O perigoso delírio eleitoral
Se a esquerda é incapaz de autocrítica, a direita bolsonarista tem se mostrado pouco afeita ao reconhecimento de suas próprias limitações
Helder Caldeira - 20/05/2019 18h45
A política brasileira vive dias de atmosfera delirante. As manifestações de rua são prova inequívoca dessa espécie de delírio eleitoral que ainda acomete os extremos ideológicos. Falta-lhes uma dose de bom-senso.
À esquerda, os partidos políticos e seus militantes vão às ruas fingindo-se vítimas de doce amnésia. Governaram este país por 13 anos, mergulhando-o num lamaçal de corrupção jamais visto na História de uma democracia ocidental, mas posam de vestais. Em 2017, a Polícia Federal divulgou um balanço com os números apenas da Operação Lava Jato e eles são estarrecedores: R$ 12,5 trilhões analisados em operações financeiras investigadas. Deste montante estratosférico, havia R$ 2,4 bilhões bloqueados ou apreendidos e outros R$ 745 milhões repatriados de contas clandestinas no exterior. [Fonte: Polícia Federal https://bit.ly/2CvJF1G]
Foi exatamente essa roubalheira sem precedente histórico que levou à inflexão eleitoral em 2018 e fez Jair Bolsonaro chegar à Presidência da República. Seus 57 milhões de votos são compostos basicamente por dois tipos: seu eleitorado fiel, aquele que, chova ou faça sol, irá apoiá-lo quase incondicionalmente, mas que representa apenas uma pequena parcela dos responsáveis pela vitória; e o imenso contingente de cidadãos que votaram em Bolsonaro exclusivamente para não permitir a permanência do PT e da esquerda no poder, lastreados pelo discurso do combate veemente à chamada “velha política”.
Se a esquerda é incapaz de autocrítica e cobra ferozmente que o atual governo solucione em cinco meses todas as mazelas por eles criadas em mais de uma década, a direita bolsonarista também tem se mostrado pouco afeita ao reconhecimento de suas próprias limitações e desconhecimento do que seja o Estado e seus poderes e funções institucionais.
É preciso esclarecer que a habilidade para gerir o Poder Executivo dentro de um presidencialismo de coalisão distorcido, não significa rendição à “velha política”. Ao contrário, uma nova forma de fazer política só sairá do discurso e terá chance de consolidação quando houver o fortalecimento da figura presidencial a tal ponto que os Poderes Legislativo e Judiciário fiquem realmente limitados às suas devidas atribuições dentro do Estado Democrático de Direito.
O que acontece neste momento? Preso ao delírio do discurso eleitoral, Jair Bolsonaro não conseguiu, até agora, robustecer a figura do Presidente da República. Herdou um Estado sucateado, sem dinheiro e repleto de dívidas, tornando ações executivas efetivas praticamente inviáveis. Ao vazio dos cofres, soma-se a inabilidade técnica de alguns ministros, de seus correligionários no Congresso Nacional e do próprio Bolsonaro.
Vem desse emaranhado de fatores a falsa sensação de que, para fortalecer o Presidente da República, é necessário convocar uma manifestação de rua em seu apoio. Jânio Quadros e Fernando Collor tentaram essa estratégia e despediram-se melancolicamente do Palácio do Planalto. Por mais vultosas que sejam as manifestações no dia 26 de maio, elas não vão alterar a raiz do problema, que é esse semipresidencialismo que vem ganhando corpo desde o enfraquecimento de Dilma Rousseff e consequente fortalecimento da figura do Presidente da Câmara dos Deputados, à época Eduardo Cunha, hoje Rodrigo Maia.
Na política, seja ela “velha” ou “nova”, é assim: não há espaços vazios. Manter-se em delírios retóricos dos tempos de campanha apenas alimenta aqueles que destruíram o país e agora estão posando de bons moços, mas que desejam ardentemente reduzir, cada vez mais, os poderes do Presidente do Brasil.
Helder Caldeira é escritor, colunista político e palestrante. Há duas décadas atua e escreve sobre a Política brasileira. É autor dos livros ‘Águas Turvas’, ‘Bravatas, gravatas e mamatas’, ‘Pareidolia política’, entre outros. Contato: eventos@heldercaldeira.com.br |