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Gays na Igreja: O foco não é a heterossexualidade, mas o relacionamento com Cristo

Deus está muito mais interessado em trazer o homossexual para perto Dele do que em deixá-lo afastado

Marisa Lobo - 15/09/2018 10h27

Falar de sexualidade na igreja é algo delicado, quando isso envolve a homossexualidade, então, se torna ainda mais. Isso ocorre em boa parte porque deixamos de abordar esses temas como deveríamos, com mais transparência e segurança, mas também porque falta conhecimento dos líderes sobre o assunto.

Felizmente este cenário está mudando e profissionais especializados, como é o meu caso, estão sendo convidados para ministrar em seminários e outros eventos promovidos visando preencher essa lacuna, o que é ótimo.

Foi pensando nisso que resolvi contribuir, tratando, no texto de hoje, de algo que considero importantíssimo para a igreja, que é o foco na abordagem das pessoas gays recém convertidas.

Infelizmente, mais uma vez por falta de conhecimento e até preconceito, algumas vezes no lugar de auxiliar tais pessoas, terminamos prejudicando o relacionamento delas com Deus, afastando muito mais do que às aproximando do Senhor, e isso acontece por algumas razões que especifico abaixo:

O OLHAR SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE COMO UM PROBLEMA EXCLUSIVAMENTE ESPIRITUAL
Escrevo aqui, antes de tudo, sob a perspectiva da teologia cristã, portanto como uma cristã. Nesse aspecto, alguns encaram a homossexualidade como um problema exclusivamente espiritual, chegando a dizer que todo homossexual convertido precisa se “libertar” de espíritos malignos e etc.

Isso é um erro! De certa forma todos os nossos pecados são problemas espirituais, incluindo o da homossexualidade, mas assim como vários outros, nem sempre o que causa esse pecado é fruto de influência espiritual direta, mas sim de um contexto de vida muito complexo que exige compreensão, principalmente sob o aspecto psicológico.

Por exemplo, quando lidamos com um dependente químico convertido, sabemos que ele luta contra o pecado do vício, mas para tratar esse problema não retiramos apenas a droga do seu alcance. Esse dependente muitas vezes vem de um ambiente familiar disfuncional onde há violência, abandono, abusos, divórcio, fracasso profissional ou amoroso e até luto não resolvido. Ou seja, são muitos problemas associados que contribuíram para que a droga se tornasse uma espécie de muleta emocional na vida dessa pessoa. Assim, não basta afastá-lo da droga, é preciso trabalhar o contexto que lhe levou ao consumo. Veja que, por esse ângulo, a droga e os sinais físicos da dependência podem se tornar apenas os sintomas mais evidentes de um problema muito maior.

A mesma coisa ocorre na homossexualidade. Há causas, uma história e fatores associados ao desenvolvimento da orientação sexual homossexual que, na maioria dos casos, não possuem relação direta com o mundo espiritual, mas sim com a vida social, como a falta de referencial familiar positivo, especialmente o da figura paterna, abusos e outros traumas sexuais, o próprio reforço afetivo do cuidador que às vezes, sem perceber ou até intencionalmente, acaba “desmasculinizando” ou “desafeminando” demais o(a) filho(a) ou neto(a). E quanto mais cedo isso ocorre, mais difícil é de lidar na fase adulta, porque é daí onde surge a ideia de “já nasci assim”.

COMPARATIVOS E GENERALIZAÇÕES
Outro problema muito comum que tenho observado são os comparativos com a história de ex-gays. O homossexual recém-convertido mal chega na igreja e já é bombardeado por uma série de relatos de pessoas que conseguiram deixar o desejo sexual por pessoas do mesmo sexo e hoje são heterossexuais, casados, com filhos e etc. Então, é comum alguns irmãos mais empolgados dizerem para essa pessoa frases como “você vai conseguir também”, “Deus vai libertar você”, “um dia você vai se casar” e outras expectativas.

Acontece que pode não ser assim, exatamente pelo que expliquei no primeiro item. Cada sujeito possui uma história diferente, com suas próprias motivações, causas e consequências. A transformação que Deus faz na vida de uma pessoa pode ser diferente na de outra, e isso não cabe a nós julgar, mas apenas compreender e facilitar a realização desse processo.

