos livres da União. Quer a redução da meta de superávit fiscal, que hoje na verdade é um déficit permitido de até R$ 124,1 bilhões em 2020.

Também pede a aprovação no Congresso do chamado Plano Mansueto, elaborado pelo secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, que prevê acesso de estados e municípios a empréstimos da União tendo como garantia promessa de ajuste fiscal.

Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, também foi convidado, numa simbolização de unidade. Ele disse que governo Bolsonaro parece estar querendo criar pânico econômico para “obrigar parte da sociedade a acabar indo à rua” devido à crise do novo coronavírus.

O deputado falava sobre a agenda legislativa imediata para a crise, e afirmou que o governo havia prometido editar medida provisória para tentar garantir empregos.

– Eu disse que, se não mandassem, o Congresso iria legislar. Fica parecendo que eles estão esticando a corda exatamente para obrigar parte da sociedade a acabar indo para a rua, e que fique num estado de maior pânico em relação aos próximos passos – afirmou.

Um ponto central do embate entre o Planalto e os estados, a decisão sobre quarentenas, foi quase unânime: governadores defenderam seguir orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde), que vem apoiando o isolamento social para conter a curva de infecção do coronavírus.

– O objetivo não é transformar isso numa trincheira contra o presidente Jair Bolsonaro – afirmou o paulista, que de todo modo voltou a criticar o discurso do presidente da noite de terça (24). Ele negou ter ofendido o mandatário máximo, e sim ter expressado suas críticas.

Uma exceção pontual foi Wilson Witzel (PSC-RJ), que foi mais duro sobre o posicionamento de Bolsonaro.

– Qualquer decisão baseada no achismo está sujeita à responsabilização direta daquele que o faz – afirmou o fluminense, ao defender que o país deva seguir orientações internacionais.

Para ele, “pronunciamento é manifestação política, não é ato jurídico, não tem qualquer reflexo na determinação do que se deve ou não fazer”.

Maia disse para eles serem objetivos, e afirmou que havia espaço para três pontos emergenciais: o Plano Manuseto, a MP do emprego e o projeto de renda mínima para a crise.

A reunião foi secretariada por Doria, que é um dos coordenadores do Fórum dos Governadores, e centralizada por meio de videoconferência numa sala de reuniões do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista.

O impacto econômico da crise dominou as intervenções de quatro minutos de cada governador.

– Eu tenho muito medo dos reflexos econômicos. Tem cidade de 5.000 habitantes em quarentena, sem nenhum caso. Como é que vão ficar as pequenas e micro-empresas do país? Vai ter saque, como fica esse país? – disse um aliado de Bolsonaro, Mauro Mendes (DEM-MT).

E continuou.

– Ele se tornou presidente confrontando todo mundo nesse país. Nós temos de ter serenidade, senão tornaremos a crise da saúde a maior crise econômica da história – afirmou Mendes.

Já Antônio Denarium (PSL-RR), outro bolsonarista, citou Doria e disse que “precisamos de harmonia e serenidade” na crise, repetindo com sinal trocado a frase do paulista pela manhã ao presidente.

– O principal ponto é que estamos numa luta dupla. Uma luta contra o coronavírus, mas também contra uma recessão, talvez uma depressão – afirmou Romeu Zema (Novo-MG). Ele repetiu o tom de que é preciso defender empregos e empresas, e que é preciso envolver o Congresso no processo.

Helder Barbalho (MDB-PA) defendeu tarefas conjuntas para geração de emprego nos estados.

– Que possamos criar um amplo programa de transferência de renda para famílias pobres, tendo como referência os beneficiários de programas já existentes – disse, afirmando que há R$ 1 trilhão em recursos do Tesouro em receitas vinculadas não utilizadas.

“Momento difícil”, afirmou Paulo Câmara (PSB-PE), citando a primeira morte pela pandemia no estado.

– As restrições estão no caminho correto. Os estados têm de se preparar – afirmou.

