Leia também:
X Mayra Cardi é acusada de prática ilegal da profissão

Especialistas analisam decreto que aprova a posse de armas

Presidente Jair Bolsonaro afirmou que decisão é uma resposta à vontade popular

Rafael Ramos - 16/01/2019 15h56 | atualizado em 17/01/2019 11h28

Armar a população e investir na segurança pública e no combate à criminalidade foram algumas das promessas de campanha feitas por Jair Bolsonaro. E, na manhã desta terça-feira (15), o presidente assinou o decreto de flexibilização que garante a posse de armas ao cidadão brasileiro. Dessa forma, o indivíduo que estiver dentro das normas do edital, estará autorizado a ter arma em casa ou no local de trabalho, desde que o dono da arma seja o responsável legal pelo estabelecimento. Tal medida é vista pelo especialista em segurança pública Bene Barbosa, como um avanço modesto.

– Se o decreto tivesse sido assinado pelo presidente Temer, não haveria nenhuma surpresa porque não havia nenhuma promessa de se modificar nada nesse quesito. Entretanto, o sentimento generalizado foi de decepção porque Bolsonaro defendia esses temas de segurança pública antes da campanha. Foi um decreto absolutamente tímido que vai muito mais ao encontro do pensamento da linha do ministro Sérgio Moro do que do presidente. A pressão interna para se publicar esse decreto foi enorme e não deve ter sido nada pacífico – afirmou ao Pleno.News.

Bene, que também é presidente da ONG Movimento Viva Brasil, não vê essa flexibilização como uma solução para a segurança pública. E ainda ressalta que uma segurança pública decente e funcionando não garante 24h de segurança ao cidadão. Além de defender o respeito ao direito de autodefesa, ele acredita no decréscimo nos chamados crimes contra a pessoa. Ele faz questão de esclarecer que não acredita em um aumento do risco, por exemplo, de assassinato de mulheres por parte dos maridos, visto que, em São Paulo, “84% dos feminicídios não são cometidos com uso de arma de fogo. A força física do homem já é suficiente para subjugar e matar uma mulher”. Mas ele prefere acompanhar o desenrolar dos fatos.

– O decreto foi uma tentativa de resposta a um referendo que teve um resultado inequívoco e não foi respeitado por nenhum governo até hoje. Ele foi simplesmente esquecido como se não tivesse acontecido. O governo Bolsonaro reviveu esse assunto. Inclusive no seu discurso de posse, ele garantiu o respeito ao referendo. Agora vamos ver na prática se esse decreto vai ser suficiente para isso. Eu não acredito que vá ser suficiente, mas a gente tem que esperar.

REFERENDO DE 2005
Através das redes sociais, o presidente afirmou que o novo decreto vai de encontro à vontade popular manifestada no referendo de 2005. No dia 23 de outubro daquele ano, a maioria da população votou contra a lei que proibia a comercialização de armas no território nacional.

Alguns especialistas acham que a flexibilização pode abrir possibilidades para o mercado negro e informal das armas de fogo. Uma pesquisa divulgada pelo Datafolha mostrou que 61% da população seria contra a facilitação de armas. Entretanto, o advogado especialista em direito penal e processual penal, Éber Marcelo Bündchen, acredita que só vai comprar quem sente a necessidade e vê o decreto como mais um cumprimento de promessa de campanha.

– O maior medo das pessoas que são contra o armamento da população é que facilmente qualquer um terá acesso a armas. O decreto é muito claro em relação à questão de requisitos. O porte de arma é muito mais complexo porque depende de outras situações para você portar a arma por onde for. A desburocratização que o governo está dando é para a possibilidade de adquirir e registrar uma arma e ter em casa, na propriedade rural ou urbana, dentro dos aspectos que o decreto determina. Já o delinquente não tem facilitação para adquirir essa arma – atesta.

BOATOS E MITOS
Em relação à permissão dada para adquirir a arma, Bene Barbosa esclarece alguns boatos envolvendo a questão. Dentre eles, a presidente do PT, Gleisi Lula Hoffmann, chamou Bolsonaro e o ministro Sérgio Moro de irresponsáveis e afirmou que o decreto vai aumentar a violência no país. Entretanto, Bene descarta essa possibilidade, visto que não houve uma liberação generalizada. Não há indicativos de que aumente a criminalidade e, além disso, o processo para adquirir armas de fogo continua caro e burocrático.

– O maior mito que se criou é a ideia de todo mundo sair armado nas ruas. Até 1997, o porte de arma era uma simples contravenção penal e tinha uma legislação bastante liberal. E você não tinha nem 10% da população armada. As modificações não estão sendo pedidas como uma solução para a segurança pública e muito menos é como se o governo estivesse “lavando as mãos”. No Uruguai, que tem uma segurança pública bastante razoável para a América do Sul e é um dos melhores países como referência, você tem liberdade bastante grande de acesso às armas. Ele está entre os países mais armados do mundo e com a segunda menor taxa de homicídios na América do Sul.

Discordando de Gleisi, o advogado Bündchen não acredita que haverá um aumento na violência e, principalmente, no comércio de armas. Mas ele aproveita para deixar uma ressalva.

