Credibilidade da imprensa derreteu como sorvete ao sol
Chavões não são propriamente princípios. Nem à esquerda, tampouco à direita
Helder Caldeira - 21/06/2019 17h01
Ficou fácil acusar o respeitável público pelas gargalhadas fora de hora no circo. Todos os dias, nossos notórios “especialistas” apontam seus dedos para as redes sociais para culpar os internautas pelo clima de Fla x Flu, pela polarização de opiniões. Não se reconhecer partícipe e culpado é mais fácil. Mais conveniente.
Na verdade, a origem desse caos está no retumbante fracasso do Jornalismo como principal instrumento de aferição, de checagem das informações circulantes. A credibilidade da imprensa derreteu tão rapidamente quanto sorvete ao sol.
É preciso observar a consolidação de grupos sociais lastreados por um primitivismo — não raro criminoso — travestido em véus conservadores ou progressistas, que fazem uso de uma eloquência tacanha para validar ideias de forma superficial e sem qualquer apego a princípios. Registre-se: princípios de fato, aqueles basilares ao Estado Democrático de Direito.
Chavões não são propriamente princípios. Nem à esquerda, tampouco à direita.
A consolidação desses grupos nas últimas três décadas, e consequente validação de seu ideário, tem raízes na ruptura de credibilidade dos meios de comunicação tradicionais, na opção editorial por privilegiar a injeção de fartos recursos públicos em suas redações em troca da venda de releases pré-fabricados por assessorias políticas de imprensa, em detrimento à realidade dos fatos e sua obrigatória checagem e criticidade.
“Boa parte da perda de credibilidade de grandes grupos de comunicação vem da dissociação entre o que as pessoas veem no mundo ao seu redor e aquilo que elas recebem como material jornalístico. Elas começam a detectar uma diferença, começam a achar que o mundo delas é diferente daquele que lhe é servido nos noticiários. Quando essa diferença abre, ela vai incentivando a questão da perda de confiança e credibilidade. É aí que nós entramos na questão das fake news. Fake news não é alguém dizer que Lula tem dez dedos, porque todo mundo sabe que ele tem nove. Fake news é: a quem eu recorro para saber se são dez ou nove dedos nas mãos de Lula? Quando esse papel se perdeu — e ele se perdeu! —, nós temos a crise atual de credibilidade.”
A declaração acima é uma transcrição de um pequeno trecho da entrevista concedida pelo jornalista William Waack — ex-Globo, contratado a peso de ouro pela CNN Brasil — ao canal Democracia na Teia, do professor e filósofo Luiz Felipe Pondé, no YouTube. Absolutamente lúcido, sem amarras, direto e em pleno domínio de seus meios, Waack dá uma aula sobre a crise de credibilidade no Jornalismo. Trata-se de peça indispensável a quem pretende dispor de repertório para debates. Assista: https://youtu.be/UvdcKDNxZcc
Quando a plateia não sabe se o formador de opinião, no centro do picadeiro, está a falar verdades reais ou meras palhaçadas, dá-se a gargalhada fora de hora. As redes sociais são a plateia nesse novo formato do circo.
Helder Caldeira é escritor, colunista político e palestrante. Há duas décadas atua e escreve sobre a Política brasileira. É autor dos livros ‘Águas Turvas’, ‘Bravatas, gravatas e mamatas’, ‘Pareidolia política’, entre outros. Contato: eventos@heldercaldeira.com.br |