Quando não entendemos isso, acabamos fazendo comparações que na prática terminam sobrecarregando emocional e psicologicamente a pessoa, porque ela se sente obrigada a atender uma expectativa que talvez não esteja pronta para atender ou que simplesmente não seja a sua, e nem a de Deus.

A generalização nesses casos não é boa porque isso despersonaliza a individualidade de cada um. Claro que testemunhos de transformação são bons e necessários. Não estou dizendo que não podem ser usados. Eles não apenas podem, como devem ser utilizados sempre que possível, mas é preciso fazer isso tendo a consciência de que cada vida é única, valorizando a experiência de cada sujeito em seu relacionamento com Deus, porque é através desse relacionamento que ocorre a transformação, e quem determina a forma como ela ocorre é o Espírito Santo.

FOCO NA HETEROSSEXUALIDADE E NÃO EM CRISTO
O Evangelho de Cristo não pode ser apresentado para o homossexual como uma oferta de mudança de orientação sexual. Deus está muito mais interessado em trazer o homossexual para perto Dele do que deixá-lo afastado apenas porque não consegue abandonar a atração homossexual definitivamente ou em dado momento.

Há questões muito delicadas nisso que precisamos entender, embora este texto não tenha a pretensão de esclarecer tudo.

Desejo e prática são coisas diferentes. O desejo está na esfera da tentação. Todos nós temos desejos pecaminosos, porque todos nós somos tentados, especialmente na área sexual. Deus sabe disso, porque Ele sonda os nossos corações. Quem não possui desejos pecaminosos? Acontece que é justamente por termos consciência desses desejos que podemos lutar contra eles. E lutar sim contra a consumação do pecado, não só como prática, mas também como desejo.

Diferente do não convertido, temos o Espírito Santo em nossa vida, revelando em nós o que precisa ser confrontado e modificado. O mesmo vale para o homossexual que entrega sua vida para Deus.

É a certeza disso que nos permite, aos poucos, ir vencendo a nossa natureza pecaminosa, carnal e idólatra, deixando que o Espírito Santo assuma o controle da nossa vida e não o pecado. Por isso, a transformação ocorre quando o Evangelho de Cristo é apresentado para todos, indistintamente, como a verdade revelada por Deus para a nossa salvação, mediante a justificação dos nossos pecados através do sangue de Jesus Cristo. Nesse aspecto não há diferença de pecado. Todos são pecados passíveis de morte, mas também todos são justificados quando há arrependimento, confissão e vontade de mudança.

Portanto, quando digo que o foco da Igreja ao lidar com homossexuais não é a heterossexualidade, mas sim Cristo, estou dizendo que o papel da Igreja antes de mais nada é anunciar a salvação, propiciando o relacionamento dessas pessoas com Deus, com os irmãos, para que através disso a transformação que deve ocorrer seja uma consequência natural da operação do Espírito Santo na vida delas, assim como é na vida de todos nós.

Assim, o ex-gay não é, necessariamente, a pessoa que deixou definitivamente a atração pelo mesmo sexo, mas que tem Cristo em sua vida e está ciente de que uma vez liberto da escravidão do pecado, não vive pecando.

Há casos onde a transformação é imediata, sim, mas a maioria é um processo, alguns muito longos, com falhas e nem sempre o resultado é o idealizado. O casamento, por exemplo, não é uma finalidade por si só. A vida em Cristo, sim, e ter isso como referência é o primeiro passo para a possibilidade de um futuro casamento.

Nosso papel como Igreja é ser canal de benção, suporte e orientação na vida dessas pessoas, nunca esquecendo que quando lidamos com problemas de raízes profundas, o aprendizado é constante e marcado por cicatrizes. Pode ser que essas marcas não desapareçam, mas que a dor e as consequências provocadas por ela sejam curadas.

Marisa Lobo possui graduação em Psicologia, é pós-graduada em Filosofia de Direitos Humanos e em Saúde Mental e tem habilitação para Magistério Superior.
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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