– Se algum delinquente usar um cidadão ficha limpa pra adquirir uma arma, este cidadão pode responder como cúmplice de um crime cometido por essa arma. As regras continuam as mesmas. O que muda é que uma boa parcela vai ter a declaração de efetiva necessidade aceita automaticamente, seja pelo cargo e pela profissão que ocupa ou por questões regionais onde a taxa de homicídio é maior que 10. O que me gera dúvida é se as regras mudarão, caso a taxa em determinado local mude.

Eis os requisitos para que o cidadão esteja enquadrado na flexibilização:

  • É preciso ter mais de 25 anos de idade, sem antecedentes criminais e ocupação lícita;
  • A permissão é dada mediante comprovação feita pela Polícia Federal e aprovação em teste psicológico;
  • Na legislação anterior se poderia comprar meia dúzia de armas, na legislação atual pode se comprar até quatro;
  • Dependendo do número de propriedades rurais, o comprador poderá obter uma maior quantidade de armas;
  • Residências com crianças, adolescentes e pessoas com deficiências mentais precisam ter um cofre para a aquisição da arma;
  • As declarações dadas pelo cidadão para a aquisição da arma serão tidas como verdade pelo poder público;
  • A permissão é para agentes públicos, militares, pessoas que moram em áreas rurais ou em zonas urbanas com mais de dez homicídios por 100 mil habitantes;
  • O registro valerá por dez anos.
  • Será necessário comprovar a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo, realizado em prazo não superior a 01 ano, que deverá ser atestado por instrutor de armamento e tiro credenciado pela Polícia Federal.

POSSE DE ARMAS EM OUTROS PAÍSES
Tanto Bene Barbosa quanto Éber Machado concordam que ainda é cedo para afirmar o que o decreto estipulado por Jair Bolsonaro irá acarretar na prática. Mas, é possível ter uma ideia, observando o que aconteceu nos outros países que adotaram medidas semelhantes. Veja a seguir:

Austrália: É preciso passar por cursos de cuidados no manuseio, teste escrito e teste prático para obter a licença. Os interessados também têm seus antecedentes criminais avaliados e, se necessário, a polícia entrevista familiares e vizinhos. A legislação foi aprovada no fim dos anos 90 e cerca de 650 mil armas foram confiscadas.

Alemanha: A pessoa precisa comprovar que corre risco para conseguir a permissão. O candidato passa por avaliação que leva em conta antecedentes criminais, saúde mental e uso de drogas. A permissão é revisada a cada três anos e é preciso permitir inspeções não anunciadas da polícia.

África do Sul: O processo lento inclui aulas de tiro, entrevistas com familiares, checagem de histórico criminal e de uso de drogas e inspeção no local onde a arma será guardada. A legislação entrou em vigor no início dos anos 2000 e registrou uma queda de 13,6% ao ano nos homicídios.

China: Os chineses que moram em cidades são proibidos de ter armas em casa e só podem ser guardadas em depósitos especiais. Para comprá-las, é necessário uma justificativa e demonstrar conhecimento sobre uso seguro e manuseio. Também há avaliação do histórico policial e da saúde mental da pessoa.

Espanha: É preciso comprovar se a posse da arma será para defesa pessoal ou caça. Além de passar por avaliação de aptidão física e psicológica, é obrigatório que o armamento seja guardado em um depósito seguro e trancado. A licença vale por três anos e a idade mínima é de 18 anos.

Estados Unidos: Basta passar por uma checagem instantânea de antecedentes criminais, mas não é necessário se a compra for realizada com um vendedor privado. Em alguns estados há maiores restrições, que incluem mais tempo de espera pela liberação da compra ou checagem mais aprofundada do histórico do comprador.

Israel: O interessado deve provar que vive ou trabalha em uma área considerada perigosa ou faz parte de um clube de tiro. Antecedentes criminais e saúde mental também são examinados e é preciso provar que sabe usá-la em um campo de tiro. Armamentos só podem ser vendidos para maiores de 21 anos. Para aqueles que não prestaram serviço militar, só a partir dos 27 anos.

Itália: A licença só é dada àqueles que tiveram seus antecedentes checados e a saúde mental avaliada. Também é preciso comprovar a finalidade da arma – defesa pessoal, caça ou trabalho, entre outros motivos.

Japão: O longo processo envolve aulas de tiro, teste escrito, teste prático, avaliação psicológica e psiquiátrica, entrevista com a polícia, avaliação rigorosa de histórico criminal e de relações pessoais e inspeção policial do local onde a arma será armazenada.

México: É preciso apresentar atestado que comprove que a pessoa não tem antecedentes criminais. Também é importante ter emprego fixo e renda.

Reino Unido: A posse só é permitida a caçadores e membros de clubes de tiro. A pessoa passa por checagem de antecedentes criminais, entrevista domiciliar e verificação do local onde a arma será guardada.

Rússia: É preciso ter autorização para caça ou justificar a necessidade da arma para defesa pessoal. O indivíduo passa por testes de manuseio do armamento, primeiros socorros e legislação, além de avaliação psicológica e de antecedentes criminais.

Leia também1 Todos podem ter armas? Veja o que muda com o decreto
2 Onyx: "Bolsonaro irá editar MP para recadastrar armas"
3 Moro: "Não há movimento para liberar porte de armas"

Siga-nos nas nossas redes!
WhatsApp
Entre e receba as notícias do dia
Entrar no Canal
Telegram Entre e receba as notícias do dia Entrar no Grupo
O autor da mensagem, e não o Pleno.News, é o responsável pelo comentário.