Ação do STF fez o Rio virar ‘home office’ do crime, diz secretário
Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro é o quarto e último entrevistado da série do Pleno.News
Paulo Moura - 06/12/2024 14h07 | atualizado em 06/12/2024 15h47
No quarto e último episódio da série Rio, Paraíso em Guerra, produzida pelo Pleno.News, o entrevistado foi o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor dos Santos. Aposentado da Polícia Federal (PF) após uma longa carreira de mais de 30 anos na corporação, ele assumiu a pasta em novembro do ano passado, apenas dois meses após deixar a PF.
Ao longo da conversa, o secretário falou sobre o momento atual da segurança pública fluminense e sobre a gestão que tem feito em pouco mais de um ano na pasta. Santos também discorreu sobre a ADPF 635, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e que restringiu a atividade policial nas favelas, e sobre a PEC proposta pelo governo Lula (PT) para a segurança.
Confira alguns pontos da entrevista:
UPPs E NOVAS ESTRATÉGIAS NA PASTA
Ao ser questionado sobre os aprendizados que a segurança pública do Rio de Janeiro obteve com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), o secretário Victor dos Santos ressaltou que a medida teve um grande êxito em seu início, que ocorreu entre 2007 e 2008, mas que a iniciativa careceu de indicadores que apontassem se ela, de fato, estava sendo eficiente.
– A UPP é um projeto que nasceu em 2007, teve um grande êxito no início, ocupação, levando paz e tranquilidade para aquela população, principalmente de comunidade. Mas qual o indicador de resultado que nós temos? Efetivamente, como avaliar se aquele projeto ou aquele modelo de policiamento está sendo eficiente e eficaz? Isso desde o nascimento da UPP não existia – destacou.
O secretário destacou, porém, que a pasta adotou medidas, recentemente, para tornar o projeto mais eficiente para a população. Uma dessas estratégias consistiu em retirar policiais que não estavam nas ruas, mas que eram lotados em atividades administrativas, e colocá-los no reforço do policiamento nos batalhões.
– Nesse primeiro momento, houve essa reestruturação e conseguimos tirar do projeto e colocar nas ruas cerca de mil homens, porque eles estavam focados na atividade-meio, ou seja, numa atividade administrativa do projeto, e quando poderiam estar na atividade-fim, reforçando o policiamento dos batalhões – ilustrou.
PEC DA SEGURANÇA PÚBLICA
Na entrevista, Santos também comentou o projeto para uma “PEC da Segurança Pública” apresentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no início de novembro. Apesar de o governo federal apresentar a proposta com um mecanismo de promoção de diversas mudanças no setor de segurança, o secretário afirmou que “absolutamente nada” mudaria na prática com a proposição.
– Essa PEC, ela na prática não muda absolutamente nada para a segurança pública, não só do Rio de Janeiro, mas para qualquer outro estado do Brasil – resumiu.
Questionado se existiria alguma forma, via legislação, de modificar substancialmente o quadro de segurança pública, o secretário elencou como um dos pontos cruciais a questão da reincidência. Para Santos, o formato atual – que só considera reincidente o criminoso com pena transitada em julgado – passa para a sociedade uma sensação de insegurança e estimula o criminoso “contumaz”.
– A reincidência, tecnicamente falando, é aquele criminoso que foi condenado, transitado em julgado, e que volta a cometer crime. Mas existe o criminoso contumaz, habitual, então essa habitualidade tem que ser levada em conta. Tem casos aqui de um policial que prendeu o mesmo criminoso 30 vezes – exemplificou.
ADPF 635 E A ATUAÇÃO DAS POLÍCIAS
O secretário também falou sobre a ADPF 635, ação que tramita no STF e que sofreu críticas recentes do governador Cláudio Castro (PL) por restringir a atuação das forças de segurança nas favelas do Rio de Janeiro. Para Santos, a medida, de fato, engessa o trabalho das polícias e, estruturalmente, faz com que ocorra uma migração de criminosos de outros estados para o Rio.
– Após a ADPF, a luta e disputa por territórios, ela cresceu bastante. E não só isso, o que é pior, criminosos de outros estados, lideranças criminosas de outros estados, vêm para o Rio de Janeiro, porque sabem que aqui nas comunidades eles têm, de alguma maneira, uma certa segurança ou segurança maior do que os seus estados. E acaba que a comunidade vira um home office para eles, que eles daqui do Rio de Janeiro continuam controlando e comandando suas organizações criminosas em seus estados – lamentou.
Victor disse ainda que concorda com o posicionamento do governador Cláudio Castro (PL), que defende que a ação seja derrubada pela Suprema Corte.
– Eu acho que [a ADPF] já durou tempo demais e o governador está correto em relação a isso – apontou.
ESTRUTURA DAS FORÇAS DE SEGURANÇA
Ao ser indagado se considera que a estrutura que as forças de segurança do Rio de Janeiro dispõem hoje seria suficiente para enfrentar o crime organizado, Victor respondeu positivamente, mas reconheceu que o quadro “ainda não é o ideal”.
– Sabemos que [o quadro] ainda não é o ideal. O governo está investindo diariamente em novos equipamentos, tecnologias e armamentos. Policiais têm participado de seminários e congressos para aprender boas práticas e trazer novas soluções para o estado. O objetivo é garantir que a polícia esteja sempre um passo à frente do crime organizado – completou.
*Você pode ouvir a entrevista em podcast no Pleno.News, no Spotify, na Deezer, no Google Podcasts e no Apple Podcasts.
Leia também1 Marcelo Rocha Monteiro: "STF proibiu a polícia de reprimir o crime"
2 Dr. Carlos Oliveira: "Nos últimos anos houve a despenalização do criminoso"
3 "Até hoje, o combate ao crime não foi feito de maneira eficiente"
4 Gualberto: "Cadeia não é motel. Quê isso, é colônia de férias?"
5 Deputado expõe situação no Rio: "Estupra, mata, e tem benesses?"