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Coluna Vinicius Cordeiro e Bruna Franco: A carne e os maus-tratos aos animais

A questão da carne não é restrita apenas à comunidade vegana. Ela é importante para todo ser humano que se preocupa com a vida

Vinícius Cordeiro - 15/02/2018 09h15

A agropecuária tem grande importância para a humanidade e para a economia, visto que sua produção é destinada ao consumo humano e para venda dos produtos obtidos. Contudo, vários desequilíbrios ambientais estão ocorrendo em consequência da expansão dessa prática e da utilização de métodos para o cultivo e criação dos animais.

A pecuária necessita do desmatamento de áreas muito extensas, devido à necessidade de derrubada da vegetação para tornar a área uma zona de pastagem. A degradação do solo tem sido tão impactante que a própria recuperação deste fica prejudicada. Isto ocorre, principalmente, pela compactação dele através do pisoteamento do gado, o que resulta no aumento da erosão e diminui a infiltração da água. As queimadas intensificam a poluição e retiram nutrientes do solo. A pecuária intensiva é também responsável pelo aquecimento global devido às massivas emissões de gases poluentes. Além disso, a digestão dos bovinos emite gás metano. Esses são tidos como os principais motivos para o aquecimento global.

O Brasil é um dos maiores exportadores de carne bovina do mundo por manter a sua produção aumentando todos os anos. Por essa razão, o setor de agropecuária é um dos mais fortes da economia brasileira. A exportação brasileira sofreu, em tempos recentes, duras críticas da União Europeia, e mesmo da Rússia, pois não estaria observando padrões internacionais de qualidade, o que acarretou, inclusive, na perda de milhões de dólares em contratos. Contudo, o Brasil recuperou grande parte dessas operações, e também se notabilizou pela venda em grandes quantidades a países muçulmanos, como a Turquia, que ganhou grande visibilidade recentemente, na mídia nacional e internacional.

Esclareça-se que, de acordo com os preceitos do Alcorão e pela legislação islâmica, religião praticada em países muçulmanos, há de ser observado o abate halal. Para esse tipo de abate, o animal deverá estar saudável, livre de qualquer sofrimento físico para ser degolado com o corpo voltado à cidade sagrada de Meca, pelas mãos de um muçulmano treinado e habilitado para o corte. A faca com a qual é feita a degola precisa estar afiada garantindo a morte instantânea. Antes de cada abate, o degolador pede autorização a Deus, em árabe, como forma de mostrar obediência e agradecimento pela comida e de reafirmar que não está matando o animal por crueldade ou sadismo, mas para alimentar-se. O ritual guarda semelhanças com o ritual judaico kosher.

Durante as operações de transporte para a exportação de gado vivo, ativistas dos direitos dos animais e meio ambiente em todo o país têm constatado a ocorrência comum de maus-tratos e crimes ambientais, durante o transporte da chamada “carga viva”.

Segundo constataram agentes da prefeitura de Santos, os veículos que fizeram o transporte rodoviário do campo para o porto não garantiram o bem-estar animal, e deixaram o gado altamente estressado, confinados a um espaço mínimo, sem drenagem ou armazenamento de excrementos, que também eram lançados em via pública, segundo atestou o laudo. Ademais, segundo a fiscalização, “muitos caminhões e suas caçambas dispunham de varetas com pontas metálicas conectadas ao sistema elétrico do veículo, cujo objetivo é impedir, mediante descargas elétricas, que os animais se deitem no assoalho do veículo”.

Pior ainda, segundo o mesmo laudo, eram as condições do navio extremamente ruins, com “a imensa quantidade de urina e excrementos produzida e acumulada nesse período, que propiciou impressionante deposição no assoalho de uma camada de dejetos lamacenta”.

O relatório ainda apontou péssimas condições sanitárias, ruído impróprio e de limpeza, alertando que “(…) Definitivamente, o transporte marítimo de carga viva não contempla a possibilidade de saída dos animais de suas baias de confinamento até seu destino de chegada, impedindo assim qualquer tipo de descanso ou passeio para o animal. No interior de seu recinto de confinamento (baias) é unicamente possível ao animal prostrar-se ao chão. Tal movimento certamente diminui espaço na área dos animais
vizinhos, presos no mesmo brete, sujeitando assim o animal a contato íntimo com seus dejetos e os dejetos de outros animais.”

Ao descobrir tais condições, ativistas se mobilizaram e houve uma guerra de liminares, para impedir a continuação de tal processo, que infligia maus-tratos a mais de 25 mil cabeças de gado. Desde então, tem se mobilizado advogados, e ativistas sensibilizando a todos sobre o tratamento estressante dispensado ao rebanho bovino. Tem havido também protestos de ativistas da proteção animal nas embaixadas e legações turcas.

Essa questão não é somente restrita à comunidade vegana, que não consome carne, mas interessa a toda a população, que tem consumido certamente carne sem observância de regramento internacional e que não leva em conta o estresse a que são submetidos os animais em questão, contaminados com toxinas, e substâncias prejudiciais à saúde, produzidas pelos maus-tratos que sofre o rebanho bovino durante o
transporte rodoviário e marítimo, na atividade exportadora.

Além de ser uma questão de saúde pública, alertamos para o inegável fato de que a cultura de produção e consumo excessivo de carne, traz outras implicações dramáticas ao nosso país, e à saúde pública, como o desmatamento, a poluição, efeitos climáticos, e o comprometimento das reservas de água e de mata preservada.

Vamos preservar a vida!

Vinicius Cordeiro é advogado, ex-Secretário de Proteção Animal do Rio de Janeiro.
Bruna Franco é ativista, dirigente da ONG ADDAMA e produtora executiva da ONG Celebridade Pet.
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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