Outro oposicionista, Wellington Dias (PT-PI), exemplificou o drama de estados mais pobres. Disse que o apoio federal é imprescindível neste momento, ao mesmo tempo em que enfatizou a necessidade de seguir as orientações da OMS.

– O Brasil tem R$ 1,5 trilhão em reservas internacionais. Usar só 20% disso poderia salvar os empregados, a economia informal, a agricultura familiar – afirmou Fátima Bezerra (PT-RN).

Para o tucano Eduardo Leite (RS), é preciso reforçar o Fórum de Governadores para padronizar as ações contra a pandemia.

A reunião ocorreu depois da turbulenta videoconferência entre o Jair Bolsonaro e os governadores do Sudeste, que ficou marcada pela dura altercação entre o presidente e o tucano Doria.

Nela, o governador apresentou demandas e queixas gerais dos governadores, além de criticar o discurso feito por Bolsonaro na véspera, no qual o presidente sugeriu a reabertura das escolas e buscou novamente minimizar a Covid-19, que já matou 57 pessoas no país.

Bolsonaro reagiu de forma agressiva, aos berros, e acusou Doria de buscar protagonismo na crise para tentar se cacifar na disputa à Presidência em 2022. O chamou de leviano e disse que ele se voltou contra si após ter usado seu nome para ajudar a eleger-se, em 2018.

A reunião desta quarta é o marco de um movimento de união inédito de governadores, conforme publicou o jornal Folha de S.Paulo em fevereiro. Desde o ano passado, os titulares de estados nordestinos vinham se manifestando em notas conjuntas, e foi formado o consórcio do Sudeste e do Sul.

Doria foi um dos incentivadores da ação, inclusive criando o grupo de WhatsApp no qual os chefes estaduais se comunicam. Neste ano, a pressão de Bolsonaro para que estados retirassem a cobrança do ICMS, seu principal imposto, dos combustíveis e a crítica do presidente sobre a ação da PM baiana na morte do miliciano Adriano da Nóbrega cristalizaram o grupo.

Em ambos os casos, notas duras foram emitidas. Só ficaram de fora delas entre cinco e sete governadores, a depender do assunto, mais alinhados com o Planalto. Nesta quarta, dois deles, Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Comandante Moisés (PSL-SC), romperam com o governo.

Político tradicional do Centro-Oeste, Caiado era um esteio do bolsonarismo num dos estados centrais do agronegócio brasileiro, Goiás. Moisés, que era um bombeiro desconhecido, foi alçado ao governo na onda conservadora que levou o presidente ao poder.

Veja a íntegra do documento aprovado na reunião dos governadores:

CARTA DOS GOVERNADORES DO BRASIL

NESTE MOMENTO DE GRAVE CRISE

O Brasil atravessa um momento de gravidade, em que os governadores foram convocados por suas populações a agir para conter o ritmo da expansão da Covid-19 em seus territórios. O novo coronavírus é um adversário a ser vencido com bom senso, empatia, equilíbrio e união. Convidamos o presidente da República a liderar este processo e agir em parceria conosco e com os demais poderes.

Reunidos, queremos dizer ao Brasil que travamos uma guerra contra uma doença altamente contagiosa e que deixará milhares de vítimas fatais. A nossa decisão prioritária é a de cuidar da vida das pessoas, não esquecendo da responsabilidade de administrar a economia. Os dois compromissos não são excludentes. Para cumpri-los precisamos de solidariedade do governo federal e de apoio urgente com as seguintes medidas (muitas já presentes na Carta dos Governadores assinada em 19 de março de 2020):

