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Boate Kiss: 8 anos da tragédia e sem julgamento dos réus

"Todo janeiro passa um filme na cabeça", diz sobrevivente

Monique Mello - 28/01/2021 14h39 | atualizado em 28/01/2021 19h33

Incêndio na boate Kiss completa 8 anos
Incêndio na boate Kiss completa 8 anos Foto: Reprodução

Na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, um incêndio de grandes proporções matou 242 jovens, a maioria universitários. O local da tragédia foi a boate Kiss, na cidade de Santa Maria (RS).

Quase uma década depois, os quatro réus do caso ainda aguardam o júri popular, que não tem data para acontecer. Na melhor das hipóteses, ocorrerá em algum momento no segundo semestre deste ano. Os réus são:

  • Marcelo de Jesus dos Santos, músico vocalista da banda Gurizada Fandangueira;
  • Luciano Augusto Bonilha Leão, produtor e auxiliar de palco;
  • Mauro Londero Hoffmann, sócio da boate;
  • Elissandro Calegaro Spohr, sócio da boate.

Na fachada do que restou da boate, foi grafitada a frase “Kiss, oito anos de impunidade”. Homenagens estão sendo feitas desde a semana passada. Dois outdoors foram instalados na cidade com as frases “oito anos à espera de justiça” e um trecho do livro da escritora Daniela Arbex: “Se a recordação de uma tragédia é dolorosa, imagina carregá-la dentro de si”.

Imagem atual da fachada do prédio onde funcionava a Boate Kiss
Imagem atual da fachada do prédio onde funcionava a Boate Kiss Foto: Agência Brasil

– Essa situação é muito injusta. São oito anos de sofrimento e dor, e durante esses anos a gente perdeu muitos familiares, pais de vítimas que tiveram outras doenças agravadas pela dor da perda e acabaram morrendo – lamenta Flávio Silva, presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria.

Fundada cerca de dois meses após a tragédia, a entidade reúne pais e familiares das vítimas em busca de reparação. Flávio Silva perdeu a filha Andrielle, de 22 anos, no incêndio. Na ocasião, ela estava na discoteca com mais quatro amigas para celebrar seu aniversário. Todas morreram asfixiadas pela fumaça tóxica liberada pelo fogo que consumia a espuma de isolamento acústico do local.

– A gente não teve tempo de curtir o luto, porque nós partimos do luto para a luta. Então, é uma questão de a gente tentar transformar a dor num ato de amor, que é esse ato de prevenção, e tentar salvar vidas – afirma Silva.

Kelen Ferreira é uma das sobreviventes do incêndio. Ela ficou 78 dias internada no hospital, dos quais 24 foram na UTI e 15 em coma. A perna direita dela precisou ser amputada.

– Quando cheguei na porta, vi que era fogo, porque a fumaça começou a dificultar minha respiração e começou a queimar meus braços. Virei para tirar a sandália, acabei tirando a sandália do pé esquerdo, do direito acabou ficando, o que ocasionou futuramente falta de circulação no meu pé; [este] foi o motivo [por] que tive que amputar [a perna] – contou Kelen ao jornal Bom Dia Rio Grande.

– Todo janeiro, principalmente na semana do dia 27, passa um filme na cabeça, porque eu [me] lembro também das minhas amigas que morreram. Eu perdi três amigas. Eu [me] lembro de tudo o que aconteceu dentro da boate – acrescenta Kelen.

O INCÊNDIO

Por volta das 2h30, um integrante da banda Gurizada Fandangueira, que fazia uma apresentação ao vivo, acendeu um sinalizador de uso externo dentro da casa noturna, e faíscas do artefato acabaram incendiando a espuma que fazia o isolamento acústico do local.

A queima da espuma liberou gases tóxicos, como o cianeto, que é letal. Foi justamente essa fumaça tóxica que matou, por sufocamento, a maior parte das 242 vítimas. Além disso, a discoteca não contava com saídas de emergência adequadas, os extintores eram insuficientes e estavam vencidos.

Parte das vítimas foi impedida por seguranças de sair da boate durante a confusão, por ordem de um dos donos, que temia que não pagassem as contas.

O incêndio na Kiss iniciou um debate no Brasil sobre a segurança e o uso de efeitos pirotécnicos em ambientes fechados com grande quantidade de pessoas. Ainda em 2013, meses após o acidente, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou uma lei complementar estadual, batizada de Lei Kiss, que aumentou o rigor de normas sobre segurança, prevenção e proteção contra incêndios em edificações e áreas de risco. Em 2017, uma lei federal, também batizada de Lei Kiss, foi aprovada pelo Congresso Nacional com o mesmo objetivo.

SITUAÇÃO DO PROCESSO

No processo criminal, com mais de 85 volumes, os empresários e sócios da boate Kiss, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, além do vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e o produtor do grupo musical, Luciano Bonilha Leão, respondem por homicídio simples (consumado 242 vezes, por causa do número de mortos) e por 636 tentativas de homicídio, de acordo com o número de feridos.

Parte das vítimas foi impedida por seguranças de sair da boate durante a confusão

Ao longo do ano passado, enquanto o país começava a enfrentar a pandemia de Covid-19, três dos réus (Elissandro, Mauro e Marcelo) travaram uma batalha judicial vitoriosa para que o julgamento pelo júri popular fosse transferido da comarca de Santa Maria para um foro na capital, Porto Alegre. Em seguida, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) opinou para que Luciano Bonilha também tivesse o desaforamento concedido, embora ele não tivesse requisitado a medida.

Dessa forma, todos os réus poderão ser julgados numa única data e pelo mesmo júri. Entre os argumentos para pedir o desaforamento do caso, os réus alegaram dúvida sobra a parcialidade dos jurados em Santa Maria, por causa da comoção devido à tragédia e do ambiente mais distante e controlado da Justiça de Porto Alegre.

Distribuído por sorteio para a 1ª Vara do Júri do Foro Central de Porto Alegre, em dezembro do ano passado, o processo da boate Kiss agora aguarda a designação de um juiz titular para a Vara, já que a magistrada que ocupa atualmente o posto, Taís Culau de Barros, assumirá novo cargo no Tribunal de Justiça do estado (TJ-RS) a partir de fevereiro. Só depois que um novo juiz da 1ª Vara for definido é que a data e o local do julgamento serão definidos. Desde já, no entanto, a principal preocupação dos familiares das vítimas é que o júri popular não seja a portas fechadas e permita a participação deles.

 

 

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