Pleno.News - 18/08/2020 17h03 | atualizado em 19/08/2020 13h09

Após o caso chocante da menina de 10 anos abusada pelo próprio tio, parlamentares se mobilizaram para pedir penas mais severas a estupradores. Nesta segunda-feira (17), o deputado federal Filipe Barros protocolou um requerimento pedindo a votação de um projeto de lei (PL) contra abusadores.

Trata-se do PL 5398/2013, de autoria do então deputado federal Jair Bolsonaro, arquivado desde janeiro de 2019. Ele pede o aumento da pena para os crimes de estupro e traz o tratamento químico voluntário para inibição do desejo sexual como requisito para livramento condicional e progressão de regime. Ou seja: institui a castração química.

A pena já é cumprida nos países França, Dinamarca, Alemanha, Colômbia, Rússia, Argentina e Inglaterra (como alternativa à prisão). Nos Estados Unidos, onde a legislação penal é estadual, pelo menos oito estados mantém a punição.

COMO FUNCIONA
O condenado recebe injeções de uma droga hormonal que provoca a inibição sexual. Na Europa é usado o acetato de ciproterona, enquanto nos Estados Unidos é o acetato de medroxiprogesterona (MPA), um derivado do hormônio feminino progestina.

A proposta de Bolsonaro é que o condenado seja submetido ao tratamento a cada seis meses e que haja acompanhamento médico e psicológico com os abusadores que aderirem à castração. A inibição química não prejudica a fertilidade do homem.

CAUSAS E EFEITOS PSICOLÓGICOS
De acordo com a psicóloga Elaine Cruz, a prevenção contra estupros deve ser um trabalho psicológico. O desejo de manter relações sexuais com vulneráveis ou à força é motivado pela mente e não pelo corpo.

– Quando nós nascemos, a única coisa que é inata em nós é nosso temperamento. Do ponto de vista sexual, toda atração, desejo, impulso, conceitos e valores são construídos a partir de exemplos, escolhas e vivências. O impulso criminoso pode se transformar em um estímulo químico a partir do momento em que ele se torna um hábito. A pessoa começa a ter uma personalidade que a leva a desejos, vícios e hábitos patológicos. Isso não é uma doença, mas é uma construção que precisa ser desfeita. A pessoa precisa ter consciência, procurar ajuda e – o que é mais difícil – entender que esse desejo sexual de abuso/estupro não é normal. A castração química vai facilitar porque a pessoa não consegue executar o ato, chegar ao finalmente daquilo que ela projeta, mas é importante que seja feito também um trabalho pessoal de desconstrução psicológica desse hábito e desse desejo – explicou.

A castração vai facilitar, mas é preciso uma desconstrução psicológica do hábito

O doutor em Saúde Pública pela Fiocruz e Docente do IBMR, Carlos Linhares, nega que a castração seja uma medida psicologicamente eficaz.

– Essa ideia de castração química é uma aberração normatizante, assim como a ideia de perversão sexual. É uma medida bruta, estúpida e que certamente vai mexer com o cérebro, mas que vai acarretar também nas maneiras como o corpo responde a essa agressão psicológica e química – declarou ao portal.

É INCONSTITUCIONAL?
Além do PL 5398/2013, outros quatro projetos de lei semelhantes já foram apresentados no Congresso: PL 7.021/2002; PL 552/2007; PL 4.399/2008; e PL 282/2011. Todos foram barrados por inconstitucionalidade.

De acordo com o Artigo 5°, parágrafo 49, “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Ao Pleno.News, a advogada criminalista Lilian Santos explica.

– Quanto à castração química para estupradores, muito embora já seja uma penalidade adotada em alguns países como Polônia, Itália e também alguns estados do Estados Unidos, esta, não pode ser aplicada no Brasil. Tal “metodologia” punitiva fere o Princípio da Proporcionalidade, a razoabilidade fundamentada no Artigo 5º da nossa Carta Mãe (Constituição) e também o Princípio da Dignidade Humana, no que diz respeito aos impedimentos da exploração do homem pelo próprio homem. Nesta senda, tais violações são rechaçadas pela legislação brasileira, ainda que, desde 2002, parlamentares tem tido experiências negativas com tentativas frustadas de pautar o tema por meio de projeto de lei – expressou.

Ela completa declarando que a Constituição também resguarda dois direitos fundamentais a toda pessoa que seriam violados com a castração: proibição de penas cruéis e vedação à prática de tortura e tratamento degradante ou desumano.

A castração química para estupradores não pode ser aplicada no Brasil

MENOS CRUEL DO QUE CÁRCERE
Frente a estas complicações legais, uma argumentação de favoráveis é a de que a castração química colocaria estupradores em liberdade e isso os livraria da tortura em cela.

– Aliás, o que é mais degradante: ser submetido a um tratamento químico para inibição da libido, mas manter a vida social normalmente, ou ser privado de sua liberdade de locomoção por 15, 20 anos, permanecendo recluso em celas de poucos metros quadrados juntamente com outros 20 ou 30 detentos? – argumenta o defensor público federal Renan Araújo, do Rio de Janeiro.

MINISTRA DISCORDA
A ministra Damares Alves se pronunciou sobre o assunto durante uma entrevista em maio de 2019, para a apresentado Olga Bongiovanni, e não acredita que a castração seja solução. Segundo a chefe do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, o criminoso terá outros meios de cometer o crime.

– Castração química não resolve. Temos algumas propostas na Câmara e no Senado caminhando, mas não resolve. Por quê? A pessoa que comete a violência contra a criança, a castração química vai tocar em um único órgão, mas ele tem a mão, ele tem o pau, ele tem a madeira, tem a garrafa. Temos crianças que estão sendo abusadas com garrafas no Brasil – declarou.

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