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Advogados analisam música de Ludmilla sobre maconha

Psicopedagoga também fala sobre os riscos da exposição desse tipo de música para as crianças

Rafael Ramos - 02/01/2020 21h02

Nova música de Ludmilla gerou polêmica na internet Foto: Reprodução

Três dias após anunciar o cancelamento de seu contrato com uma marca de calçados por causa de fazer apologia à maconha em Verdinha, a cantora Ludmilla divulgou a nova música no programa Encontro com Fátima Bernardes, na manhã do dia 23 de dezembro. Com quase 30 milhões de visualizações no YouTube, o clipe da canção chegou a receber classificação indicativa de 18 anos por parte da plataforma, mas a mesma foi retirada horas depois.

O advogado especialista em Ciências Criminais, André Lopes dos Santos, que é membro do 20º Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP, explica que há diferença entre induzimento, instigação, incitação e apologia ao crime e cada termo possui tipos penais distintos com penalidades diferenciadas.

– O delito de incitação ao crime, previsto no artigo 286 do Código Penal, consiste em instigar ou incentivar, em público, a prática de crime com detenção de três a seis meses ou multa. Por outro lado, o delito de apologia ao crime, previsto no artigo 287 do Código Penal, consiste em enaltecer com vigor publicamente a crimes ou a pessoas condenadas definitivamente pela prática de crimes com penalidade prevista igual à incitação. Já a Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas) disciplinou em seu artigo 33, § 2º, que “induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga” pressupõe a pena de detenção de um a três anos e multa de cem a trezentos dias-multa – declarou André ao Pleno.News.

Analisando a música em questão, o especialista explica que a letra da música de fato faz alusão ao uso de drogas. Todavia, o uso de maconha não configura crime, uma vez que a pena prevista para tal conduta não é de detenção ou reclusão. Assim, a posse de drogas para consumo pessoal não configura crime, o que dificulta enquadrar a conduta da cantora Ludmilla aos tipos penais vigentes.

– Não há dúvidas de que a mensagem que se pretende transmitir é a de enaltecimento de drogas, o que ao meu ver, é vergonhoso, sobretudo na sociedade violenta na qual vivemos. Nesse sentido, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5194/2019 que pretende alterar o Código Penal para tornar crime a utilização de músicas para a apologia e incitação ao uso e ao tráfico de drogas, o que ao meu ver representa um avanço legislativo, uma vez que o direito a liberdade de expressão não é absoluto e deve buscar harmonia com os demais direitos e garantias individuais, como a paz pública.

A advogada Liziane Luciana da Silva Sucena, com pós-graduação em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Metropolitano de São Paulo, ressalta que a letra da música traz um enaltecimento ao uso de entorpecentes, o que é proibido no ordenamento jurídico. Liziane também avaliou as imagens do videoclipe que apresenta o consumo de drogas ilícitas, produção e comercialização de entorpecentes e utilização de armas.

– Como mensagem escrita, pode ser entendida como apologia ao mencionar que ficou “chapadona só com a marola da Ruhana”, que remete à Marijuana uma das expressões utilizadas para descrever a maconha e marola é relacionado ao cheiro da fumaça que a maconha produz quando consumida. Então aqui, no meu entender, há menção de que houve consumo, o que até poderia ser enquadrado como apologia, pois consumir entorpecentes, inclusive maconha, no Brasil, ainda é crime. O videoclipe aliado à letra da música pode incitar o expectador a cometer ato ilícito de plantar, consumir e comercializar drogas, inclusive com uso de armas. Ela é pessoa pública e formadora de opinião e seu trabalho está em domínio público – explicou a advogada.