  1. Suspensão, pelo período de 12 meses, do pagamento da dívida dos Estados com a União, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, e organismos internacionais como Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), bem como abertura da possibilidade de quitação de prestações apenas no final do contrato, além da disponibilização de linhas de crédito do BNDES para aplicação em serviços de saúde e investimentos em obras;
  2. Disponibilidade e alongamento, pelo BNDES, dos prazos e carências das operações de crédito diretas e indiretas para médias, pequenas e microempresas. Demanda-se viabilizar o mesmo em relação a empréstimos junto a organismos internacionais;
  3. Viabilização emergencial e substancial de recursos livres às Unidades Federadas, visando a reforçar a nossa capacidade financeira, assim como a liberação de limites e condições para contratação de novas operações de crédito (incluindo extralimite aos Estados com nota A e B), estabelecendo ainda o dimensionamento de 2019 pelo Conselho Monetário Nacional e permitindo a securitização das operações de crédito;
  4. Imediata aprovação do Projeto de Lei Complementar 149/2019 (“Plano Mansueto”) e mudança no Regime de Recuperação Fiscal, de modo a promover o efetivo equilíbrio fiscal dos Entes Federados;
  5. Redução da meta de superávit primário do Governo Federal, para evitar ameaça de contingenciamento no momento em que o Sistema Único de Saúde mais necessita de recursos que impactam diretamente as prestações estaduais de saúde;
  6. Adoção de outras políticas emergenciais capazes de mitigar os efeitos da crise sobre as parcelas mais pobres das nossas populações, principalmente no tocante aos impactos sobre o emprego e a informalidade, avaliando a aplicação da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004, que institui a renda básica de cidadania, a fim de propiciar recursos destinados a amparar a população economicamente vulnerável;
  7. Apoio do governo federal no tocante à aquisição de equipamentos e insumos necessários à preparação de leitos, assistência da população e proteção dos profissionais de saúde.

Informamos que os governadores seguirão se reunindo à distância, no modelo de videoconferências – como preconizam as orientações médicas internacionais –, com o objetivo de uniformizar métodos e com vistas a alcançar, em um futuro breve, ações consorciadas, que nos permitam agir no tema de coronavírus e em outros temas.

No que diz respeito ao enfrentamento da pandemia global, vamos continuar adotando medidas baseadas no que afirma a ciência, seguindo orientação de profissionais de saúde e, sobretudo, os protocolos orientados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

O Congresso Nacional deve assumir o protagonismo em defesa do pacto federativo, conciliando os interesses dos entes da federação, compatibilizando ações e canalizando demandas de Estados e municípios.

Por fim, desejamos que o Presidente Jair Bolsonaro tenha serenidade e some forças com os Governadores na luta contra a crise do coronavírus e seus impactos humanitários e econômicos. Os Governadores entendem que este momento exige a participação dos poderes legislativo, executivo, judiciário, da sociedade civil e dos meios de comunicação.

Juntos teremos mais força para superar esta grave crise no País.

Assinam esta carta 26 Governadores

  • João Doria, Governador de São Paulo
  • Wilson Witzel, Governador do Rio de Janeiro
  • Gladson Cameli, Governador do Acre
  • Renan Filho, Governador de Alagoas
  • Waldez Góes, Governador do Amapá
  • Wilson Lima, Governador do Amazonas
  • Rui Costa, Governador da Bahia
  • Camilo Santana, Governador do Ceará
  • Renato Casagrande, Governador do Espírito Santo
  • Ronaldo Caiado, Governador de Goiás
  • Flávio Dino, Governador do Maranhão
  • Mauro Mendes, Governador do Mato Grosso
  • Reinaldo Azambuja, Governador do Mato Grosso do Sul
  • Romeu Zema, Governador de Minas Gerais
  • Helder Barbalho, Governador do Pará
  • João Azevêdo, Governador da Paraíba
  • Ratinho Júnior, Governador do Paraná
  • Paulo Câmara, Governador do Pernambuco
  • Wellington Dias. Governador do Piauí
  • Fátima Bezerra, Governador do Rio Grande do Norte
  • Eduardo Leite, Governador do Rio Grande do Sul
  • Coronel Marcos Rocha, Governador de Rondônia
  • Antonio Denarium, Governador de Roraima
  • Carlos Moisés, Governador de Santa Catarina
  • Belivaldo Chagas, Governador de Sergipe
  • Mauro Carlesse, Governador do Tocantins

*Folhapress/Igor Gielow

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