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Como dizer NÃO ao trabalho escravo moderno

Saiba sobre fiscalização e se você usa algum produto fabricado por mão de obra escrava

Virgínia Martin - 22/12/2017 12h10 | atualizado em 26/12/2017 11h05

Em pleno século 21, o trabalho escravo configurou-se como um grande problema social atualíssimo. A fiscalização do Ministério do Trabalho não é suficiente para sanar essa crescente epidemia contra os direitos humanos, já que muitos trabalhadores resgatados tendem a retornar ao contexto de escravidão a fim de sobreviver a falta de emprego e sustento.

Animale foi uma das marcas flagradas por utilizar mão de obra escrava em suas produções

Dentre as ocorrências de flagrantes com trabalhadores escravos está o mercado da moda. Em setembro deste ano, uma equipe da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo, com apoio de auditores da Receita Federal, surpreendeu três oficinas de produção da griffe Animale. Nos locais, foram encontrados imigrantes bolivianos que trabalhavam como costureiros por mais de 12 horas por dia. No mesmo ambiente de trabalho, dividiam espaço com instalações elétricas precárias, com risco de incêndio, tendo uma hora de descanso e ganhando uma média de 6 reais por peça produzida. Ou seja, sem remuneração mensal e explorados em situação de extrema vulnerabilidade.

Casos assim interessam para a base de dados do aplicativo Moda Livre, uma ferramenta que revela como 119 empresas de moda (cadastradas) estão combatendo ou estão cedendo a esse tipo de exploração na produção de roupas. Criado em 2013, o Moda Livre avalia e monitora as ações que as principais empresas do setor têm tomado a fim de que suas produções utilizem mão de obra escrava. A plataforma inclui marcas como Topper, Rainha, Timberland, Reserva, Hope e Mash. Das 119 empresas cadastradas, 18% estão na categoria Verde. Ou seja, possuem mecanismos de acompanhamento sobre sua cadeia produtiva e possuem histórico favorável em relação ao tema.

O aplicativo ajuda a monitorar marcas que podem estar aderindo ao trabalho escravo

Jornadas de trabalho exaustivas com sujeição a condições degradantes caracterizam crime, segundo o Código Penal, em seu artigo 149, com punição aos escravagistas e aplicação de penas que variam entre um a oito anos de reclusão e multas. Só no Maranhão, de 2003 até 2017, mais de 8 mil maranhenses foram resgatados de situações análogas à escravidão, o que faz do estado o maior fornecedor de mão de obra escrava, segundo dados do Ministério Público do Trabalho no Maranhão (MPT-MA), com base no Observatório Digital de Trabalho Escravo.

O economista Fábio Guimarães reforça que a erradicação do trabalho escravo ou análogo deve ser uma prioridade. Afinal, países com uma democracia estabelecida não podem admitir esse tipo de relação de trabalho.

– Quantidades de horas trabalhadas elevadíssimas, insalubres, com remuneração abaixo do mínimo para subsistência ou em condições degradantes de dormitório e alimentação são sim trabalhos análogos à escravidão e devem ser combatidos, – estimula Guimarães, que atuou por mais de 10 anos como gestor nas áreas de trabalho e renda e desenvolvimento econômico.

Para ele, a sociedade brasileira precisa combater, de forma incessante, esse mal e discutir casos específicos. por exemplo, a sazonalidade que impõe jornadas maiores, no entanto, o trabalhador é remunerado de forma digna.

– Ou casos em que precisamos de uma legislação específica, como para grandes eventos, onde o trabalhador tem condições de trabalho e remuneração diferentes do estabelecido em lei para o dia a dia, – explica Fábio.

É preciso lembrar que o ano de 2003 foi peculiar diante desse e outros dramas. Segundo cálculos da Comissão Pastoral da Terra (CPT), existiam no Brasil 25 mil pessoas submetidas a condições análogas ao trabalho escravo. No mesmo ano, foi lançado o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, apresentando medidas a serem cumpridas pelos diversos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público e entidades da sociedade civil brasileira. Desde seu lançamento, foram realizadas centenas de operações e abertos 700 processos. Mas quantos desses processados foram absolvidos e condenados?

Há dois meses, no entanto, uma portaria do Ministério do Trabalho trouxe regras que passaram a dificultar o acesso à “Lista Suja”, formada por empregadores flagrados por trabalho escravo no país. Isso porque o acesso e liberação da lista passou a estar sob a responsabilidade única do Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira. Diante desta reconfiguração, o presidente do Sinait (Sindicato Nacional de Auditores Fiscais do Trabalho), Carlos Silva, alertou que as mudanças de regras na fiscalização e na punição simbolizam uma afronta contra a atual política de erradicação do trabalho escravo.