Cantora gerou indignação ao apresentar música na Rede Globo. Foto: Reprodução

Para Liziane, se o material for considerado criminoso e houver determinação judicial para a retirada, tanto a música quanto o clipe podem ser banidos das plataformas. Em relação à Rede Globo, a advogada conta que qualquer pessoa que se sinta lesada, fazendo uso de seu direito de ação, pode processar outra judicialmente, mas isso não implica, necessariamente, em condenação, visto que, antes de qualquer penalidade, é sempre necessária a aplicação de contraditório e ampla defesa.

– A justiça sempre precisa ser provocada para que proceda a qualquer tipo de ação. Caso algum interessado busque a justiça sob o argumento de apologia e/ou incitação, os envolvidos poderão responder processo crime e, na hipótese de condenação, pode ocorrer detenção, de três a seis meses, ou multa (pena prevista para cada um dos crimes), pois se tratam de crimes de menor potencial ofensivo.

ORIENTAÇÃO AOS PAIS
Apesar da referência à maconha, inserida na música escrita pela própria Ludmilla, o clipe dirigido por João Monteiro retrata a cantora como uma fazendeira plantadora de alface. Devido ao apelo da cantora com o público infantil, alguma mães relataram que a presença do vegetal no vídeo fez com que seus filhos passassem a consumir mais da hortaliça nas refeições.

Porém, a psicopedagoga Débora Luz critica a postura dos pais que deixam os filhos terem acesso a esse tipo de conteúdo com duplo sentido. Ela alerta que a fase da infância é um momento em que o indivíduo tem seu caráter e visão de mundo formados.

– No contexto da música ficou explícita a apologia ao cultivo e uso da maconha. Além disso, outras palavras de baixo calão são inseridas na música, deixando bem claro que está destinada a um público adulto. Sabemos o quanto o cérebro da criança está apto e receptivo a estímulos e novas aprendizagens. Na fase da infância, a criança está absorvendo e armazenando informações e é nesta fase que plantamos o que queremos na criança para que, na sua vida futura, como adulta, possamos contemplar os frutos de um indivíduo bem educado e idôneo – comentou a profissional.

Débora orienta aos pais que sempre se perguntem sobre que indivíduo eles querem que seus filhos sejam no futuro e quais são os valores e princípios que querem passar para os pequenos.

– Os pais devem colocar na vida de seus filhos fundamentos firmes sobre o que é importante, o que tem valor, quais são os princípios da família e protegê-los. Além disso, cabe a eles ajudar as crianças a reconhecer o que é verdadeiro e, logo que ouvirem algo que não condiz com os fundamentos que lhe foram ensinados, automaticamente elas irão rejeitar. É mais fácil ensinar a reconhecer algo que tem valor, então invistam em bons filmes, boas músicas, bons livros e rapidamente seus filhos saberão rejeitar aquilo que não convém a eles.

OUTROS MAUS EXEMPLOS
Com a polêmica em torno da música, vale lembrar que outros artistas já foram pressionados por canções de apologia a entorpecentes. Em 1997, o rapper Gabriel o Pensador fez sucesso com a música Cachimbo da Paz, de seu álbum Quebra-Cabeça. Em alguns trechos, a música faz menção à maresia e os efeitos da fumaça do tal cachimbo.

Já Marcelo D2 cantou em prol da legalização da maconha na música Legalize Já, onde questiona o porquê de quem fuma maconha ser tratado como marginal. Considerado o rei do reggae, o cantor Bob Marley também enalteceu a droga em várias de suas canções.

O ex-Beatles admitiu que sucesso da banda fazia menção à droga Foto: Reprodução

Mas não são apenas o funk e o reggae que tratam sobre o tema. Até mesmo o cantor Erasmo Carlos, um dos ícones da Jovem Guarde, cantou sobre o entorpecente na canção Maria Joana, lançada na década de 70. Até mesmo o cantor Paul McCartney já admitiu que uma das canções do Beatles – Got to Get You Into my Life – falava não de um amor romântico, mas o de um homem por sua maconha. Anos depois, ele confessou que parou de fumar para não dar mau exemplo para os netos.

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