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Fake food, fake news

O marketing da indústria alimentícia tende a criar narrativas com informações ambíguas, descontextualizadas e incompletas

Juliana Dias - 08/02/2019 10h02

Se há a defesa da comida de verdade, é porque há também uma alimentação que não condiz com práticas saudáveis e sustentáveis. Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, devemos ser críticos quanto às “informações, orientações e mensagens sobre alimentação veiculadas em propagandas comerciais”. Ainda de acordo com o Guia, mais de dois terços dos comerciais sobre alimentos veiculados na televisão se referem a produtos comercializados nas redes de fast food, salgadinhos “de pacote”, biscoitos, bolos, cereais matinais, balas e outras guloseimas, refrigerantes, sucos adoçados e refrescos em pó, todos esses classificados como ultraprocessados.

A maioria desses anúncios é dirigida diretamente a crianças e adolescentes. O estímulo ao consumo diário e em grande quantidade desses produtos é muito claro nos anúncios. Hoje, a obesidade atinge dois bilhões de pessoas no mundo, em função da má alimentação, que contribui significativamente para o avanço de doenças crônicas como diabetes, cânceres e problemas cardíacos.

O marketing da indústria alimentícia tende a criar narrativas com informações ambíguas, descontextualizadas e incompletas. É o caso da utilização parcial de informações científicas para validar um produto. Atribui-se valor isolado para nutrientes em detrimento do alimento em si. É comum as embalagens estamparem alegações para a saúde como: rico em fibras e fonte de vitamina C, seguido de uma longa lista de aditivos químicos, excesso de sal, açúcar e gordura. Esses são os três ingredientes indispensáveis para fisgar nosso paladar, pois dá sabor e crocância a substâncias sintetizadas em laboratórios, que têm aspecto de comida. O sociólogo francês Claude Fischler chama de Objeto Comestível Não Identificado (OCI) ou fake food (para fazer uma comparação com as fake news).

O açúcar, por exemplo, pode vir disfarçado com vários codinomes: maltodextrina (altíssimo índice glicêmico) e xarope de milho (feito a partir do amido de milho, utilizado em bolos, caramelos, geleias, sorvetes). Se no rótulo afirma que o produto é “caseiro”, “artesanal” ou “gourmet”, mas vem em uma caixinha, dê uma lida nos ingredientes. O ideal é que tenha, no máximo, de 3 a 5 ingredientes e, de preferência, reconhecíveis por você e pela natureza. A ordem da lista é crescente. Então, se você vira a caixa e o primeiro da lista é açúcar, significa que tem mais açúcar do que a informação propagada na publicidade ou na frente da embalagem.

O projeto Sin Azucar, do fotógrafo madrilenho Antonio Rodríguez Estrada, tem o objetivo de revelar essas fake news. A ideia é ilustrar em cubos açucarados a proporção indicada na embalagem em contraste com o anúncio.

Essa fake food é nutrida por fake news. A britânica Claire Wardle, especialista em compartilhamento de conteúdo no meio digital, explica que há dois tipos de informações enganosas. A má informação – quando se compartilha, inadvertidamente, informações falsas; e a desinformação – criação e compartilhamento de informações falsas. A propaganda é uma das formas de disseminar conteúdo enganoso ou com potencial para induzir ao engano. Por isso, siga as recomendações do guia: “Avalie com crítica o que você lê, vê e ouve sobre alimentação em propagandas comerciais e estimule outras pessoas, particularmente crianças e jovens, a fazerem o mesmo.

Para escapar das fake news contidas nas fake foods, anote também a dica da Clarie: “Toda vez que aceitamos ou compartilhamos passivamente uma postagem, uma imagem ou um vídeo sem confirmar as informações, aumentamos o ruído e a confusão”. Podemos incluir aqui as propagandas de alimentos ou a leitura atenta dos rótulos das embalagens. Para Clarie, a poluição de informações é tão grande que temos que nos responsabilizar por verificar de forma independente o que vemos online.

Também acrescento que devemos pleitear mudanças em políticas públicas de rotulagem de alimentos (que está em pauta atualmente), a restrição de publicidade para menores de 12 anos, entre outras medidas que possam combater a má alimentação e a má informação.

Juliana Dias é jornalista e pesquisadora na área de alimentação, comunicação e cultura. Possui doutorado em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia (HCTE/UFRJ) e mestrado em Educação em Ciências e Saúde (Nutes/UFRJ). Coordena os cursos de pós-graduação e extensão em Jornalismo Gastronômico na Facha, integra a Comissão de Gastronomia do Estado do Rio de Janeiro .
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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