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Opinião Russell Shedd: Graça sem limites

Não há valor nas obras feitas para se conseguir aceitação divina. O legalismo não tem qualquer papel na salvação

Russell Shedd - 04/03/2018 08h00

O mundo pós-moderno, além de rejeitar o conceito de verdade absoluta, tem fortes restrições à intolerância.

Um mundo globalizado, que valoriza uma política democrática, que percebe a grande importância de aceitar todas as raças, cores de pele, opiniões religiosas ou políticas como iguais, não pode se dar ao luxo de rejeitar pessoas diferentes. Minorias devem ter os mesmos direitos que a maioria. Não admitimos mais escravos nem a condenação de hereges à fogueira. Porém, os difundidos valores da atualidade ocidental têm implicações para a visão geral da graça de Deus.

Durante quinhentos anos, o protestantismo tem negado o valor das obras feitas pelo esforço próprio para conseguir a aceitação de Deus. O legalismo não tem qualquer papel na salvação, apenas na condenação. A lei conduz o pecador a Cristo, que abre a porta da salvação pela fé. Graça revela a aceitação do sacrifício de Cristo como suficiente para anular o pecado e encaminhar o então renascido filho nos trilhos da santidade. Isto é o que significa salvação pela fé em Cristo.

No lugar da lei, Deus cumpre sua antiga promessa de enviar seu Espírito aos corações dos que creem em Cristo e conduzi-los vitoriosamente para sua salvação final. Paulo coloca essa verdade em Gálatas assim: “Andai no Espírito e jamais satisfareis a concupiscência (desejo) da carne” (5:16).

Até aqui tudo bem! Não há problema quanto ao perdão dos filhos pródigos em voltar para a casa onde o Pai os recebe de braços abertos e lhe oferece uma festa maravilhosa. A graça ilimitada de Deus é o cerne das Boas-Novas que recebemos e oferecemos nas igrejas verdadeiramente evangélicas.

Uma vez recebida a oferta de perdão pela fé, pecadores que não merecem a graça descansam no “infinito” amor de Deus. Assim, somos confrontados com a difícil questão dos pecados “pós-batismais”, os delitos dos crentes. São eles os escândalos, adultérios, divisões e divórcios, além das ações antiéticas de políticos que envergonham os evangélicos que os elegeram. A lista está longe de ser completa. Será que justificação pela graça não engendra um perigo de apatia espiritual e moral?

Jesus contou a história do devedor de dez mil talentos, cerca de trezentos e cinquenta quilos de prata, que, depois de receber perdão da dívida que nunca conseguiria pagar, não perdoa uma pequena dívida de um colega. O credor original aplicou a dívida novamente ao devedor com todo o seu rigor! Como ficaria a graça quando o devedor arrependido volta, implorando o credor para anular a obrigação depois de ouvir a sentença? Conseguiria perdão? O seu caráter realmente mudou?

Será que a graça pode ser recebida sem nenhum constrangimento? Creio que o filho mais velho interpretou a indulgência com que o pai tratou o pródigo como promoção à libertinagem. Paulo disse que o amor de Cristo nos constrange como uma camisa de força que restringe quem a veste. Pecar para promover um aumento de graça é um engano, segundo Romanos 6.

Era de se esperar que a tolerante sociedade ocidental entendesse que Deus não aplicaria uma exigência de santidade mais rigorosa para pecados de crentes do que para os que se entregam a Cristo pela primeira vez. Todos mostram tolerância ilimitada para os que vêm do mundo para Jesus. Ele veio para salvar pecadores. O transporte do império das trevas para o reino de luz foi efetuado por Deus livremente.

Não foi o próprio Senhor Jesus que mandou que os seus seguidores perdoassem ofensores setenta vezes sete? Não seria voltar para o legalismo exigir uma vida santa que impõe um padrão de comportamento e atitudes de alguém que tomou sobre si o jugo de Cristo? Os donatistas do norte da África no século 4 se separaram da Igreja Católica porque acharam que a igreja tinha que ser santa. Pessoas que cometeram pecados graves, tais como adultério, homicídio, ou negaram a fé na perseguição, somente poderiam ser perdoadas se fossem martirizados.

Não será possível, nas limitações dessa coluna, tratar a questão da disciplina da igreja mais profundamente. Uma vez que a igreja se fragmentou em milhares de denominações, não é possível banir definitivamente um cristão que pode se afiliar a outra igreja ou denominação. Ser excluído de um igreja local não significa que todas as igrejas reconhecerão a disciplina. A tolerância continuará, se não em todas as igrejas evangélicas, pelo menos na grande maioria.

Russell Shedd Era conferencista internacional, bacharel em Teologia com especialização em Bíblia e Grego, Mestre em Novo Testamento e PhD em Filosofia. Nascido na Bolívia, filho de pais missionários, veio para o Brasil em 1962. Escreveu mais de 30 livros, publicados pela Shedd Publicações e pela Edições Vida Nova, fundadas por ele. Faleceu em 2016, aos 87 anos, vítima de câncer. Neste espaço, recebe homenagem do Pleno.News, que publica textos daquele que foi conhecido como o maior teólogo do Brasil.
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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