Metanol: “Número real de mortes é muito maior que o divulgado”
Especialista aponta "cenário de subnotificação crônica"
Pleno.News - 09/10/2025 16h26 | atualizado em 09/10/2025 17h04

Casos de intoxicação por metanol em bebidas adulteradas voltaram a se espalhar pelo país, levantando dúvidas sobre a eficiência da fiscalização, a segurança do consumidor e a dimensão real das mortes causadas por esse tipo de crime.
De acordo com o Ministério da Saúde, até o início de outubro foram 24 casos confirmados e 235 suspeitos em investigação, com cinco mortes oficiais e 11 óbitos sob análise. O estado de São Paulo concentra a maior parte das notificações.
No entanto, para a especialista em segurança dos alimentos Paula Eloize, fundadora do Grupo Food Smart, o número real é muito mais alarmante.
– O número de mortes é muito maior do que o divulgado. A maioria das vítimas de metanol morre sem diagnóstico, muitas vezes em casa, com atestados que mencionam infarto, AVC ou falência múltipla de órgãos. Estamos falando de um cenário de subnotificação crônica, que invisibiliza a dimensão dessa tragédia – afirma.
VENENO INVISÍVEL
O metanol é um álcool industrial usado em combustíveis, solventes e produtos de limpeza. Ao contrário do etanol, o metanol não é seguro para consumo humano: doses pequenas, entre 30 e 100 mililitros, podem causar cegueira, danos neurológicos irreversíveis e até a morte.
O perigo está na semelhança sensorial com o álcool etílico. O sabor, o cheiro e a aparência são praticamente idênticos. Isso faz com que adulteradores substituam parte do etanol por metanol em bebidas destiladas, especialmente em lotes clandestinos de cachaça, vodca e conhaque, para reduzir custos e aumentar o lucro.
– Não é acidente, é crime. O metanol não aparece por erro técnico, ele é colocado de forma intencional. Estamos lidando com uma rede criminosa que lucra com a morte de pessoas. E o mais grave é que a resposta social a esse tipo de crime ainda é tímida – enfatiza Paula Eloize.
A especialista explica que a subnotificação ocorre por três razões principais: falta de diagnóstico laboratorial, omissão de informações e baixa integração entre saúde pública e polícia científica.
Em muitos municípios não há protocolo padronizado para coleta de amostras suspeitas de metanol, o que leva a subnotificações em larga escala.
– Há mortes que jamais entram nas estatísticas porque não há autópsia, e os sintomas são confundidos com outras causas clínicas. Isso mascara a real dimensão do problema. O que aparece nos relatórios é apenas a superfície de algo muito maior – explica.
Essa lacuna se reflete também no cenário internacional. Um levantamento do Médicos Sem Fronteiras (MSF) indica que, entre 1998 e 2025, mais de 40 mil pessoas foram intoxicadas e 14,4 mil morreram no mundo em decorrência de bebidas adulteradas com metanol.
No entanto, a própria instituição ressalta que esses dados estão “longe de representar a totalidade dos casos”, especialmente em países da América Latina, África e Sudeste Asiático, onde a informalidade é alta e o controle sanitário é limitado.
UM DIVISOR DE ÁGUAS
Para a especialista, a crise do metanol deve ser tratada como um divisor de águas para a sociedade brasileira. Um ponto de inflexão em que consumidores, autoridades e comerciantes precisam assumir novos papéis.
– A sociedade precisa entender que segurança dos alimentos, e das bebidas, é um direito básico. O consumidor tem o direito de exigir rótulos, selos e informações claras sobre procedência. E o bar ou restaurante precisa ser parte ativa da solução, não da cadeia do risco – afirma.
– Podemos tratar o metanol como um susto passageiro, ou como o ponto de virada para um Brasil que exige segurança e transparência em tudo o que consome. Essa decisão, literalmente, está nas mãos de quem segura o próximo copo – conclui.
Leia também1 Perícia: Metanol foi adicionado a garrafas apreendidas em SP
2 Metanol: Brasil tem 24 casos de intoxicação em 3 estados
3 Laudo revela causa da morte de advogado do Mensalão
4 "Errei": Tarcísio pede desculpas pela brincadeira com Coca-Cola
5 Assessoria diz que exames de Hungria detectaram metanol


