Um relatório, recentemente aprovado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH), considerou esta conclusão como “um retrocesso histórico” no combate ao trabalho escravo no ano de 2017. Para o relator, senador Paulo Rocha (PT-PA), o Poder Executivo “restringiu os meios para uma efetiva fiscalização”, o que pode ser percebido com a diminuição do número de operações e resgates. De janeiro a dezembro deste ano, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) realizou 18 operações e resgatou 73 trabalhadores. O número de trabalhadores resgatados anualmente desde 2003, quando foi lançado o Plano de Erradicação, chegava à média de 3.096, com pico de 5.999 em 2007, tendo caído à ínfima cifra de 73 indivíduos em 2017, informa o documento. Para o coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do MPT, Tiago Muniz Cavalcanti, a portaria viola tanto a legislação nacional quanto os compromissos internacionais firmados pelo Brasil.

– O governo está de mãos dadas com quem escraviza – diz Cavalcanti sobre a alteração das regras.

O argumento maior para a alteração das regras foi buscar delimitar de forma mais clara o que configura uma jornada de trabalho abusiva. Anteriormente, apenas o fiscal do trabalho era o responsável para julgar o caso investigado, definindo se tratava-se de trabalho escravo ou não. Com a mudança pela portaria, um agente policial também deve participar da fiscalização e do critério de julgamento a fim de impedir equívocos. Segundo o documento, jornada exaustiva é a submissão do trabalhador contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir a trabalho fora dos ditâmes legais aplicáveis a sua categoria.

A jornalista Nilza Valeria Zacarias é coordenadora da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito e faz uma crítica às alterações no combate ao trabalho escravo.

– A partir de agora, para que haja identificação de trabalho forçado, jornada exaustiva e condição degradante, é preciso ocorrer privação do direito de ir e vir. E ainda está nas mãos apenas do Ministro do Trabalho a inclusão de nomes na lista suja, que reúne empresas flagradas com trabalho análogo à escravidão – reage Nilza, explicando que antes a lista era competência de uma equipe técnica.

A coordenadora da Frente Evangélica de Estado de Direito vê riscos de que uma nova modalidade de escravidão passe a existir

Uma das características da escravidão contemporânea é a de se manifestar na clandestinidade, marcada por autoritarismo, corrupção, segregação social, racismo, clientelismo e desrespeito aos direitos humanos.

– Vivemos o risco real de uma nova modalidade de escravidão, similar à escravidão negra, abolida em 1888. Não é de hoje que vemos na elite, no pleito dos ruralistas, uma espécie de saudade do escravagismo – repudia a jornalista ativista dos Direitos Humanos.

Nilza ainda afirma que os donos dos negócios – rurais e industriais – deveriam se dispor a ganhar menos.

– Se não por consciência, pela força da fúria do povo – finaliza.

Como deputado federal (PSC-RJ), Arolde de Oliveira observa que inserir a figura de um policial no processo de fiscalização pode reduzir a frequência das operações.

– Será mais um profissional a ser agregado no trâmite, que terá que ser relocado de outra função. Basta dizer que um auditor fiscal já é bem preparado para esse tipo de trabalho. Ele tem formação sobre legislação trabalhista, enquanto o policial precisará ser treinado – opina o parlamentar que está em seu nono mandato.

O procurador de Justiça do estado do Rio de Janeiro, Paulo Leão, lembra que a Constituição Federal de 1988 reconhece o trabalho como fundamento tanto da ordem econômica e financeira como da ordem social (vide arts. 170 e 193, CF). E, na ordem social, é explicitada sua relação com os objetivos do bem estar e da justiça sociais (art. 193, CF).

– Daí resulta a necessidade de proteção e fomento ao trabalho humano, que não pode ser admitido sob a forma servil, escrava ou assemelhada. Nas Sagradas Escrituras, por exemplo, é possível perceber, em várias passagens, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, uma intensa preocupação de Deus para com o trabalhador.

Na missão de monitoramento dos abusos e das irregularidades, o trabalho desenvolvido pelo Observatório Digital de Trabalho Escravo tem se baseado em três premissas: a indústria que utiliza mão de obra escrava é organizada com conceitos e estatutos de análise próprios; essa indústria se distribui de forma estruturada pelo território brasileiro; e como uma indústria organizada e espacialmente estruturada, o trabalho escravo possui curvas de oferta e demanda. Frente ao contexto, há urgência de ações coordenadas e políticas amplas, eficazes e fortes, que também garantam a reinserção e a qualificação dos resgatados.

Alterar regras, modificar leis, ampliar fiscalização, divulgar listas, punir patrões, conscientizar a sociedade – tudo isso é imprescindível. Um desafio a mais para que o Brasil vença a desigualdade social, tornando-se uma nação menos desigual, em que dignidade seja valor, e sem qualquer espaço para a escravidão moderna.

 

 

 

 

 

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