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Moradores de 27 bairros de Itabira participaram de treinamento

Ana Luiza Menezes - 18/08/2019 18h21

Moradores durante o treinamento Foto: Reprodução/TV Globo

Se a história do Brasil fosse uma enciclopédia, dois dos verbetes mais importantes do século 20 teriam origem em Itabira. O poeta Carlos Drummond de Andrade, nascido em 1902, veio primeiro. Mas foi também ali que surgiu a Companhia Vale do Rio Doce, criada pelo governo Getúlio Vargas em 1942, e que tirou as primeiras pedras por explosão do pico do Cauê dois anos depois.

As poesias mais famosas do itabirano Drummond falam da sua relação com a cidade, a cerca de 107 km de Belo Horizonte, e fazem críticas à mineração que virou sina dela. Hoje, Itabira é mais o que surgiu depois da Vale -uma das maiores mineradoras do mundo- do que as casas do século 19 e a paisagem na qual o poeta cresceu.

No (17), mesmo dia dos 32 anos da morte de Drummond, a cidade de 110 mil habitantes passou pelo primeiro simulado de fuga para caso de rompimento de barragens de sua história. A estimativa da Defesa Civil de Minas Gerais era de que 19 mil pessoas participassem, mas a taxa ficou em torno de 40% disso.

Foi o nono simulado realizado pelo órgão no estado desde o rompimento da barragem em Brumadinho, em janeiro, que deixou 248 mortos e 22 desaparecidos. Os testes servem para orientar moradores em áreas de risco para onde se dirigir e em quanto tempo devem deixar as casas em caso de rompimento.

Berço da Vale, cidade de Drummond tem o maior simulado de rompimento de barragens do país Foto: Reprodução/TV Globo

Morando há mais de 40 anos na área baixa que está dentro da mancha de inundação, Eloísa Cristina Ferreira, de 46 anos, conta que nunca se preocupou com as estruturas da Vale, porque sempre acreditou que estava segura.

– Eu quis fazer o teste hoje porque vai que no dia que romper, minhas irmãs não estejam em casa. Queria calcular o tempo em que eu chegaria sozinha aqui em cima, [no ponto de encontro] – disse ela, que é deficiente visual.

A irmã Cleonice Ferreira, de 49 anos, e a vizinha Maria Luzia Rodrigues, de 61, acompanharam Eloísa.

Outro vizinho delas, Antônio Aparecido de Oliveira, de 48 anos, subiu para o ginásio que serviu como um dos pontos de encontro, carregando o pato de estimação, Doralice, debaixo do braço. O nome feminino tem uma explicação. Antônio descobriu que o animal de seis anos era macho com ele já adulto, e resolveu manter o nome mesmo assim.

Ele contou que, como já fez várias cirurgias no joelho, seu medo é não conseguir correr ou caminhar rápido o suficiente em uma emergência.

– A gente pensa sempre em estar seguro. É preocupante, né – falou.

Durante a semana, equipes da mineradora fizeram abordagem em 8 mil imóveis para alertar sobre o simulado e fazer levantamento de pessoas com animais e ou com dificuldade de locomoção, vivendo nas zonas de auto salvamento –a primeira a ser atingida. Apenas 60 não quiseram receber a empresa.

Itabira não tem estruturas em níveis de risco 2 ou 3, que obrigariam a remoção dos moradores de áreas mais próximas. No final de julho, a empresa precisou parar as obras de alteamento a jusante na barragem de Itabiruçu –que tem cerca de 130 milhões de metros cúbicos de rejeito– após identificar mudanças no terreno. Os trabalhos foram retomados no início de agosto.

A Promotoria propôs quatro ações civis públicas relacionadas às barragens da Vale na cidade. Dois termos de ajuste de conduta foram assinados, prevendo a contratação de auditoria externa independente para acompanhar a situação das estruturas da mineradora.

Diferente dos simulados em outras cidades, o de Itabira não calculou os riscos de apenas uma estrutura. A Defesa Civil criou uma super-mancha, sobrepondo as manchas de inundação previstas para caso de rompimento em seis das 15 barragens que a Vale tem na cidade, cadastradas na Agência Nacional de Mineração (ANM).

Cinco delas –três de rejeitos e duas de sedimentos– receberam Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) em março deste ano, seguindo as normas editadas pela ANM depois de Brumadinho. A exceção foi o Dique 2 do sistema Pontal, local que era parte da fazenda homônima da família de Drummond.

Mapa disponibilizado pela Defesa Civil Foto: Reprodução/Defesa Civil

A liminar da Justiça que determinou que a Vale parasse de lançar rejeitos nos dois diques do sistema Pontal cita a Tüv Süd, empresa responsável por atestar a estabilidade, sinalizando as barragens como “fonte particular de preocupação”. Em abril, a Vale acionou o nível de risco 1, que indica estado de prontidão, mas sob controle.

A casa de Délcio das Graças Silveira, de 70 anos, está em um dos pontos críticos, próximo aos rejeitos de Pontal. Ele conta que quando se mudou para lá, a região era arborizada e tinha um córrego. Em seguida, nos anos 1970, a Vale instalou ali a estrutura com rejeitos. O pó do minério cinza, diz ele, invade a casa onde vive com a esposa, a filha e netos.

– Eu mandei uma carta propondo a venda do imóvel, mas até hoje não me responderam”, conta Délcio. “Mas eu defendo a Vale, porque se não fosse a Vale, como Itabira ia sobreviver? A cidade depende da Vale. Se a Vale sair daqui, a cidade vai ser, como diz o poeta, só um retrato na parede.

O sentimento contraditório sobre a empresa parece ser o da maioria dos habitantes de Itabira. As minas da Vale no município empregam mais de 7.400 funcionários próprios e terceirizados.

Em 2018, só em Itabira, a Vale alcançou a produção de 41,7 milhões de toneladas de minério de ferro, o dobro do que a empresa retirava na década de 1970, no início da sua segunda fase, quando começou a operar a usina Cauê e usou o poema “No Meio do Caminho”, de Drummond, em uma propaganda, para se defender de críticas do próprio poeta.

Das janelas da casa onde Drummond cresceu, ao fundo, era possível ver o pico do Cauê, o mesmo morro que um folheto antigo da Vale dizia que “cumpriu seu destino de dar-se, inteiro, pelo Brasil”. No muro das escadas em frente ao sobrado da família de Drummond, que tinha pastos junto ao pico e nunca conseguiu reparação, há uma imagem do Cauê de outrora.

No local, que inspirou versos de “José”, funciona hoje o Hotel Itabira, administrado por um primo em terceiro grau do poeta, Walde Andrade, de 59 anos. Ele diz que, ainda que as barragens de Itabira sejam seguras, construídas a jusante, método diferente daquele usado nas estruturas que romperam em Brumadinho e Mariana, as tragédias recentes deixaram a população receosa.

– Itabira tem que cortar o cordão umbilical entre comunidade e Vale. Tem que andar com as próprias pernas, criando outros recursos para que a cidade tenha outras arrecadações. Já estamos com previsão de só mais oito ou dez anos de mineração – disse ele.

*Folhapress

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